Das árvores, da terra e do homem: a mudança na saúde ambiental da floresta amazônica

Trabalhadores extrativistas carregam grandes sacas de castanhas nas costas pela floresta amazônica.
(Foto: Gleilson Miranda/Secom AC)

 

O valor incomparável da Floresta Amazônica supera em muito qualquer benefício econômico ou agrícola a ser obtido com sua ruína

A Floresta Amazônica, lar de cerca de 30% da biodiversidade do planeta, há muito está sujeita à intervenção humana. Há oito mil anos, os povos indígenas viviam na Amazônia, cultivando e eventualmente domesticando espécies como o cacau e a castanha-do-pará muito antes da chegada dos colonizadores europeus. Há quinhentos anos, muitos desses povos indígenas foram vítimas de genocídio e, séculos depois, a floresta que habitavam ainda reflete seu impacto em grande parte de sua estrutura e crescimento (Meyer, 2017).

No entanto, em termos de sustentabilidade e impacto de longo prazo, essa alteração duradoura da Amazônia pelos povos indígenas não é de forma alguma comparável à gravidade dos danos causados ​​pelas práticas humanas modernas. As mudanças modernas na Amazônia não resultam do cultivo constante, mas do desmatamento que aumenta em ritmo acelerado.

A destruição da Amazônia indiscutivelmente contribui mais para o mal à humanidade e ao planeta do que para o bem, e as consequências de seu desmatamento só piorarão à medida que isso continuar. O desmatamento da Floresta Amazônica põe em perigo espécies de plantas e animais, muitas das quais podem conter propriedades medicinais desconhecidas, prejudica as populações indígenas remanescentes e contribui para a crise climática ao matar árvores e plantas que capturam CO2 e produzem oxigênio. O valor incomparável da Floresta Amazônica supera em muito qualquer benefício econômico ou agrícola a ser obtido com sua ruína, e ações significativas devem ser tomadas imediatamente para proteger a floresta – só assim ela pode sobreviver ao próximo século de existência humana.

O desmatamento em escala industrial na Floresta Amazônica começou na década de 1960, quando o governo brasileiro, durante um período de alta inflação e crise econômica, voltou-se para a floresta para acomodar a expansão do país, principalmente nas formas de criação de gado e cultivo de soja. Outras práticas ocorreram em conjunto com essas, sendo uma delas a extração comercial. Só que, quando uma determinada área não contém espécies de árvores procuradas, ou é simplesmente muito grande, a “agricultura de corte e queima” é empregada: vários quilômetros quadrados de floresta podem ser queimados de uma só vez, liberando grandes quantidades de CO2 na atmosfera no processo de abrir espaço para pasto e cultivao (Barber, Chomentowski, Skole, & Urquhart, 2001).

O desmatamento da Amazônia se transformou em uma indústria multibilionária mantida não apenas pelo Brasil, mas por atores como os Estados Unidos e a Europa, que importam carne bovina, soja e óleo de palma (Lai, 2021). Enquanto os que estão no poder encontram prosperidade na destruição da floresta tropical, a saúde dos que vivem na região amazônica continua significativamente afetada pela poluição do ar, da terra e da água causada por pesticidas agrícolas e pela queima contínua da flora. Cerca de 20 milhões de cidadãos brasileiros, muitos dos quais não têm acesso a serviços de saúde de qualidade, sofrem de aumento de “doenças respiratórias e cardiovasculares, bem como de morte prematura” (Human Rights Watch, 2020). Os povos indígenas que vivem na floresta tropical são ainda mais afetados e não têm escolha a não ser sofrer as consequências de práticas fora de seu controle.

A Floresta Amazônica mede aproximadamente 4,38 milhões de quilômetros quadrados e abriga mais de 3 milhões de espécies, incluindo mais de 16.000 de árvores, 40.000 de plantas, 1.300 de aves e 437 de mamíferos (Butler, 2019). Esta vasta gama de vida biodiversa é responsável por cerca de 30% de todas as espécies na Terra.

Além da fauna e flora que chamam a Amazônia de lar, 400 povos indígenas vivem na floresta tropical, sendo cerca de 100 deles isolados (Survival International). Os povos indígenas vivem de forma sustentável na Amazônia há séculos e dependem da região para sua sobrevivência e modo de vida contínuos. Essas pessoas não são apenas prejudicadas pelos efeitos do desmatamento, mas são suas vítimas diretas; Os povos indígenas hoje são ameaçados pelo desmatamento que “limpa” a floresta até as fronteiras de seu território e, muitas vezes, invade suas terras.

Em 2018, o direitista Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil e rapidamente cumpriu sua promessa de campanha de explorar a Amazônia para fins lucrativos com total falta de consideração pelos povos indígenas ou consequências ambientais. Bolsonaro reverteu as proteções para a Amazônia que existiam antes de seu mandato e violou ativamente muitos dos compromissos legais anteriores do Brasil, incluindo o Acordo de Paris sobre Mudança do Clima e até mesmo a própria Política Nacional do Brasil sobre Mudança do Clima (Human Rights Watch, 2020 ).

Bolsonaro e seu governo encorajaram agricultores e pecuaristas com a garantia de que seu governo não tomaria medidas contra eles por qualquer quantidade de desmatamento ilegal, atividade nociva ou deslocamento de povos indígenas (Lingel, 2020). Como resultado disso, o desmatamento da Amazônia aumentou dramaticamente e atingiu níveis não vistos em décadas, e agora continua a queimar em um ritmo mais rápido do que nunca (Butler, 2019).

Lar de uma das maiores e mais biodiversas coleções de vida do planeta, a Floresta Amazônica tem grande valor intrínseco. A floresta tropical armazena cerca de “… 120 bilhões de toneladas de carbono, e cerca de metade de toda a precipitação anual… [é transpirada] pela floresta de volta para a atmosfera” (Schwartzman, 2013). De todos os gases de efeito estufa liberados na atmosfera como produto das atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, o CO2 reivindica o papel mais significativo na condução das mudanças climáticas (Jacoby, Prinn e Reilly, 2003). Sem a floresta tropical para processá-lo e armazená-lo, o aumento dos níveis de CO2 na atmosfera por si só serviria como um catalisador para uma mudança climática devastadora.

Neste momento, cerca de 17% a 20% do território da Amazônia foi completamente desmatado, e um adicional de 17% foi, no mínimo, degradado. Cerca de 10.000 espécies conhecidas de plantas e animais enfrentam um alto risco de extinção. A ciência atual coloca o ponto de não retorno (“tipping point”) da Amazônia – o ponto em que “ela não será mais capaz de gerar sua própria chuva e sustentar seus ecossistemas de floresta tropical” – em 20% a 25% de desmatamento (Conservação da Amazônia). No ritmo atual, é provável que seja ultrapassado em menos de algumas décadas.

A perda da Floresta Amazônica resultaria em um aquecimento global muito acelerado, extinção em massa de espécies de plantas e animais, crises de saúde pública e o risco de extinção dos povos indígenas que dependem dessa área para viver.

Além disso, a Floresta Amazônica possui imenso valor – potencial e confirmado – para o avanço da medicina moderna. “Mais de 25% dos medicamentos usados ​​pela medicina moderna usam compostos de plantas diretamente…” (Running, 2016) e “mais de 50 [por cento] dos medicamentos prescritos são derivados de produtos químicos identificados pela primeira vez em plantas” (Fullerton, 2017).

Os seres humanos usam as plantas como remédio desde os tempos pré-históricos, e essa prática e conhecimento medicinal são transmitidos entre as tribos indígenas da Amazônia há séculos. Muitos medicamentos para o tratamento de doenças como malária, glaucoma e leucemia não existiriam sem as plantas da Floresta Amazônica. O mérito da Amazônia para a medicina moderna é um fato estabelecido e irrefutável, e muitos argumentam que, uma vez que grande parte da Amazônia foi inexplorada, combinada com as inúmeras espécies não descobertas dentro dela, isso é evidência suficiente de que incontáveis ​​medicamentos preciosos ainda não foram encontrados.

A pesquisa científica atual sobre a vespa social brasileira descobriu que seu veneno mata as células cancerígenas sem danificar as células saudáveis ​​ao seu redor. Embora ainda nas fases iniciais de teste, esta pesquisa é apenas um exemplo que demonstra as possibilidades que a floresta tropical oferece (Barnes, 2017). Há muito valor e potencial medicinal na Floresta Amazônica, e esse potencial pode ser utilizado em benefício da saúde contínua da espécie humana sem colocar em risco a floresta tropical de onde vem e sem prejudicar os povos indígenas que lá vivem.

O desmatamento da Floresta Amazônica é uma indústria multibilionária que se estende por todo o mundo e é alimentada por muitos interesses, alguns deles econômicos, agrícolas e políticos. Os madeireiros na Amazônia, por exemplo, visarão espécies específicas de árvores ou colherão todas as árvores de uma determinada área para maximizar os lucros. Quando feito legalmente, os madeireiros operam dentro das cotas autorizadas e deixam áreas protegidas e territórios indígenas intocados.

É claro que a extração legal de madeira sempre causará algum nível de dano, pois exige que os caminhos sejam limpos e inevitavelmente resulta em danos colaterais na forma de árvores impactadas e vida selvagem prejudicada ou deslocada. No entanto, a extração de madeira oferece segurança de trabalho e renda para muitos e obtém materiais essenciais usados ​​na vida cotidiana.

Mesmo quando praticado dentro dos limites da lei, contudo, todo desmatamento inevitavelmente resulta em emissões de CO2, perda de habitat e extinção de espécies. Além disso, estima-se que 90% do desmatamento na Amazônia brasileira seja ilegal devido à falta de aplicação da lei ambiental e à notável ausência de preocupação do governo brasileiro (Rodrigues, 2021). Por isso, e considerando o total desrespeito do presidente Bolsonaro pelos danos causados ​​ao clima, para as espécies amazônicas e para os povos indígenas dentro das florestas da região, há muito pouco espaço ou razão para confiar no pequeno percentual de desmatamento que é feito legalmente. Embora não se possa argumentar que não há benefício no desmatamento da Amazônia, o benefício que existe não chega a ser comparado aos custos devastadores e às repercussões já sofridas. Qualquer benefício percebido do desmatamento da Floresta Amazônica é irrelevante diante do que a região está projetada para se tornar se as coisas não mudarem.

Como uma das maiores concentrações de biodiversidade do mundo e antigo lar de centenas de tribos indígenas, a Amazônia possui imenso valor graças à sua diversidade de espécies conhecidas, ao potencial de espécies ainda não descobertas e ao seu papel natural em armazenar as chuvas e processamento de grandes quantidades de emissões nocivas de CO2. Embora haja lucro e algum benefício em desmatar a Amazônia, sua exploração é um escorregar míope para o fim de uma corda já muito puída. Qualquer ganho com o desmatamento da Amazônia não pode anular o custo dos danos incorridos, nem os destroços sofridos pelo clima já delicado.

Em pouco tempo, a Floresta Amazônica estará além de qualquer ajuda. Ações cruciais devem ser tomadas para proteger a Amazônia e restaurá-la ao seu antigo estado natural. O desmatamento da Amazônia afeta a todos nós: a questão não é se a ela sobreviverá à atividade humana, mas se a humanidade pode sobreviver sem a Floresta Amazônica.

Referências
Madelynn McIver é graduanda do programa de Meio Ambiente, Sociedade e Saúde Pública na Universidade Estadual da Flórida, nos Estados Unidos. Tendo crescido na cidade costeira de Pensacola, desenvolveu um profundo interesse e respeito pela natureza desde cedo, que veio a abranger, na vida adulta, o ativismo humano, ambiental e animal.
Marcos Colón é doutor em estudos culturais pela Universidade de Wisconsin-Madison, professor do Departamento de Meio Ambiente, Sociedade e Saúde Pública na Universidade Estadual da Flórida e diretor dos documentários “Pisar Suavemente na Terra” e “Beyond Fordlândia”.

 
 

Print Friendly, PDF & Email

Você pode gostar...

Translate »