Claudioleno Castro e a luta contra o Garimpo de Areia
Neste LatitudeCast, líder de comunidade ribeirinha conta as ameaças e desafios enfrentados por denunciar a extração ilegal de seixo no Pará
Claudioleno Castro, líderança da comunicade de São José. Foto: Yris Soares/Amazônia Latitude. Arte: Fabrício Vinhas
Recentemente, foi divulgada pela Intercept Brasil, uma das principais agências de jornalismo investigativa do país, a denúncia de um mercado ilegal com foco na extração de seixo ao longo do leito do rio Moju, localizado no noroeste do estado do Pará.
Essa extração está sendo responsável por uma destruição imensurável no rio e, consequentemente, vem prejudicando muitas famílias ribeirinhas que precisam dos peixes e da água para viver. A extração, que também é conhecida como garimpo de areia, é responsável por retirar o seixo do leito do rio para ser usado em revestimento, decoração e como um dos principais materiais para construções civis.
Porém, essa extração resulta em diversos impactos negativos ao meio ambiente, como a erosão nas margens do rio e o aumento da turbidez da água, que reduz a passagem de luz solar e prejudica toda a cadeia alimentar do rio, alterando seu curso e o nível da água.
Sem contar que o processo impacta seriamente a qualidade da água, principalmente devido à grande concentração de metais pesados, que se tornam prejudiciais à saúde, sendo assim impossível de ser consumida. Além da denúncia da extração ilegal, a agência expôs a ameaça de morte que Claudioleno Castro, uma das lideranças das comunidades afetadas, sofreu, a mando dos responsáveis por esse crime ambiental.
O defensor precisou sair das suas terras para não morrer, pois uma recompensa foi colocada pela sua cabeça. Mas as ameaças também deram forças para ele seguir lutando pela defesa do seu território. Essa situação nos faz lembrar da infeliz marca de que o Pará foi o estado com mais mortes de ambientalistas registrados em 2022.
E segundo os dados do relatório de 2023 da ONG Rainforest Foundation, entre 2022 e 2023, a região amazônica concentrou 75% dos assassinatos de ativistas em todo o país. Quem protege os que protegem a Amazônia?
Neste episódio do Latitude Cash, conversaremos com Claudioleno, que tem 36 anos e que nasceu e cresceu à beira do Rio Mojô. Ao ver sua comunidade São José ser duramente afetada pela extração ilegal de seixo, ele decidiu lutar.
Confira agora o episódio do LatitudeCast:
Amazônia Latitude: Seja bem-vindo, Claudioleno. Obrigado por aceitar falar conosco em um momento tão delicado.
Claudioleno Castro: Eu que agradeço de poder falar aqui sobre as situações que vêm acontecendo na nossa comunidade.
Claudioleno, a extração desse seixo ocorre há muitos anos na região, mas quando você percebeu que esse crime ambiental começou a prejudicar a sua comunidade diretamente e decidiu denunciar?
De seis a sete anos, a gente vem fazendo denúncia e nada é feito. A gente foi no Ministério Público, foi na Secretaria do Meio Ambiente, no município, ninguém tomou providência sobre essa situação.
Quais são os principais impactos dessa extração de seixo no Rio?
É a poluição da água, que é a nossa vida, e a beira do rio que fica também quebrando, fica desmoronando, que eles vão tirando o seixo e vai cavando, fica aquele buraco. Então, o que acontece? Essa lama desce pra baixo e vai embora no rio. Nós não temos peixe, nós não consumimos mais a água da beira do rio.
Para onde esse seixo que é extraído vai? É alguma empresa que compra ou algum comércio local?
São os pequenos lojistas de material de construção que compram, no município de Abaitetuba, Igarapé-Miri, Vila Maiotá, Cametá, Ponta de Pedra, até pra Portel vai seixo.
Você saberia dizer o valor dessas balsas que passam com o seixo?
A balsa que foi apreendida, que a comunidade pegou, junto com a DEMA, que foi fazer a apreensão, tinha 450m² de seixo, no valor de 300 reais o metro.
Você foi a única liderança que decidiu denunciar ou tiveram outros?
Não, tem outras lideranças de outras comunidades também, só que eles ficaram mais na retaguarda.
Na matéria da Intercept, você conta que colocaram um valor de 20 mil reais pela sua cabeça. Quando você descobriu isso? Como você descobriu isso?
A partir da apreensão da balsa, que foi um prejuízo pro pessoal, aí o dono da balsa tirou uma foto minha na frente da delegacia de Mojú e postou no grupo de WhatsApp deles. Essa foto vazou pra mim e eu já comecei a receber ameaças.
Eles fizeram uma coleta, esse valor entre eles lá, pra repassar pro pistoleiro chamado John. Ele atua muito na comunidade, faz muito tempo que ele anda lá, é um ex-delegado de Soledade, é conhecido como o John da Soledade. Então, já ocorreram duas mortes dentro da comunidade por esse miliciano.
Você já teve algum contato direto com esse John antes de ser ameaçado?
Já, vi muitas vezes, muitas vezes eu vi ele. Ele me conhece, ele sabe quem eu sou.
Você disse que você tentou denunciar a extração ilegal em diversos órgãos, mas como foi a recepção que você recebeu nesses órgãos públicos?
Só diziam que iam investigar, o Ministério Público do município disse, “ah, tá, investigação, investigação”. É tão fácil de pegar os caras, mas nunca foram. Então, durante seis anos, ainda ter essa investigação e nunca pegar ninguém? Nunca foi preso. Nada. Não sai de lá.
Você tem ideia de quantos boletins de ocorrência você fez durante esse período?
Nesse período que eu fiz, dos seis a sete anos, eu não tinha nenhum comprovante, porque eu não sabia como se fazia a denúncia. Eu chegava lá e falava, “Eu quero fazer uma denúncia de extração de seixo”. Aí, só assinava no papel lá e não me davam nenhum comprovante. Quando eu percebi que tinha algo errado, eu comecei a cobrar o meu comprovante, que eu precisava ter, pra comprovar que eu tinha feito a denúncia.
E foi quando eu procurei na Secretaria do Meio Ambiente do município, não tinha nenhuma denúncia minha, sendo que eu já tinha feito várias denúncias. Cadê essas denúncias? Pra onde foram?
No momento, você está escondido devido às constantes ameaças que vem sofrendo. Você tem algum apoio ou proteção?
Nenhuma. Por enquanto, só o apoio de Deus e da família, alguns amigos. Nem todos, não, porque não dá pra confiar agora, não.
Mas você tentou entrar em contato com algum órgão que tenha esse projeto de proteção?
Sim. Ministério Público Federal.
E como foi?
Estão fazendo análise, que tem que ter provas da ameaça e a gente está correndo atrás dessas situações.
O intuito de expor para a mídia esse caso de extração ilegal e se expor, expor o seu rosto, é fazer com que isso tenha visibilidade e chegue nas pessoas certas. Para você, o que precisa ser feito para que essa extração ilegal acabe e você possa voltar para sua casa?
Eu preciso que pare a extração pra gente ter uma água pra gente consumir, pra gente ter o nosso peixe de volta, a gente tomar banho de boa, na beira do rio. A gente, hoje, não pode, tem que ir para os lugares que tem um poço, mas é distante, a mais de 400, 300 metros, pra poder ir pegar água pra beber.
Após a repercussão dessa denúncia e com o alcance que ela está tendo, essa extração de seixo já foi afetada de alguma forma? Seus amigos lá do Moju já relataram algo? Já chegou pra você algo?
Sim, recentemente eu soube que a Polícia Militar fez a apreensão de uma draga e dois barcos, até onde eu sei. De lá pra cá, eu não estou tendo tanto contato, direto pra lá. E eles não estão metendo a cara pra impedir, porque é o trabalho da polícia, a polícia que tem que fazer. Aí, como eles andam com pistoleiro no barco pra comunidade não meter a cara, e os pistoleiros andam abordando qualquer um que for na embarcação, eles dizem que vão matar e atirar e pronto. Quem manda lá são eles. Então, isso tem que ser feito pela polícia, a polícia que tem que fazer, mas não faz, aí a comunidade recuou.
E Claudioleno, eu sei que é um momento delicado pra você, você está passando por um momento muito difícil, um momento de resistência, mas se você pudesse falar um pouco do Moju, da sua comunidade, como ela é e o que você sente falta nela?
Ah, eu sinto falta da minha família.
Claudioleno, a revista Amazônia Latitude te agradece por esse depoimento, por você confiar na gente para tal feito, e a gente espera que esse crime ambiental acabe e os responsáveis sejam devidamente punidos.
Eu que agradeço, muito obrigado.
Roteiro e locução: Yris Soares.
Edição sonora: Júlio César Geraldo.
Revisão: Alice Palmeira.
Identidade visual: Fabricio Vinhas.
Produção e direção geral: Marcos Colón.