Genoma dos Ashaninka surpreende pesquisadores e revela novas origens

Estudo publicado na ‘Current Biology’ mostra que o povo da Amazônia é formado por dois subgrupos ligados a migrações do Sudeste da América do Sul ou do Cone Sul

A maior parte dos Ashaninka que vive hoje no Brasil encontra-se na aldeia Apiwtxa, no município de Marechal Thaumaturgo (AC) - Foto: Barbara Veiga / Amazônia Latitude

Povo Ashaninka. – Fotos: Barbara Veiga, Bianca Piyãko, Tore Ashaninka, Yara Piyãko, Otxi Ashaninka, Thokiriyari Piyãko, Omiriyatsi Ashaninka, Piyãko Ashaninka, Tairi Piyãko e Raine Piyãko / Amazônia Latitude

  • Os Ashaninka (ou Ashenĩka) habitam principalmente o Peru e territórios no Acre
  • Pesquisadores analisaram o genoma de 51 indígenas para esclarecer origens
  • O estudo revelou a existência de dois subgrupos, moldados por interações com povos que migraram do Sudeste da América do Sul ou do Cone Sul
  • Também foi revelada uma conexão com povos que migraram para ilhas do Caribe
  • O resultado surpreendeu os pesquisadores, que esperavam um grupo mais homogêneo

Os Ashaninka (ou Ashenĩka) são o povo indígena mais numeroso da Amazônia peruana e ocupam também alguns territórios no Acre, habitando uma área entre os Andes e o Alto Juruá. Apesar do tamanho da população e importância, sua história genômica permaneceu pouco estudada.

Agora, uma equipe de pesquisadores relata na revista “Current Biology” que analisou o genoma de mais de 50 indivíduos para esclarecer as interações do grupo com populações da América Central e do Caribe. O resultado revela que os Ashaninka não são tão homogêneos quanto se acreditava. Os pesquisadores também sugerem que os Ashaninka, juntamente com outros grupos de língua aruak (ou arawak), podem estar geneticamente ligados àqueles que migraram da América do Sul para as ilhas do Caribe, levando à transição da cultura arcaica para a da cerâmica.

“Identificamos pelo menos dois subgrupos genéticos que foram moldados diferentemente por interações passadas com populações que vivem no lado oeste dos Andes e na costa peruana do Pacífico”, afirma Marco Rosario Capodiferro, pesquisador do Trinity College Dublin.

Os Ashaninka mostram uma alta proximidade genética com outras populações do Peru amazônico e do lado leste dos Andes, mas suas origens ancestrais provavelmente remontam a uma migração do Sudeste da América do Sul ou mesmo do Cone Sul.
Marco Rosario Capodiferro, coautor do estudo

Participação de pesquisadores e povos peruanos

A equipe liderada por Alessandro Achilli (da Universidade de Pavia, na Itália) e Capodiferro se propôs a reconstruir parte da história genética pré-europeia das Américas. Para esclarecer o passado biológico dessa população, eles contaram com a ajuda das autoridades locais e dos povos indígenas do Peru, incluindo coautores peruanos com anos de experiência na condução de análises genéticas. Eles também aproveitaram amostras de DNA que já haviam sido coletadas com o consentimento informado de todos os participantes do estudo.

Há pelo menos dois subgrupos Ashaninka

No geral, eles analisaram os perfis do genoma de 51 indivíduos Ashaninka da Amazônia peruana, revelando uma quantidade inesperada de variação ou diversidade subjacente. Na verdade, a análise mostrou que o grupo não é um, mas inclui pelo menos dois subgrupos Ashaninka geneticamente distintos.

Os dados genéticos dos dois grupos recém-descobertos mostram que eles foram moldados diferentemente ao longo do tempo pelo grau e tempo de chegada e mistura de pessoas de outras partes da América do Sul. Esses grupos externos incluíam outros povos indígenas dos Andes e da costa do Pacífico.

Em escala continental, os pesquisadores relatam que os ancestrais Ashaninka provavelmente remontam a uma migração sul-norte de grupos indígenas que se mudaram para a floresta amazônica a partir de uma área do Sudeste, com contribuições do Cone Sul e da costa atlântica.

Essas populações ancestrais diversificaram-se posteriormente nas variadas regiões geográficas do interior da América do Sul, no lado oriental dos Andes, onde interagiram de diferentes maneiras com os grupos costeiros circundantes. “Neste cenário complexo”, dizem os pesquisadores, “também revelamos conexões estreitas entre os ancestrais dos atuais Ashaninkas (da família de línguas Aruak) e os grupos indígenas que se mudaram para o norte no Caribe, contribuindo para o início da cultura arqueológica da cerâmica (saladoide) tradicional nas ilhas.”

Diversidade genômica dos Ashaninka surpreendeu os pesquisadores

A alta variação genética dentro dos Ashaninka e suas relações com as populações vizinhas nos surpreenderam mais do que outros resultados; esperávamos um grupo muito homogêneo, seguindo eventos de isolamento em sua história, mas encontramos grupos genéticos como resultado de interações contínuas com populações vizinhas, contrariando o que já havia surgido na literatura.
Marco Rosario Capodiferro

“A constatação que mais nos deixou perplexos diz respeito à origem do grupo, que parece derivar de uma migração de uma população do Sudeste”, diz. “E certamente esse ponto será melhor analisado aumentando a resolução dos dados e adicionando os indivíduos antigos da região.”

Capodiferro diz que as descobertas mostram como um estudo microgeográfico, com uma boa representação de uma população indígena específica, pode destacar diferentes facetas impossíveis de identificar quando menos indivíduos e uma abordagem macrogeográfica são consideradas. Ao elucidar a história desse grupo, as descobertas também mostram que “ainda há muito a ser descoberto sobre os grupos indígenas americanos”, com implicações para a história genética da América do Sul de forma mais ampla.

Colaboração internacional para a pesquisa

“Esta pesquisa foi um esforço colaborativo internacional que reuniu geneticistas, arqueólogos, linguistas e antropólogos da Itália, Irlanda, Peru, Brasil, Argentina, EUA, Estônia, Alemanha, Suíça e Áustria com o mesmo objetivo de reconstruir o que aconteceu com os povos indígenas das Américas antes do contato europeu usando o DNA como ferramenta principal”, disse Achilli. “O DNA tem características específicas de cada indivíduo e pode fornecer informações sobre os ancestrais dos indivíduos, possibilitando a reconstrução de suas histórias por meio do estudo da sequência de DNA das pessoas que vivem hoje.”

Próximos passos do estudo

Os pesquisadores dizem que ainda há muito mais a descobrir sobre a história genética dos indígenas americanos, especialmente no sul do continente. Em trabalhos futuros, eles explorarão o genoma completo de indivíduos Ashaninka junto com outros grupos indígenas. Eles também farão comparações entre o DNA atual e o antigo de sítios arqueológicos na área para refinar ainda mais a história genética da região desde o início do Holoceno até os tempos coloniais.

*Este texto é uma tradução e adaptação do publicado pela Cell Press / Current Biology.
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