Jornalismo na Amazônia: da violência aos estereótipos
Jornalistas que cobrem a região (principalmente as mulheres) sofrem com ataques, ameaças, constrangimento, falta de financiamento e olhar viciado
Colagem de jornalistas que lutam pela Amazônia, com Eliane Brum, Rubens Valente, Lúcio Flávio Pinto, Catarina Barbosa, Ariel Bentes, Ariene Susui, Rosane Steinbrenner e Dom Phillips. Arte: Fabrício Vinhas
Quando navegavam no rio Itacoaí, na região do Vale do Javari, no Amazonas, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira foram assassinados em uma fatal emboscada, no dia 5 de junho de 2022. A tragédia, que ganhou os olhos do mundo, evidenciou o perigo de lutar pela propagação dos direitos dos povos tradicionais e pela preservação ambiental da Amazônia.
Mesmo após dois anos do crime, o jornalismo que fala sobre a região amazônica ainda lida com o abandono e a insegurança de cobrir sua vastidão e diversidade. Investigar os assuntos ligados aos impactos socioambientais causados por grandes empresas, fazendeiros, grileiros, madeireiros e garimpeiros requer coragem.
Esses “senhores de vida e morte”, como disse o jornalista e sociólogo paraense Lúcio Flávio Pinto à Amazônia Latitude, ditam o poder local nos territórios amazônicos mais afastados e também nos centros urbanos, cerceando a liberdade de expressão dos jornalistas e ameaçando sua integridade física.
Nascido em Santarém, no Pará, Pinto é um dos maiores repórteres investigativos brasileiros. Jornalista desde 1966, está no olho do furacão desde os anos 1970, denunciando a exploração destrutiva na Amazônia e os impactos dela. Sociólogo formado pela FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), EDITA DESDE 1987 o Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém.
O jornalista aponta que os desafios enfrentados pelo jornalismo feito na Amazônia são iguais aos de qualquer outra grande metrópole, como Brasília, São Paulo ou Nova York. “Mas existe um nível de debate e de controvérsia específicos da Amazônia, pela intensa relação de interesses internacionais e nacionais aqui”, explica.
Além dos interesses voltados à região, que são, sobretudo, exploratórios e avessos a pautas dos povos tradicionais, há ainda um outro lado. É no interior amazônico, das diversas Amazônias, que estão presentes os conflitos e aqueles que são impactados por eles. Ao fazer jornalismo de investigação na região é que se vive as violências, sejam físicas, institucionais ou psicológicas. Essas situações se manifestam principalmente nas coberturas ligadas a pautas ambientais, políticas e de direitos humanos.
“O grande desafio é como enfrentar essas situações no sertão amazônico. O conflito de terras que teve muitas mortes e ficou famoso na região de Piçarras, quem mandava lá não era o presidente da República, nem o ministro do Exército e nenhuma autoridade federal nem estadual. Quem mandava mesmo era o grande fazendeiro”, relembrou Pinto, citando a Revolta dos Perdidos, quando agricultores familiares enfrentaram grileiros e agentes de segurança em um violento conflito por terras em Piçarras (PA), nos anos 1970.
Lúcio Flávio Pinto foi processado 34 vezes por empresários, desembargadores, políticos e madeireiros. Foi também seguidamente ameaçado de morte e agredido três vezes – a mais grave das agressões cometida por Ronaldo Maiorana, um dos donos do Grupo Liberal, principal veículo de comunicação do Pará.
Após denunciar a exploração e a ameaça do desaparecimento do mogno na Amazônia e a então maior grilagem de terras da história do Pará, praticada pelo empresário Cecílio do Rego Almeida, dono da Construtora C. R. Almeida, o jornalista foi processado três vezes.
Uma reportagem publicada em 1999 pelo jornalista paraense no Jornal Pessoal apurou que a Construtora C. R. Almeida grilou quase cinco milhões de hectares de terras na região do rio Xingu, no Pará. O crime foi comprovado, mas Cecílio do Rego Almeida, já falecido, nunca foi preso. Pinto chegou a ser obrigado a pagar uma indenização por danos morais ao grileiro.
“Isso influenciou muito no meu desgaste ao longo do tempo. Depois de ter trabalhado durante 21 anos na grande imprensa, eu passei a fazer só jornalismo alternativo e um jornal que não aceitava publicidade. Já abri mão da principal receita de uma empresa jornalística, mas não aceitava nenhuma publicidade ou um mecenas. Não queria vinculação política, porque essa cobertura queria mostrar o que a grande imprensa não cobre, os principais fatos da Amazônia”.
Ao colocar a vida em risco, os jornalistas da Amazônia também lidam com questões como as barreiras no acesso à informação e as dificuldades geográficas e de falta de financiamento. É o que aponta “O papel do jornalismo na defesa da Amazônia: uma análise comparativa do Brasil e da Colômbia”, relatório lançado em maio pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Fundação para a Liberdade de Imprensa (Flip), da Colômbia.
O capítulo dedicado à Amazônia Ocidental brasileira evidencia que os conflitos locais são marcados pela exploração da floresta, como o desmatamento e o garimpo ilegal, bem como por questões fundiárias e violência ligada a facções criminosas.
Escalada da violência na Amazônia
O estudo Fronteiras da Informação – Relatório sobre jornalismo e violência na Amazônia, produzido pelo Instituto Vladimir Herzog, analisou a situação dos jornalistas amazônicos, com registro e mapeamento dos comunicadores que atuam na região. Os relatos obtidos pela pesquisa atestam que a região vive uma crescente onda de violência contra os profissionais da imprensa.
Foram 230 casos de violência contra jornalistas registrados nos últimos dez anos. O Pará se destaca como o estado mais violento, com 89 dos 230 casos. No Amazonas, foram registrados 38 casos, seguido de Mato Grosso (31) e Rondônia (20). O viés de cerceamento da liberdade de expressão se manifesta por meio de processos judiciais movidos contra jornalistas em 2022, ano eleitoral. Foram 249 casos – um aumento de 14% em relação a 2018.
Para Catarina Barbosa, membro da diretoria da Abraji, jornalista investigativa amazônida e feminista reconhecida pelo seu trabalho na cobertura de violações de direitos humanos e questões socioambientais na região amazônica, os jornalistas mais desprotegidos são aqueles que continuam investigando em seus territórios.
“Quando você continua no território, você está muito mais vulnerável do que um jornalista que vem de fora para fazer essas pautas. São os desafios de se fazer esse jornalismo complexo por conta da segurança.”
Catarina Barbosa, membro da diretoria da Abraji
A repórter relata já ter sofrido intimidações durante as reportagens de campo que fez no Pará. “Em muitas situações, funcionários da empresa que eu estava investigando faziam fotos da equipe. Era muito mais uma intimidação do que de fato uma ameaça. Houve também a atuação de companheiros de imprensa, das assessorias, que na ânsia de defender seus trabalhos foram bastante ameaçadores”, denuncia.
Com longa trajetória de repórter nas redações do Amazonas, a jornalista Ivânia Vieira, professora doutora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (FIC/Ufam), pesquisadora e integrante do movimento de mulheres do estado, revela que já sofreu ameaças em torno de duas situações prevalentes. Uma, diz ela, é por ser mulher jornalista e, a outra, por fazer perguntas.
“Juntas, essas condições geram reações. Como trabalhei como repórter e editora em Cidades, Economia, Política, Coluna de Opinião, ao longo dos anos e em diferentes veículos, cada cantinho desses reserva o encontro com o machismo de empresários, sindicalistas, parlamentares, governantes e gente do judiciário”, disse.
Existe ainda o incentivo à violência no trato social e profissional dos jornalistas, além da tentativa de substituição do jornalismo por outros arranjos que privilegiem desinformação e discursos com potencial destrutivo. “Posicionar-se contra essa conduta é ser agredida, ameaçada. Vivi um pouco dessas experiências e ainda hoje alguns atuam para me desqualificar como jornalista mulher”, manifestou Vieira.
Catarina Barbosa também revela o atravessamento da violência de gênero no seu trabalho enquanto jornalista mulher. Em campo, já foi assediada e explica ter adotado protocolos de segurança para se proteger.
“Eu tenho todo um protocolo em campo depois dessa situação que eu passei. Ando com roupa folgada, de cabelo preso e de boné. Existe uma questão muito particular para a mulher amazônida fazer o trabalho que a gente faz. As mulheres estão fazendo um excelente trabalho em campo e a gente precisa falar das questões de gênero. Um homem jornalista nunca vai ter medo de ser estuprado. O tempo inteiro nos lugares onde a gente vai fazer essas matérias, a gente enfrenta muito mais riscos”, declarou.
Falta de financiamento ao jornalismo na Amazônia
A falta de investimento e a dificuldade de acesso à informação somam-se aos desafios enfrentados pelos profissionais da comunicação na Amazônia. A própria geografia do território dificulta o trabalho jornalístico e as questões de deslocamento são obstáculos nas coberturas. Há ainda a interferência de poderes políticos e econômicos.
O enfraquecimento financeiro dos meios e iniciativas de comunicação locais e independentes contribui para o avanço dos chamados “desertos de notícia”. Uma pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) registrou narrativas e estratégias de desinformação que contribuíram para a deslegitimação de movimentos sociais, ataques aos defensores socioambientais e a violência contra povos originários no Brasil.
O relatório “Ecossistema da Desinformação Socioambiental no Brasil” apontou para a precariedade da cobertura de imprensa, que negligenciou os impactos sociais do desmatamento, das queimadas e de eventos climáticos extremos. Na Amazônia Legal, a desinformação nasce nos desertos de notícia, resultando em um alto índice de reprodução de conteúdos de assessorias de imprensa de políticos locais e agências de notícias financiadas pelo agronegócio e outras atividades exploratórias.
Para Catarina Barbosa, fazer jornalismo investigativo e socioambiental na Amazônia é muito caro. As distâncias de um campo para uma reportagem são muitas vezes inviáveis. “Tenho defendido essa questão do financiamento não apenas para os veículos, mas para o jornalista freelancer. Tem muito veículo independente surgindo, do próprio território e que precisam ser financiados, e é preciso também ter um olhar para esse jornalista freelancer que hoje está escrevendo em vários veículos”, afirmou.
Jornalista e cofundadora da Abaré – Escola de Jornalismo, Ariel Bentes relembra que trabalhar como repórter freelancer na Amazônia, no período da pandemia de covid, lhe trouxe instabilidade financeira e física.
“Fazer reportagem independente já carrega inúmeros desafios por si só. Fazendo esse recorte territorial, as coisas se agravam ainda mais. Trabalhar como freelancer sem nenhum tipo de estabilidade empregatícia durante a pandemia, no contexto amazônico, foi muito difícil. Os editores, principalmente os sudestinos, não entendem como é o nosso trabalho aqui, em campo. Não entendem como é a logística, como é a questão da conectividade do acesso à internet”, disse.
Pela Abaré, Bentes foca em atuar no fortalecimento do jornalismo local e na construção de estímulo para que mais jornalistas ampliem sua cobertura sobre os seus próprios territórios, “para que a gente não tenha esses desertos de notícia e que tenhamos mais informações e investigações sobre determinadas áreas”.
Para além dos estereótipos
Diante das complexidades de se fazer jornalismo na Amazônia, os profissionais garantem que é necessário ter um conhecimento profundo das questões políticas, econômicas, geográficas e sociais que atravessam os territórios, para que não reproduzam narrativas colonizadoras e fetichistas, como é costume acontecer em coberturas nacionais e internacionais.
“Com todas as informações suficientes para identificar a Amazônia, que é muito complexa, se consegue ver onde está o problema. É preciso que o jornalismo ambiental tenha consciência dessa autonomia ecológica e das questões sociopolíticas para defender a Amazônia”, enfatiza Lúcio Flávio Pinto.
O jornalista discorre sobre a questão de que não poderia fazer um bom jornalismo a partir de São Paulo para cobrir a Amazônia. “Eu me tornaria uma vítima do viés do exotismo na cobertura da região, que é ‘cidadezinha aqui aquilo’, o que interessa para o cara [da grande mídia] é se o jacaré está passando no meio da rua. Isso é fato [jornalístico], mas o jacaré que está na lagoa sendo caçado, não é”.
Lúcio Flávio Pinto qualifica um bom jornalista na Amazônia a partir da vivência e compromisso. Ele se diz apaixonado pela região e escolheu voltar a morar lá, depois de décadas trabalhando em outros lugares.
“Eu tive conhecimento vivencial e a informação em continuidade. Diferentemente do enviado especial, que vem passar uma semana ou 10 dias e aí se desinteressa, ele não sabe quem são as pessoas, ele não sabe como é o ambiente. O jornalista é aquele que vive e que estava lá, e eu vi”, atesta.
Para Pinto, o que diferencia o jornalismo na região do resto do país é a possibilidade de “não cometer na Amazônia os erros que foram cometidos no restante do Brasil, principalmente substituir a natureza por atividades humanas e tecnologia de ponta”.
“Por isso mesmo eu vejo com preocupação o surgimento de empresas, organizações civis e movimentos para defender a Amazônia, a descarbonização, para fazer o aço verde. Tudo isso é uma linguagem retórica da ecologia, que na verdade vai servir de biombo para interesses econômicos em um grau diferente. O jornalista tem que estar informado para mostrar essas distorções.”
Lúcio Flávio Pinto, professor, jornalista e sociólogo
Ariene Susui trabalha com o objetivo de furar a linha de estereótipos que envolvem a sua qualificação pessoal e profissional: ela é jornalista, da Amazônia, indígena do povo Wapichana e ativista. Embora seu foco sejam as reportagens investigativas, ela era mais requisitada pelas redações para escrever artigos de opinião.
“Quando eu me formei, eu já queria trabalhar com jornalismo investigativo e as pessoas não acreditavam que eu poderia escrever uma reportagem como qualquer outra pessoa”, relatou.
Para Susui, é preciso modificar o processo colonial que está enraizado nas redações. “Quebrar com esse estereótipo é desafiador. É preciso falar sobre comunicação e jornalismo, para que as pessoas entendam que somos profissionais que estão fazendo dessa profissão o nosso modo de contribuir para uma sociedade mais justa.”
Mesmo com o surgimento recente de vagas de jornalismo específicas para indígenas e pessoas da Amazônia, Ariene acredita que os veículos não estão preparados para receber esses profissionais, que fazem um jornalismo contra-hegemônico.
“O jornalismo está relacionado ao processo capitalista e colonial. Como é que você vai ter jornalistas com viés de luta contra as injustiças, contra os garimpeiros e mineradoras, contra empreendimentos que afetam diretamente o território ou a questão das mudanças climáticas, dentro de uma redação que não se encaixa com essa visão?”, questiona.
Na perspectiva de Catarina Barbosa, é preciso que jornalistas da Amazônia escrevam sobre a Amazônia para gerar impacto. Esse é considerado pela jornalista um passo importante para que povos e comunidades tradicionais contem suas histórias e contribuam para a construção de conteúdos que tratem de suas realidades de forma diversa.
“Eu espero mais por esse jornalismo que mostre a realidades locais como elas são, colocando as nossas palavras do jeito que a gente escreve e o que acontece na nossa realidade sem essa coisa de fetichismo sobre a região. Só assim a gente vai fazer com que as pessoas daqui sejam respeitadas”.
A jornalista reforça que a colonização e a visão exótica sobre a região prejudicam a participação de jornalistas da Amazônia na ocupação de espaços para liderar o debate socioambiental, que só é positivo se for plural.
“Essa narrativa sempre foi monopolizada e quem contava as histórias da gente não éramos nós. A partir do momento em que a gente começa a contar essas histórias, a gente quebra com a ideia de que a Amazônia é um grande lugar verde, vazio e inabitado, como a gente lia anos atrás. Quem disse que as pessoas vindas de fora estão salvando a Amazônia? Esse discurso só é possível quando você escuta as pessoas locais, porque essas pessoas de fora não têm o menor interesse em questionar as suas posições porque são lugares de privilégio”, afirma Barbosa.
Do ponto de vista acadêmico
Rosane Steinbrenner, professora efetiva da Faculdade de Comunicação (Facom) e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Cultura e Amazônia (PPGCom) da Universidade Federal do Pará (UFPA), prega a formação de profissionais que tenham compreensão da complexidade e da diversidade de se defrontar subjetivamente com uma cobertura de questões amazônicas, que envolvem disputas sociais e políticas.
“Um jornalista precisa entender quem ele é, da onde ele faz jornalismo e os seus valores. É preciso todo um preparo de protocolos de cobertura, ainda mais com o alto nível de violência, porque é uma questão de disputa por terra. A qualidade do profissional tem a ver também com a compreensão crítica do fazer jornalismo”, destaca.
A professora advoga também pela sensibilidade nos relatos e na integridade das informações coletadas em regiões de conflitos, que se tornam visíveis por meio da cobertura. “Muitas vezes, a cobertura faz aumentar o grau de risco daquele sujeito em campo. É preciso ter consciência dos efeitos da divulgação que vai fazer, do seu papel de informar e, ao mesmo tempo, da compreensão do que significa tornar visível certas realidades. Ou seja, é um compromisso ético com as histórias que devem e precisam ser contadas”.
Ivânia Vieira explica que exercício do jornalismo nos convoca, permanentemente, a conhecer, seja o conhecimento científico, da academia, até o conhecimento desenvolvido pelos povos originários e comunidades.
Mesmo assim, há uma resistência nos espaços de aprendizagem em se debruçar sobre questões da Amazônia de forma que não seja estereotipada. A Amazônia, diz Vieira, é lugar de perguntas, não de silenciamentos.
“Na Amazônia, aprendemos a fazer jornalismo a partir de noções externas por meio das quais a ideia de Amazônia se firmou e passou a ser cultuada, ensinada, moldada nos ambientes de formação e replicada estruturalmente nos demais ambientes. Em parte, o sistema de aprendizagem está vinculado a conceitos e procedimentos ligados à cultura colonial, na qual a Amazônia é aquele lugar atrasado, onde habitam estranhos povos, de costumes diferentes da civilização, e reproduzidos nos atos coloniais com retoque erudição”.
O que o jornalismo da Amazônia precisa?
Ariene Susui observa que a pauta ambiental no jornalismo avança de lugares elitizados e privilegiados, sem muito contato com os territórios e com a própria Amazônia. “A imprensa pode contribuir muito mais nessa questão da democratização da pauta ambiental, mas ainda é uma pauta elitizada. Outros veículos da grande mídia, do Sudeste, conseguem adentrar em lugares que talvez nós que estamos na região amazônica e nos territórios não conseguimos ainda.”
Assim como todas as outras formas de processos coloniais, afirma Susui, a comunicação não seria diferente nesse aspecto, por que “ainda existe esse olhar de fora, descrito por aqueles que não vivenciavam o fato e escreveram narrativas errôneas”. Para a ativista indígena, é crucial a ocupação desse espaço por jornalistas da Amazônia.
“Tem que começar a respeitar o jornalista que já está aqui. Existem pessoas locais fazendo a cobertura por um jornalismo que atenda a essas realidades, que ouça essas realidades e com fontes que de fato são pessoas locais”.
Rubens Valente, premiado jornalista paranaense que há 35 anos cobre a Amazônia, pensa diferente. De modo geral, ele vê como positiva a atuação na região de jornalistas que vêm de fora. Valente diz que pode haver exageros, mas que é cada vez mais raro encontrar exemplos de reportagens com viés colonialista.
“Não acho um bom caminho tachar uma cobertura que vem de fora, por si só, colonizadora, negativa ou ruim. O jornalismo é feito também do estranhamento, de uma visão diferente, do choque de realidades e de culturas diferentes. Se uma pessoa vem de fora e vê problemas reais, é excelente que ela levante essas dúvidas, que levante um olhar não viciado sobre a realidade. Acho salutar. Não há problema na discussão sobre o salvamento da Amazônia, se ela for feita em bases verificáveis, palpáveis e científicas. É bom lembrar que Dom Phillips, quando foi assassinado no Vale do Javari, estava escrevendo um livro chamado “Como salvar a Amazônia”.
Ariene Susui defende que o jornalista que quer escrever sobre as questões da Amazônia deve estudar e se dispor a mudar narrativas. “Precisa ter essa descolonização de narrativa sobre povos tradicionais, povos indígenas e sobre a própria Amazônia. Têm que deixar um pouco seu ego de lado, desse jornalista tradicional que sabe de tudo porque estudou.”
E que jornalismo a Amazônia precisa? Para Susui, a Amazônia precisa de um jornalismo comprometido com todas as vidas. ’’Pessoas humanas, pessoas não humanas, floresta, os rios, as pessoas que estão nas periferias, nos territórios, as pessoas que estão lutando para a demarcação de seus territórios, as pessoas ribeirinhas. A Amazônia precisa de um jornalismo que seja comprometido com a vida para que se comece a escrever sobre histórias reais”, finalizou.
Esta reportagem foi traduzida por Chris Whitehouse e publicada pela Latin America Bureau em 9 de julho de 2024. Leia a versão em inglês aqui.
Reportagem e texto: Nicoly Ambrosio
Produção: Nicoly Ambrosio & Marcos Colón
Revisão: Felipe Andretta
Edição: Filipe Andretta & Marcos Colón
Montagem de página e acabamento: Alice Palmeira
Coordenação de fluxo de trabalho editorial: Alice Palmeira
Arte: Fabrício Vinhas
Direção: Marcos Colón