Florestas são trocadas por votos quando há eleições acirradas, aponta estudo

Pesquisa publicada na ‘Biological Conservation’ reforça a existência de ‘desmatamento eleitoral’ em países tropicais, com o uso de terras como barganha política

Montagem: Fabricio Vinhas

Montagem: Fabricio Vinhas

  • Eleições competitivas, nas quais há chances de a oposição chegar ao poder, impulsionam o desmatamento em florestas tropicais, indica estudo
  • Dados apontam que florestas e recursos naturais são usados como moeda de troca por votos e apoio político
  • Ao contrário do que sugerem pesquisas anteriores, não é qualquer eleição que eleva os índices de desmatamento
  • Pesquisadores sugerem que países tropicais reforcem a fiscalização sobre o uso da terra como ativo político
  • Estudo foi publicado na revista “Biological Conservation” em fevereiro de 2023 e envolveu instituições do Quênia, do Reino Unido, da Austrália, dos Países Baixos e da Suíça

Diversos estudos deste século sugerem que eleições podem ser os principais impulsionadores do desmatamento. Uma pesquisa publicada na revista “Biological Conservation” em fevereiro de 2023 vai além: são os pleitos competitivos, com oposição forte, que elevam os índices do chamado “desmatamento eleitoral” em países tropicais.

Segundo os pesquisadores, tudo indica que florestas e recursos naturais são usados como moeda de troca por votos e apoio, como parte da estratégia para se manter no poder ou chegar até ele.

O estudo, revisado por pares, é assinado por Joeri Morpurgo, W. Daniel Kissling, Peter Tyrrell, Pablo J. Negret, Peter M. van Bodegom e James R. Allan, que representam instituições de cinco países (Quênia, Reino Unido, Austrália, Países Baixos e Suíça), dentre elas as universidades de Amsterdam, de Nairobi e Oxford.

O desmatamento político em pesquisas anteriores

Estudos sobre a Amazônia brasileira publicados em 2018 e em 2021 constataram que o desmatamento em nível municipal foi 8% a 10% maior nos anos em que houve eleição municipal. Além disso, um aumento semelhante no desmatamento também foi encontrado na Mata Atlântica durante as eleições nacionais.

Outra pesquisa de 2006 aponta que, durante as eleições para governador nos EUA, é mais provável que os governadores avancem ou recuem na política ambiental com base na preferência de seus eleitores.

Um estudo de 2021 investigou os incentivos econômicos e políticos do desmatamento na Indonésia e descobriu que o desmatamento aumenta substancialmente antes de uma eleição para prefeito, sugerindo que os incentivos políticos podem reforçar o desmatamento tropical.

As eleições são disputas pelo poder em que os políticos visam obter uma vantagem sobre os adversários. Essas vantagens podem ser alcançadas por meio do avanço de políticas populares e da criação de oportunidades econômicas.

Os políticos podem doar ou prometer terras florestais para exploração, a fim de ganhar o favor de apoiadores em potencial. Um exemplo disso ocorreu em Uganda em 2011, onde o governo em exercício prometeu florestas para ganhar o apoio da comunidade.

Outro caso semelhante é a própria eleição presidencial no Brasil de 2018, que causou um aumento no desmatamento devido a promessas de desmonte das leis ambientais –principalmente por parte do candidato que se sagrou vencedor, Jair Bolsonaro (então no PSL).

Nem toda eleição acelera o desmatamento

Os diversos casos estudados mundo afora sugerem que, durante as eleições, os governos podem desviar sua atenção da proteção ambiental, fechando os olhos para as pessoas que utilizam os recursos florestais e permitindo que colham de forma insustentável ou se estabeleçam em terras florestais protegidas.

A maioria dos países tem leis contra a conquista de favores políticos por meios financeiros. No entanto, as leis de proteção ambiental geralmente são monitoradas ou mantidas com menos rigor do que as leis financeiras, tornando a obtenção de apoio por meio da doação de terras e recursos florestais uma alternativa atraente ao dinheiro.

Contudo, segundo os autores da mais recente publicação, é difícil fazer generalizações porque os estudos globais são quase inexistentes e a qualidade e a resolução dos dados de desmatamento geralmente são limitadas. “O efeito das eleições sobre o desmatamento permanece pouco investigado, especialmente em amplas extensões geográficas”, afirmam.

Contrariando as expectativas, a pesquisa concluiu que o desmatamento não aumentou durante os anos eleitorais de modo geral. Pelo contrário: desmatamento foi significativamente menor em anos de eleições presidenciais não competitivas do que em anos não eleitorais.

A chave, portanto, é a competitividade eleitoral, a qual possivelmente leva os políticos a usarem florestas e recursos minerais como método de barganha política.

Metodologia da pesquisa

Os pesquisadores analisaram o efeito das eleições como impulsionadores do desmatamento em escala pantropical. “Nós nos concentramos nos trópicos porque os mecanismos e condutores do desmatamento são bastante distintos daqueles das florestas de latitudes mais altas.”

A análise partiu da quantificação da perda de floresta em 55 países pantropicais usando um sensor anual de alta resolução, de 2001 a 2018. Em seguida, foram avaliadas a direção e a forma das tendências temporais no desmatamento por país. Isso permitiu criar um banco de dados anual durante esse período, cobrindo o ano em que as eleições nacionais ocorreram e que tipo de eleição foi.

Além disso, os autores extraíram informações sobre governança (competitividade, liberdade de imprensa, controle da corrupção), sazonalidade, contribuição agrícola para o PIB e densidade populacional humana.

Conclusões do estudo

O levantamento mostra que 1,5 milhão de km² de floresta tropical –uma área semelhante em tamanho à Mongólia– foi perdida entre 2001 e 2018 nos 55 países tropicais analisados. A maior área de perda florestal ocorreu no Brasil (470 km²), seguido pela Indonésia (227 km²) e República Democrática do Congo (113 km²).

Infográfico produzido pelos autores

De acordo com os autores, os dados sugerem que anos não competitivos de eleições presidenciais têm menor desmatamento em comparação com anos não eleitorais, e que anos não competitivos de eleições parlamentares estão associados a um menor desmatamento do que anos competitivos de eleições parlamentares. Esses resultados estão de acordo com estudos anteriores sobre a competitividade do ciclo eleitoral, sugerindo que eleições competitivas podem ser potenciais impulsionadores do desmatamento.

“Nossos resultados confirmam essa tendência ao mostrar que a taxa de desmatamento vem aumentando em mais de dois terços dos países estudados, especialmente na Amazônia, na Bacia do Congo e no Sudeste Asiático. Essa perda é alarmante, pois o desmatamento está se acelerando enquanto a área florestal remanescente se torna menor e fragmentada”, afirmam.

Enquanto 74% dos países estudados mostraram uma tendência de aumento linear ou curvilínea do desmatamento, também houve alguns países em que o desmatamento estava diminuindo (14%) ou flutuando com aumentos e reduções esporádicas (12%). Essas reduções parecem coincidir com a implementação de políticas ou ações de proteção florestal.

O estudo cita como exemplo positivo o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), criado em 2004 no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que levou a uma redução de 37% no desmatamento entre 2005 e 2007.

Fiscalização eleitoral deve ficar atenta ao desmatamento

“Nossa análise revelou que o desmatamento é significativamente maior em anos eleitorais competitivos em comparação com anos eleitorais não competitivos”, afirmam os autores.
“Nossos resultados apoiam nossa expectativa de que eleições mais competitivas aumentarão os incentivos para os políticos fazerem mau uso de bens públicos para ganhar favores. Além disso, os cidadãos também podem desmatar florestas preventivamente, com medo de nova legislação por regimes antidesmatamento ou na expectativa de impunidade.”

Para melhorar a proteção das florestas, os autores recomendam que esquemas de monitoramento de integridade e transparência para eleições, como a Global Network of Domestic Election Monitors (GNDEM), avancem sobre o monitoramento de recursos naturais.

“Instamos os órgãos de gestão eleitoral e os grupos de conservação a estarem vigilantes durante as eleições competitivas, porque as florestas e outros recursos naturais podem ser trocados por votos. Elucidar ainda mais o papel das eleições no desmatamento deve ser o foco dos esforços de conservação florestal”, concluem.

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