Mostras e Festivais de Cinema na Amazônia: Uma janela para a produção audiovisual
Artigo aborda a história, desafios e importância da produção cinematográfica na Amazônia, destacando cineastas, mostras e festivais de cinema que promovem a região
Cine Líbero Luxardo. Foto: Agência Pará
Na introdução do livro “Arte e Grande Público: A Distância a ser extinta”, de Maria Inês Harman Peixoto, a autora afirma que existem temas antigos sobre diversas maneiras de recepção à obra artística. Segundo ela, as queixas sobre o desinteresse do público sobre várias obras artísticas são corriqueiras. Como justificativas, comenta-se que a distância dessas obras e o público remete a conclusões questionáveis sobre a ignorância do público sobre a arte em geral por sua preferência a outros meios de distração.
Em relação ao cinema, esta distância pode ser extinta, gradualmente por meio da cultura cinematográfica, isto é, da exibição constante de todos os gêneros cinematográficos, a exemplo do documentário, menos procurado desde sua produção, distribuição, exibição e, finalmente, pelo público.
Talvez, pela procura insana da fantasia no cinema, os documentários estejam próximos demais da realidade que muitos não querem vivenciar no cinema, o que demonstra a desinformação geral, pois, restringir esse gênero de cinema, apenas como retrato da realidade é não saber que existem inúmeros documentários poéticos como “Janela da Alma” (2001)1Pessoas com diferentes graus de deficiência visual expressa, suas opiniões sobre como como se vêem, como vêem os outros e como percebem o mundo. de Walter Carvalho e João Jardim; “As Canções” (2011)2Diversas pessoas apresentam depoimentos sobre suas memórias lembrando várias canções que marcaram momentos significativos em suas vidas. de Eduardo Coutinho; “Pina” (2011)3Documentário sobre a extraordinária e revolucionária coreógrafa alemã Pina Bausch (1940-2009) com histórias sobre sua vida, carreira profissional e atuações de sua companhia de dança. de Win Wenders; “Cora Coralina Todas suas Vidas” (2017)4Documentário sobre a escritora e poeta brasileira Cora Coralina (1889- 1985) que trabalhou como doceira durante vários anos e publicou seu primeiro livro aos 75 anos de idade. de Renato Barbieri; e “Lugares de Afetos A Fotografia de Luiz Braga” (2008)5Documentário sobre a expressiva obra do fotógrafo paraense Luiz Braga. de Jorane Castro. Desse modo, é necessário valorizar e estimular a criação de documentários e vários modos de sua exibição que podem iniciar pelas mostras e festivais existentes em vários países.
Mostras e festivais de cinema sempre são bem-vindos. Se permitir a experiência de vivenciá-los é uma maneira de se manter atualizado sobre filmes do presente e do passado os quais, muitas vezes, não têm chances de exibição em circuitos comerciais de cinema ou na televisão.
Uma mostra sobre cinema amazônida, então, certamente tem ainda mais significados e propósitos além do viés cinematográfico. Afinal, o que conhecemos da Amazônia – e especialmente sobre o cinema amazônida? Conhecer o que se produz em Cinema nessas terras é um ato de incentivo cultural para aqueles que se dedicam a pensar, registrar, refletir e escrever sobre características e especificidades da região, seja de filmes de ficção ou documentários.
Nos últimos anos, a produção cinematográfica amazônida tem chamado atenção de diversos pesquisadores, cineastas, produtores/as, naturalmente, por ser área rica de possibilidade para diversos fatores de interesse cultural, econômico, social, político e estético.
Pesquisadores como Pedro Veriano6Pedro Veriano é médico, crítico de cinema, cineclubista, cineasta e pesquisador. Ele dirigiu filmes em curta metragem nos anos 1950 e 1960 e escreveu críticas de cinema no jornal A Província do Pará (entre 1966 e 2001) e “A Voz de Nazaré”. É autor dos livros “Cinema no Tucupi” e “Fazendo Fitas: Memórias do Cinema Paraense” e coordenador do livro “A Crítica de Cinema em Belém”. Veriano foi presidente da Associação Paraense de Críticos de Cinema (APCC) e é um dos fundadores e coordenador da programação do cineclube da APCC, desde 1967., Selda Vale Costa7Selda Vale da Costa é pesquisadora e professora aposentada adjunto da Universidade Federal do Amazonas, membro permanente do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia com experiência na área de Antropologia. e Narcício Júlio Freire Lobo8Narcício Júlio Freire Lobo foi membro efetivo da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Autor de textos publicados em revistas acadêmicas e jornais. conseguiram apresentar à cena realizadores respeitáveis da produção cinematográfica amazônida, que pareciam destinados ao esquecimento, dentre os quais Silvino Santos9Silvino Santos (1886-1970) é um dos cineastas pioneiros do cinema silencioso no Brasil. É autor de diversos filmes importantes da cinematografia brasileira como “No País das Amazonas” (1922)., Theodor Koch-Gruneberg10Etnologista e explorador alemão que contribuiu ao estudo dos povos indígenas da América do Sul., Ramón de Bãnos11Cineasta catalão que viveu em Belém-PA no início do século XX e realizou diversos filmes e documentários no período da Belle Époque paraense., Luiz Thomas Reis12Cinegrafista da missão de Cândido Rondon. e Adrian Cowell13Documentarista anglo-chinês que produziu diversos filmes sobre a Amazônia.. Esse registro de nomes importantes da área cinematográfica foi e é de fundamental importância para a história do cinema amazônida.
Desse modo, em muitas pesquisas, a partir de trabalhos acadêmicos publicados em várias universidades como trabalhos de conclusão de curso (TCC), mestrados e doutorados14Marco Antonio Moreira, um dos autores deste artigo, fez sua dissertação de mestrado sobre Alexandrino Gonçalves Moreira, seu pai, um dos agentes culturais de cinema mais importantes do estado do Pará, e sua tese de doutorado sobre o Cineclube da Associação Paraense de Críticos Cinematográficos (APCC). foi possível conhecer as produções fílmicas da Amazônia, como meio de entendimento e questionamento da (re) existência de regiões amazônicas com características não homogêneas que podem ser referências para outros olhares que confrontem estereótipos e preconceitos realizados por olhares estrangeiros mal informados ou com interpretações propositalmente equivocadas sobre essa região.
No trabalho e percurso de ressignificação de conhecimento, informações e reflexões sobre a Amazônia, uma das ações mais expressivas é a realização de mostras e festivais de cinema. No Brasil, existe uma tradição de produção de festivais no sul e sudeste, desde os anos 1960.
No Norte do Brasil, essa situação começou a mudar nos anos 1960. Em 1966, na capital do Amazonas, foi realizado o “I Festival de Cinema Amador de Manaus”, resultado do efervescente movimento cineclubista na cidade naquele período. A iniciativa desse festival, segundo o pesquisador Gustavo Soranz15Professor, pesquisador, escritor e cineasta com obras vinculadas a Amazônia. Autor do livro “Cinema no Amazonas: 1960-1990” (2022)., foi da empresa J. Borges Filmes com a finalidade principal de expandir suas atividades no país, a partir do trabalho realizado em Manaus.
No final dos anos 1960, em Manaus, foi realizado o “I Festival Norte de Cinema Brasileiro”, evento promovido por jovens cinéfilos daquela cidade. Segundo o autor Gustavo Soranz em “Cinema no Amazonas – 1960-1990”, esse festival foi realizado a partir de interesse desses cinéfilos em transformar a cidade em um pólo cinematográfico a partir de novas condições econômicas na região, com a criação da Zona Franca de Manaus16Zona Franca de Manaus foi criada em 1967 no estado do Amazonas pelo governo federal como polo industrial direcionado para a criação de fábricas com o objetivo de promover integração territorial regional e gerar empregos na região.. O festival promoveu a redescoberta da obra do cineasta Silvino Santos, artista importante do cinema amazônida, pouco conhecido na região Amazônia e na história do cinema brasileiro.
Em Belém, capital do Pará, duas ações culturais sobre cinema tiveram relevância nos anos 1970 e foram realizados em parte devido à intensa presença dos cineclubes na programação de cinema local e à expressiva participação da crítica de cinema paraense, com artigos publicados diariamente nos jornais “A Província do Pará” (Pedro Veriano) e “O Liberal” (Luzia Álvares). Além da coluna “Panorama” de Luzia Álvares, o jornal O Liberal publicava uma coluna de cinema semanal do crítico de cinema Alexandrino Gonçalves Moreira (A.G.M)17Alexandrino Gonçalves Moreira (1932-2007) foi crítico de cinema e empresário de exibição cinematográfica do Circuito Cinearte em Belém-PA. Nos anos 1950, apresentou o programa de rádio “Atualidades Cinematográficas” em sua cidade, Itaúna-MG. Antes de escrever em “O Liberal”, ele foi responsável pela coluna de cinema no jornal Folha do Norte..
Uma mostra de filmes amadores promovida pela crítica de cinema Luzia Álvares18Luzia Álvares possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (1977), mestrado em Planejamento do Desenvolvimento pelo NAEA/ Universidade Federal do Pará (1990) e doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2004). Escreveu críticas de cinema no jornal O Liberal (1972-2015). É Coordenadora da linha de pesquisa Feminismo e Política da REDOR (1996-1998 e 2012-2014- 2022). É coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulher e Relações de Gênero-GEPEM/UFPA, desde 1994, com esse grupo fazendo parte do DGP/CNPq. É coordenadora da linha de pesquisa Mulher e Participação Política do GEPEM. É membro da diretoria da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). proporcionou a exibição de filmes em curta metragens de profissionais interessados em fazer cinema, apesar das limitadas condições financeiras e estruturais para a produção de filmes. Muitos realizadores dessa mostra tinham formação publicitária e o evento despertou, incentivou o público paraense para assistir a filmes realizados na nossa região. Entre os realizadores desses filmes estavam Januário Guedes, João de Jesus Paes Loureiro, Chico Carneiro, Vicente Cecim e Isidoro Alves.
Em 1974, uma iniciativa dos associados e parceiros da Associação Paraense de Críticos de Cinema (APCC)19A Associação Paraense de Críticos de Cinema (APCC) foi fundada em 1962 por um grupo de críticos de cinema e jornalistas. Desde 2009, é denominada Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA) com atividades de crítica de cinema e promoção de sessões cineclubistas., foi realizado o “I Festival de Cinema de Belém” no Cinema Olympia. A curadoria desse festival selecionou filmes inéditos em Belém e trouxe nomes expressivos do cinema brasileiro, daquele período, como Paulo Emilio Salles Gomes20Historiador, professor, ensaísta e um dos maiores críticos de cinema brasileiros.. “A Noite do Espantalho”21“A Noite do Espantalho” (1974) de Sérgio Ricardo é um musical brasileiro escolhido como representante brasileiro ao Oscar de melhor filme estrangeiro na cerimônia do Oscar 1975, mas não foi indicado. A história do filme é contada por canções de Sérgio Ricardo e interpretadas pelos cantores e compositores Alceu Valença e Geraldo Azevedo. de Sérgio Ricardo foi escolhido como melhor filme do festival.
Felizmente, os cineclubes em atividade, naquele período na região norte, conseguiram exibir a produção de alguns filmes amazônidas em sua programação. Em Belém, O Cineclube da Associação Paraense de Críticos de Cinema (APCC) exibiu filmes do cineastas e escritos Vicente Cecim como “Malditos Mendigos” (1978) e “Sombras” (1977). Nos anos 1980, curtas metragens como “Ver-o-Peso” (1984) de Januário Guedes foram exibidos em cineclubes locais.
No final dos anos 1990, curtas metragens realizados, a partir de editais municipais, foram incluídos na programação do Circuito Cinearte, circuito de exibição local22O Circuito Cinearte foi um circuito de exibição local criado pelo empresário e crítico de cinema Alexandrino Moreira a partir da fundação dos Cinemas 1 e 2 em 1978. Em 1987, foi fundado o Cinema 3. Em 1994, foi inaugurado os Cines Castanheira 1 e 2. Em 1998/1999, foram inaugurados os Cines Doca 1 e 2.. Filmes como “Mulheres Choradeiras” (2000), de Jorane Castro; “Dias” (2001), de Fernando Segtowick; e “Quero ser Anjo” (2001), de Marta Nassar, tiveram várias sessões exibidas permitindo que o público paraense tivesse acesso à nova produção de filmes realizados no Pará. Ou seja, foi um acontecimento raro de exibição de filmes paraenses em salas comerciais.
Em outros períodos, mostras e festivais de cinema com curadoria vinculada aos filmes amazônidas incluíram alguns latino americanos, como “Norte do Brasil: CineAmazônia – Festival de Cinema Ambiental” (Porto Velho – Rondônia), “Festival Pachamama – Cinema de Fronteiras” (Rio Branco – Acre); “Festival Pan-Amazônico de Cinema Amazônia Doc” (Belém – Pará); “Mostra de Cinema Amazônico” (Belém – Pará) e o “Cine Alter – Festival de Cinema Latino-Americano de Alter do Chão” (Santarém – Pará). Entre as mostras proeminentes realizadas nos últimos anos podemos mencionar, de maneira distinta, o “Festival Amazônia Doc e Mostra de Cinema da Amazônia“.
O “Festival Amazônia Doc” foi criado em 2011, pela produtora e cineasta Zienhe Castro23Cineasta, produtora, roteirista paraense. Desde 2009, é fundadora, Diretora Geral e Curadora do “Festival Pan-Amazônico de Cinema – Amazônia FiDoc“, que promove a difusão da cinematografia dos países Pan-Amazônicos. Dirigiu diversos curtas metragens como “Ervas e Saberes da Floresta” (2012) e “O Homem do Central Hotel” (2019).. O objetivo principal foi o proporcionar visibilidade a filmes documentários com temáticas amazônidas urbanas ou não urbanas. Uma das virtudes desse festival foi a de ampliar as possibilidades de sua curadoria para inclusão de produções cinematográficas amazônidas de países vizinhos do bioma amazônico, com filmes da Bolívia, Colômbia, Guiana Francesa, Guiana, Equador, Venezuela, Peru e Suriname. Ou seja, desse modo, consolidou um pensamento de cinema amazônida de maneira ampliada, inclusiva e vinculada ao cinema latino-americano, pois, habilitou a exposição de olhares diferençados sobre as diversas regiões amazônicas, além da brasileira.
As edições do Amazônia Doc foram consolidadas por várias atividades, além das exibições de filmes, como a realização de oficinas e participação de convidados de diversos segmentos de produção e direção de filmes amazônidas, as quais resultaram em expressiva conexão com o público em geral e pessoas envolvidas com o cinema, publicidade e outras atividades audiovisuais. Mas, a peculiaridade de exibir documentários vinculados à Amazônia foi imensurável do ponto de vista artístico e estético amazônida porque criou oportunidades para que o público assistisse a filmes inéditos que dificilmente teriam chance de lançamento nos cinemas comerciais.
A produtora Zienhe Castro e a curadoria desse festival contribuíram para mudar a visão sobre o cinema feito na Amazônia, especialmente no documentário e, desse modo, estimulou a participação de novas gerações de realizadores e espectadores para o futuro do cinema feito nos estados amazônicos. Atualmente, o Amazônia Doc é o festival em atividade há mais tempo, no estado do Pará. Algumas edições desse festival foram realizadas no Cinema Olympia24O Cinema Olympia foi fundado em 1912 e é o cinema mais antigo do Brasil em atividade. É administrado pela Prefeitura Municipal de Belém com programação alternativa de filmes de diversos países, desde 2006., com excelente participação dos espectadores que, em sua maioria, raramente tiveram oportunidade de assistir, em uma sala de cinema, a documentários com questões amazônidas.
Algumas edições do Amazônia Doc tiveram participação especial de cineastas, pesquisadores e críticos de cinema de outros estados. A edição 2023 foi uma das mais múltiplas em atividades, pois foi presencial, após a pandemia que impediu atividades coletivas como mostras e festivais. A crítica de cinema e apresentadora Flávia Guerra25Flávia Guerra é documentarista e jornalista especializada em cinema com trabalhos de divulgação dos principais eventos de cinema do mundo. foi um dos destaques do festival como apresentadora e mediadora de debates em exibições de filmes no Cine Líbero Luxardo.
A Mostra de Cinema da Amazônia é uma iniciativa do produtor Eduardo Souza26Produtor audiovisual desde 2015 e formado em Comunicação Social – Publicidade e propaganda. Vencedor do prêmio Talentos da Publicidade (2022/23), o maior prêmio publicitário do sul do estado do Rio de Janeiro.. Uma das finalidades do evento é promover mais visibilidade para a produção de diversos filmes e cineastas que são pilares fundamentais para a existência de uma cinematografia amazônida. A primeira edição da Mostra de Cinema da Amazônia aconteceu em Paris, no ano de 2015. Em outros edições, o evento aconteceu por 5 países, 8 estados da Amazônia Legal, exibindo um total de 180 filmes. A edição de 2021 foi online em decorrência da pandemia.
Na programação dessa edição constam lives, entrevistas, exibição de filmes (curtas, médias, longas, documentários) – alguns produzidos na região amazônica – e cinejornais clássicos produzidos na Amazônia nas últimas décadas. O destaque desta edição foi a exibição de filmes de cineastas pioneiros importantes que fazem jus a reconhecimento e estudo, como Silvino Santos, Líbero Luxardo, Pedro Veriano (homenageados da mostra), Milton Mendonça e Vicente Cecim. A partir de reflexões sobre essa mostra é imprescindível informar sobre a trajetória dos homenageados como meio de criar interesse e estudos sobre seus trabalhos.
Cineastas pioneiros
Silvino Santos (1886-1970), um dos pioneiros do cinema brasileiro, cineasta luso-brasileiro que se estabeleceu em Manaus, no início do século passado. Durante muitos anos, seu trabalho não teve reconhecimento no Brasil, mas, felizmente tem sido frequentemente citado como um realizador importante do cinema amazônida. Na Mostra realizada em 2021, foram exibidos dois filmes de sua autoria: No Paiz das Amazonas (1922) e No Rastro de Eldorado (1925). Grande oportunidade para o público assistir e tomar conhecimento dos inícios da cinematografia em Belém do Pará!
Líbero Luxardo (1908-1980), cineasta paulista que veio morar em Belém nos anos 1940, para produzir documentários sob encomenda para o então governador do Estado, Magalhães Barata. Líbero foi um dos precursores na realização de cinejornais paraenses e dirigiu longas metragens importantes para o fomento do audiovisual paraense, a partir dos anos 1960 – como a obra “Um Dia Qualquer” (1962). Os filmes “Belém 350 Anos” (1966), “Pescadores da Amazônia” (1970), “Rio Purus” (1972), “Marajó”, “Barreira do Mar” (1965) e “Brutos Inocentes” (1973). Esses filmes foram exibidos na mostra/2021.
Pedro Veriano, médico, cinéfilo desde sempre, é o nosso mestre da crítica cinematográfica paraense27Pedro Veriano e Luzia Álvares publicaram críticas de cinema durante várias décadas em jornais paraenses. A coletânea “Memórias da Cinefilia Amazônida” é um projeto criado pelos autores deste texto para valorizar a crítica cinematográficas paraense e iniciou com pesquisas referente ao trabalho de Veriano e Álvares. Em 2023, foram lançados os primeiros e-books com críticas de Pedro Veriano e Luzia Álvares como homenagem a sua relevância para o desenvolvimento da crítica cinematográfica paraense.. Ele filmou vários curtas-metragens a partir dos anos 1950 que foram exibidos nesta edição da Mostra como os curtas “A Visita” (1951), “O Desastre” (1952), “Deus de Ouro” (1953) e “O Brinquedo Perdido” (1962).
Milton Mendonça, um dos pioneiros dos cinejornais no Pará com realização de s filmes que mostram Belém em diferentes épocas. A mostra disponibilizou os cinejornais “Feira Nacional da Amazônia” (1960), “Av. Almirante Barroso Modernizada” (1960), “Colégio Antônio Lemos” (1963), “Guarasuco – Nova Indústria (1964) e Premiados Fazem Demonstração” (1964).
Vicente Cecim (1946-2021), mais conhecido como escritor28Escritor, crítico de cinema e cineasta paraense. Um dos principais críticos de cinema do Pará, escritor premiado nacionalmente e um dos mais expressivos cineastas do cinema paraense., tem uma obra cinematográfica muito singular. Cecim fez muitos filmes em super 8 nos anos 1970, um período de poucas produções no Pará. É um trabalho que merece ser assistido. Como programador do Cinema Olympia, realizei uma mostra de filmes de Vicente Cecim em sua homenagem e foi muito gratificante perceber o interesse do público pela sua obra. Na Mostra de 2021, foram exibidos os curtas “Matadouro” (1975), “Permanência” (1976), “Sombras” (1977) e “Malditos Mendigos” (1978).
A transmissão da programação da “8ª Mostra de Cinema da Amazônia” foi feita pelo canal oficial da Mostra no YouTube e os filmes selecionados lançados nos dias agendados e disponíveis por 72 horas. As lives aconteceram durante vários dias, com convidados especiais que incluíram minha participação e da professora e crítica de cinema Luzia Álvares. Assistir a esses filmes foi uma rara oportunidade de conhecer mais sobre o cinema amazônida e deve se expandir cada vez mais a partir de novos talentos que vêm surgindo na área do audiovisual. Afinal, histórias foram feitas para serem contadas, lembradas e assistidas para sempre.
Infelizmente, muitas mostras e festivais produzidos em diversas décadas não tiveram continuidade por várias razões, principalmente, pela falta de recursos financeiros e patrocinadores. A ausência de mostras e festivais de filmes amazônidas em Belém tem gerado desatualização sobre produções amazônidas clássicas e novas, para a maioria do público, logo, é imprescindível operacionalizar e requisitar do poder público a criação de editais para que festivais de filmes tradicionais possam retornar às atividade e que novas mostras possam chegar às telas dos cinemas de nossa região.
Novas iniciativas de realização de mostras e festivais amazônidas poderão ampliar as premissas dos festivais citados, incluindo maior desenvolvimento do conceito de “Quarto Cinema”29O cineasta Maori Barry Barclay usou o termo “Quarto Cinema” para descrever o cinema indígena a partir de sua prática como diretor em criar uma estética indígena de se pensar e fazer filmes. com filmes realizados com a participação dos povos indígenas, a partir de seus olhares e interpretações sobre o mundo que os cerca.
O conceito de Quarto Cinema foi empregado pelo professor e pesquisador Sávio Stocco30Professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA). e Lúcia Ramos Monteiro31Chefe do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense, integra o Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da mesma instituição (PPGCine-UFF). na publicação “Cinemas Amazônicos em tempo de Luta”32“Cinemas Amazônicos em tempo de luta” analisa a representação da Amazônia no cinema. e, certamente, pode gerar outras maneiras de mostrar a Amazônia, seus povos, suas culturas para o mundo.
Um festival de cinema pode ser caracterizado como um evento sócio-cultural-cinematográfico que pode resultar em impactos distintos nos espectadores. A partir dos festivais citados nesse texto, é possível perceber a urgência de impulsionar essas e outras iniciativas como meio de mostrar diferentes olhares, questões de identidades, tempos históricos e questionar políticas de produção/distribuição/exibição dos filmes amazônidas.
De acordo com a professora Tetê Mattos33Mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense e professora do Departamento de Arte desta Universidade. É vice-presidente do Fórum dos Festivais., os festivais de cinema são eventos estéticos, políticos e de mercado, mas é vital incentivar festivais de região, ou seja, festivais com propostas de contribuir para o estímulo e formação da produção local. Além disso, são imprescindíveis para a formação de novo público que possa conhecer e valorizar essas produções. Esses festivais de região somados a outras iniciativas de streaming, como exemplo, o canal AmazoniaFlix34AmazôniaFlix é uma plataforma de streaming de filmes e Séries para difundir e internacionalizar o acesso às produções audiovisuais da região amazônica. e canais no YouTube podem gerar repercussões relevantes na recepção do público para apreciação de produções amazônidas de várias épocas e refletir, além do padrão estético cultural industrial da maioria dos filmes americanos produzidos em Hollywood.
Pedro Veriano no livro “Cinema no Tucupi” (1999), em relação à capital do Pará, Belém, afirma que temos uma cidade de admirável histórico de memórias vinculadas ao cinema que transcorre pelos primeiros filmes, a primeira sessão de cinema em 29 de dezembro de 1896, os cineastas pioneiros, a expressiva presença da crítica cinematográfica na formação de espectadores por meio de diversos veículos de comunicação35Pedro Veriano coordenou uma pesquisa sobre a história de crítica cinematográfica paraense publicada no livro “A Crítica de Cinema em Belém” (1983)., o Cinema Olympia, o ator Syn de Conde36Ator paraense. É considerado o primeiro ator brasileiro a trabalhar em Hollywood., os cineclubes como da APCC, cinemas alternativos como Olympia e Cine Líbero Luxardo37O Cine Líbero Luxardo foi inaugurado em 1986. É um cinema de programação alternativa com exibição de filmes de diversos países. É vinculado a Fundação Cultural do Pará do Governo do Estado do Pará. e filmes realizados por nova geração de produtores e diretores de cinema apesar da falta de incentivos financeiros que cria constante descontinuidade de realização e recepção do públicos. Mas, é preciso agir e projetar ações, como mostras e festivais de cinema amazônida, como meio de contribuição para outros futuros em relação ao cinema e audiovisual brasileiro.
Concluímos esse artigo, com citação do mestre Pedro Veriano no livro citado acima, ele inclui no crédito final, um episódio ocorrido no final dos anos 1970, quando o diretor alemão Werner Herzog38Cineasta alemão com ampla filmografia em diversos gêneros cinematográficos, especialmente documentários. Herzog iniciou sua carreira no final dos anos 1960 e realizou diversos filmes expressivos como “O Enigma de Kaspar Hauser” (1974). chegou em Belém, para tratativas referentes ao seu filme “Fitzcarraldo”39“Fitzcarraldo” (1982) de Werner Herzog. Com Klaus Kinski, Claudia Cardinale. No início do século XX, um homem determinado quer construir uma casa de ópera no meio da floresta amazônica.. Segundo Veriano, Herzog queria filmar a história desse personagem lunático, que queria construir um grande teatro na selva Amazônia, no início do século XX. Herzog queria que as filmagens ocorressem em Belém, mas diversas dificuldades mudaram os planos do diretor. Veriano provoca uma reflexão:
Será que o cinéfilo amazônida é um Fitzcarraldo escrito e escarrado? Quem chega de longe, de selva de pedra que simplifica a geografia em muito asfalto e muito mato, espanta-se com os “índios” de jeans ou mesmo de tricoline apreciando cinema ao ponto de escrever sobre o assunto. Yes, o jungle man vai ao cinema. Tem no seu quintal uma sala de projeção panorâmica, som dolbu-stereo (nem sempre dolby e nem sempre estéreo) e vê a “fita” que está levando em Nova York ou Los Angeles. O conforto patrocinado pela globalização junta-se a tradição de ver e fazer, que eu procurei fazer depressinha, pensando em quem devora um texto no ônibus ou quem simplesmente se apavora com muitas palavras impressas” (Veriano, p. 66, 1999).
Esperamos que mais conhecimento, pesquisas, informações e ações sobre a importância das mostras e festivais de cinema amazônidas sejam compartilhadas nos próximos anos, para seja consolidar outros e novos tipos de produção e espectador amazônida. Esperamos que o distanciamento entre a arte amazônida e o público seja mínimo para uma atualizada consciência cultural, política e social sobre a Amazônia.
Vale destacar mais um dos pontos principais dessas mostras, qual seja, o de trazer ao público essa produção importante dos pioneiros que, naturalmente não contavam com as facilidades tecnológicas de hoje, tampouco com editais de apoio e, mesmo trabalhando com essas adversidades todas, realizaram filmes fundamentais para o público em geral e, principalmente, para os jovens cineastas dos meios virtuais que a cada dia vêm inovando os modos do fazer cinema. O conhecimento do que veio antes é indispensável para quem deseja (re)inventar as atividades, mas não há como inovar sem conhecer os precursores da bela sétima arte.
Referências
Marco Antonio Moreira Carvalho tem Graduação em Administração pela Universidade Federal do Pará (1986), Pós-graduação em Marketing (1999) pela Fundação Getúlio Vargas/Ideal, Mestrado em Artes pela Universidade Federal do Pará (2015), Doutorado em Artes pela Universidade Federal do Pará (UFPA), foi professor substituto do curso de Cinema da UFPA (Universidade Federal do Pará) e gestor da programação do Cinema Olympia (Belém-Pará). É membro da Academia Paraense de Ciências (APC), presidente da Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA), crítico de cinema do Jornal O Liberal (Revista TROPPO, até 2020. Coluna Cineclube, desde 2021), membro/fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e coordenador-geral do Centro de Estudos de Cinema(CEC). Colaborador do projeto de Pesquisa Memórias da Dramaturgia Amazônida: Construção do Acervo Dramatúrgico. Dramaturgias da Dança e Estudos do Corpo e coordenador do projeto de extensão Acervo de Críticas Cinematográficas. In: Coleção Memórias da Cinefilia Amazônida.
Bene Martins é professora associada da Universidade Federal do Pará. Leciona e pesquisa na Faculdade de Dança e no Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGARTES), da UFPA. Mestre em Letras: Linguística e Teoria Literária pela Universidade Federal do Pará (1997), Doutora em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004). Pós-doutora em Estudos de Teatro, 2016, Universidade de Lisboa-PT, realizado com apoio UFPA-CAPES. Coordenadora do Projetos de Pesquisa: Memórias da Dramaturgia Amazônida: Construção do Acervo Dramatúrgico. Dramaturgias da Dança e Estudos do Corpo e do projeto de extensão: Acervo de Críticas Cinematográficas. In: Coleção Memórias da Cinefilia Amazônida
Revisão e Arte: Glauce Monteiro
Montagem da Página e Acabamento: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón