COP na Amazônia: recorde de engajamento popular, impasse nos fósseis
Evento no Pará registra mobilização social inédita, impulsionada pelo ambiente democrático, mas termina sem avanços na eliminação de combustíveis poluentes.

Marcha Global dos Povos Indígenas – A Resposta Somos Nós, evento paralelo à COP30. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil.
Após três anos realizada em países com regimes autoritários, a Conferência das Partes, realizada em Belém, no Brasil, se consagrou como um espaço de forte manifestação e participação popular. O regime democrático facilitou essa abertura, com a COP30 focando na Amazônia e acolhendo ativistas e movimentos sociais, transformando a cidade em um centro de discussões e ações para além da Zona Azul.
Contudo, apesar da intensa atividade social, a pauta da eliminação dos combustíveis fósseis — uma das mais debatidas entre todos os movimentos sociais e a mais importante para alcançar a transição energética — não progrediu nas negociações oficiais, levantando questionamentos entre cientistas, ativistas e sociedade civil como um todo.
Em um cenário de grande atividade, Bruna Cerqueira, Coordenadora-Geral da Agenda de Ação pela Presidência da COP30, ressaltou o foco do Brasil em catalisar ações voluntárias. Sob sua liderança, a iniciativa trabalhou para reunir 117 planos para acelerar soluções em diversas áreas, abrangendo energia, transporte, florestas e sistemas alimentares. Cerqueira endossou a visão do presidente Lula, de que esta seria a “COP da implementação”, buscando resultados aplicáveis além das negociações formais.
“O Presidente Lula disse que essa era a COP da verdade, que essa era a COP da implementação. E, de fato, aqui conseguimos culminar um trabalho que já estava acontecendo ao longo dos últimos seis meses de trazer para a mesa 117 planos para acelerar soluções”, explica.
Complementando o trabalho da Agenda, Cerqueira descreveu a Zona Verde como um ambiente dinâmico, conectando a sociedade e promovendo discussões que superam as negociações oficiais. Para Cerqueira, esse espaço contempla a essência de uma ação climática que busca soluções práticas, sem depender de consensos entre os todos os países-membros.
O espaço da Zona Verde é um espaço muito vivo, onde temos a sociedade como um todo, e onde nos conectamos com o que está para além das negociações. A Agenda de Ação traz justamente isso: o que podemos fazer na prática, o que um grupo de atores que quer avançar pode fazer sem precisar de um acordo entre 198 países?”

Pessoas chegam na entrada da área da Green Zone (Área Verde), na COP30. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil.
A experiência de diplomatas e participantes internacionais em Belém também foi um aspecto observado por Bruna Cerqueira. Para ela, a COP foi uma oportunidade para que esses visitantes compreendessem a realidade amazônica e as complexidades locais, algo que não pode ser percebido à distância. Essa vivência permitiu um entendimento das necessidades e das soluções para a região, direcionando iniciativas para apoiar a realidade brasileira.
“Olhando e andando por Belém, vemos os vários diplomatas por aí vivendo e tendo uma experiência diferente para eles. De repente, eles imaginavam que estariam no meio da Amazônia e que não haveria uma cidade, um espaço urbano, e estão se deparando com essa realidade.
No entanto, nem todos os participantes da COP30 compartilham da mesma visão. Sila Apurina, Coordenadora-Geral da Rede GTA e da Embaixada dos Povos, participou da organização dos eventos paralelos à Zona Azul, avaliando a mobilização. Para ela, a Conferência do Brasil foi a de maior engajamento já vista, impulsionada por uma articulação global que uniu diferentes setores e regiões do mundo.
Essa foi a maior mobilização [da sociedade civil] de todas as COPs que eu já vi, considerando tanto a articulação do campo, dos rios, da floresta, quanto de outros países. Foi importante termos mais de 1.300 organizações na Cúpula dos Povos, inclusive da África, da Ásia, do Sul Global e de outros continentes da Europa, […] demonstrando uma sinergia muito expressiva da sociedade civil, como sociedade organizada e mobilizada para os eventos paralelos.”
Essa vasta mobilização da sociedade civil no Brasil, conforme Sila Apurina, só foi possível devido ao regime democrático do país, uma diferença significativa em relação às sedes anteriores. Ela salientou a liberdade de expressão, proporcionando um ambiente propício para a manifestação. “Eu estive presente tanto na COP de Dubai quanto na COP de Baku. Infelizmente, em nenhuma das duas conseguimos fazer manifestação. Isso ocorreu porque, nesses países anteriores, o regime ditatorial proibia a expressão e qualquer tipo de mobilização da sociedade civil. Por essa razão, não realizamos protestos”, explica.
Sila Apurina, no entanto, aponta uma discrepância nos espaços da Conferência, criticando a “Zona Azul”, administrada pelas Nações Unidas, por seu caráter restritivo, e a falta de avanço na agenda principal.
Nos espaços da COP, tanto na Zona Verde quanto na Zona Azul, eu avalio que houve discriminação. Embora a Zona Verde fosse um ambiente aberto, permitindo a entrada e a proposição de atividades autogerenciadas, a sociedade civil teve menos representação geral. Na Zona Azul, um espaço bem limitado, sob a governança da ONU, percebe-se um distanciamento da participação social. Isso acontece porque as empresas, com um número maior de credenciamentos, predominam no espaço de negociação, reduzindo a influência dos movimentos sociais.”
A ausência de progressos concretos na eliminação gradual dos combustíveis fósseis foi um ponto de decepção para Apurina. Ela aponta que a Conferência não conseguiu alterar o panorama de queima de diesel e petróleo, que continua sendo uma das principais causas das emissões de gases de efeito estufa. A continuidade da “licença da Foz do Amazonas” sinalizou um resultado decepcionante, similar ao de COPs anteriores.

Na Zona Azul, um espaço bem limitado, sob a governança da ONU, percebe-se um distanciamento da participação social. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil.
Em meio a essas percepções distintas, Luciana Bade, Coordenadora Geral de Mobilização na Presidência da COP30, confirmou a intenção do governo de destacar o evento como a “COP das pessoas”, estabelecendo um pilar exclusivo para a mobilização. Ela elogiou o engajamento da sociedade civil brasileira, característica que, segundo ela, é recorrente em eventos nacionais.
A ideia é que essa COP fosse lembrada, além da ‘COP da implementação’, mas como a ‘COP das pessoas’. Então, criou-se o pilar Mobilização, um pilar exclusivo. E a gente lidou com a mobilização desses mutirões que a gente convidou o mundo todo a fazer, e também com a sociedade civil. E a sociedade civil brasileira sempre dá um show, porque ela é organizada, ela é engajada, e não foi diferente nessa COP.”
A mobilização da sociedade civil não se restringiu à Belém, estendendo-se pelo Brasil com uma série de pré-COPs regionais. Esses eventos focados em biomas como Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampas e Pantanal, bem como encontros com grupos como as quebradeiras de coco de Babaçu e povos indígenas, demonstraram uma grande capilaridade e um esforço nacional. Tais movimentos contribuíram para a apresentação de diversas demandas, que foram levadas ao palco da Conferência principal, evidenciando o comprometimento com a agenda climática. Este alcance reforçou o caráter popular do evento.
Luciana Bade, com a experiência de nove COPs, descreveu a Zona Verde como a mais ativa e com o conteúdo mais denso. Ela caracterizou o espaço como “lindo, lotado todos os dias, pulsante e com conteúdo”, diferenciando-o das Zonas Verdes tradicionais, frequentemente mais focadas em feiras. O investimento da sociedade civil em pavilhões e painéis gerou um vasto número de eventos, debates e anúncios importantes, transformando a área em um polo de discussão e inovação.
Foi difícil acolher todos aqui em Belém, mas nós conseguimos. E eu digo que nós conseguimos porque as Zonas Verdes, eu posso falar isso com a experiência de quem já está na nona COP, nunca teve antes uma Zona Verde como a gente teve aqui na COP do Brasil, na COP30. Uma Zona Verde linda, lotada todos os dias, pulsante e com conteúdo.”
A Coordenadora aponta que a representatividade numérica também se destacou na COP brasileira, consolidando a expectativa de uma COP de participação social. Cerca de 1.200 membros da sociedade civil foram credenciados na Zona Azul, o espaço mais restrito da Conferência, e milhares frequentaram a Zona Verde diariamente. A participação indígena foi notável, com quase 400 credenciados na Zona Azul, além de muitos outros presentes na Zona Verde, expondo seus artesanatos e contribuindo para os debates, refletindo a amplitude e a diversidade do engajamento.

Protesto indígena contra a exploração de petróleo na Amazônia na Zona Azul. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil.
Impasse na transição energética
Um dos principais pontos de frustração de representantes da sociedade civil surgiu já no rascunho divulgado no último dia de COP: a ausência de um mapa para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Petróleo e carvão mineral, principais responsáveis pelas emissões que causam o aquecimento global, não tiveram seu fim traçado. A Decisão Mutirão (documento final da Conferência) falhou até em reafirmar o compromisso anterior de “transitar para longe” dessas fontes poluentes. Essa omissão indicou uma falta de avanço na agenda mais sensível da transição energética.
Embora o tema não estivesse na agenda oficial, houve forte pressão política de países como Brasil e Colômbia. Eles buscavam que a COP apresentasse um “Mapa do caminho” para a eliminação gradual do uso desses combustíveis e do desmatamento em escala global. Contudo, não foi possível chegar a um consenso para a inclusão de tais planos de ação. Consequentemente, não se verificaram progressos concretos no abandono progressivo de carvão, petróleo e gás natural, nem na elevação das NDCs (metas nacionais de redução de emissões) assumidas pelos países.
Apesar do envolvimento social, Sila Apurina reiterou sua percepção sobre a ausência de avanços na pauta. Para ela, a Conferência não conseguiu alterar o panorama de queima de diesel e petróleo, sendo essa uma das principais causas das emissões de gases de efeito estufa. A continuidade da “licença da Foz do Amazonas liberada” indicou um resultado similar ao de COPs anteriores.
Em Baku, a gente não conseguiu eliminar os combustíveis fósseis da pauta. No Brasil, que tinha uma chama de esperança bem pequenininha, acesa, também não entrou no documento final. Vimos que saímos do mesmo jeito da COP anterior, inclusive com a licença de exploração do Foz do Amazonas liberada. Então, diante disso, observamos que, do ponto de vista da pauta dos combustíveis fósseis, que é um dos maiores emissores de gases do efeito estufa, não avançamos em nada. Continuamos queimando diesel, continuamos queimando petróleo e assim a gente não avança dentro da pauta da transição energética.”
A perspectiva científica
Segundo Carlos Nobre, renomado climatologista, meteorologista e pesquisador brasileiro, havia no ar a convicção de que Belém poderia se tornar “a mais importante das COPs”. Ele lembra que o Brasil, sob liderança do embaixador André Corrêa do Lago, propôs algo inédito: o “Pavilhão da Ciência Planetária”. Nobre relata ter dito pessoalmente ao presidente Lula que o Pavilhão apresentava a urgência de zerar o uso de combustíveis fósseis “idealmente” até 2040 e eliminar o desmatamento até 2030, seguido de uma ampla regeneração dos biomas.

Carlos Nobre, renomado climatologista, meteorologista e pesquisador brasileiro. Foto: Lucas Lacaz Ruiz/A13/INPE/Reprodução via Veja.
No entanto, o climatologista também lembra com precisão o momento em que percebeu que o principal avanço esperado da COP, o mapa do caminho para eliminar combustíveis fósseis, não seria aprovado.
Ele conta que, no dia 19 de novembro, logo pela manhã, começou a circular entre cientistas e negociadores a informação de que vários países-chave rejeitariam qualquer referência explícita ao tema.
Naquele mesmo dia, na reunião dos negociadores, quando nós também entregamos o segundo documento, já estava muito claro que muitos países não queriam a questão dos combustíveis fósseis. A China, a Índia, a Rússia, Emirados Árabes, a Saudita e outros países não queriam. Então, já se falava muito disso, que esses países não aceitaram, não queriam. Já ficou claro, eu diria, lá pelo dia 19, que não haveria o mapa do caminho.”
De acordo com ele, aquela constatação foi uma decepção porque havia uma grande expectativa de que a COP, realizada em plena Amazônia, pudesse finalmente estabelecer um plano concreto, baseado nas contribuições científicas oferecidas previamente ao Brasil e à presidência do evento. Nobre diz que os especialistas haviam entregue análises robustas, sustentadas por décadas de evidências, mostrando que o planeta está muito próximo de ultrapassar 1,5°C de aquecimento e que chegou a hora de detalhar, ponto a ponto, como eliminar carvão, petróleo e gás. No entanto, diz que apesar das expectativas altas, todos sabiam como os mecanismos das COPs podem travar decisões.
“Infelizmente muitos países não concordam em COP. Todas as COPs são consenso, basta um país discordar, que não vira um resultado de concordância total e uma ação para todos os países seguirem. Então, infelizmente, esses dois mapas do caminho importantíssimos não foram aperfeiçoados, não foram confirmados e nem foram assinados. Então não temos ainda essas metas super importantes”, explica o cientista. Para Nobre, isso deixou a impressão de que a COP estava prestes a encerrar com NDCs pouco ambiciosas e sem oferecer ao mundo o instrumento mais crucial para enfrentar a crise climática.
O maior exemplo de NDCs tímidas é a China, um dos maiores emissores do planeta, criou a meta de reduzir as suas emissões 10% de redução das emissões até 2035, ou seja, 1% ao ano. Carlos aponta que, para desacelerar a emergência climática seria necessário reduzir 5% ao ano, por várias décadas.
A retirada do mapa não é um mero detalhe procedimental, explicam os cientistas, mas um golpe direto na capacidade global de planejar a transição energética. Carlos Nobre afirma que estamos perto de um cenário que ele descreve como um “ecocídio, um suicídio ecológico do planeta”. Ele explica que, sem um plano que organize a redução dos fósseis, o mundo perde mais tempo valioso justamente quando o relógio climático corre mais rápido. Segundo ele, os dados mostram que chegaremos a 1,5°C de aquecimento já na próxima década e poderemos alcançar 2°C em torno de 2050, com consequências irreversíveis para ecossistemas inteiros, inclusive a Amazônia:
Passando de 1,5°C, chegando a 2°C, nós vamos extinguir os recifes de corais, que mantêm mais de 25% da biodiversidade oceânica. Os oceanos tropicais onde eles vivem tiveram as maiores temperaturas da história por mais de 100 mil anos. É a morte, é o caminho da morte. Então, passou de 1,5°C, pronto, já começa a extinguir, chegou a 2°C, extinguiu tudo. E, claro, uma coisa terrível para o Brasil, se a gente chegar a 2°, nós vamos perder a Amazônia.”

Marina Hirota, pesquisadora do Instituto Serrapilheira. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil.
A cientista Marina Hirota, pesquisadora do Instituto Serrapilheira, também acompanhou de perto a evolução dos textos de negociação. Ela diz que viu, ao longo dos dias, uma espécie de esvaziamento gradual: números, datas e metas eram retirados um a um, tornando o documento cada vez mais genérico. Hirota afirma que, quando se tiram os números, tira-se também a possibilidade de cobrar coerência entre o discurso e a prática. Para ela, isso equivale a retirar a ciência do centro do processo decisório.
Ela explica que a transição energética não é uma intenção abstrata, mas um roteiro, ou um projeto similar ao de criar uma estrada entre uma grande metrópole e uma cidade isolada: “Você tem que abrir o mato, mesmo que seja uma estrada de terra. Você precisa abrir esse caminho. Mas se você tem pessoas que vão fazer isso? Por onde essa estrada vai passar? Quantos carros vão passar ali todo dia? Quais os meios de transporte? Charrete, cavalo, qualquer coisa. Como você prepara esse caminho para que, de fato, as pessoas consigam atravessar e chegar num tempo hábil nessa outra cidade? Então, a gente precisa entender como que a gente vai criar essa eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Na analogia, o caminho de uma cidade para a outra.”
Por isso, para ela, falar sobre explorar mais petróleo em novas localidades, como na Foz do Amazonas é “colocar uma pedra no caminho”. No entanto, ela se diz uma pessoa otimista e ainda saiu com um sentimento positivo de Belém: “No final das contas, eu acho que muito foi aprovado, conseguiu-se muitas coisas, pensando que precisa ser por unanimidade. Então, eu acho que ainda é um balanço positivo, e é mais positivo ainda porque, enquanto cientista, porque a gente conseguiu fazer declarações relevantes para o contexto das negociações. […] A voz da ciência foi muito forte dentro da zona azul e me parece ter incomodado um pouco nas negociações, porque a ciência se manifestou de uma forma relevante, robusta e consistente”.

Para Marina Hirota, explorar mais petróleo em novas localidades, como na Foz do Amazonas é “colocar uma pedra no caminho”. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil.
Para Marina Hirota, a retirada do mapa do caminho não encerra o debate — apenas desloca o centro da ação. Ela explica que, com a ausência de um acordo formal, a responsabilidade recai de forma mais direta sobre as presidências da COP nos próximos ciclos. Isso significa que o Brasil, como anfitrião e líder político da COP30, terá de mobilizar uma agenda diplomática capaz de avançar mesmo sem consenso universal. Segundo ela, essa estratégia já se desenha, mas exigirá habilidade política e clareza científica.
Hirota descreve esse novo cenário com franqueza: “Agora o que vai acontecer, pelo que eu pude entender, é que a presidência vai tomar a frente pra tentar liderar esse processo. […] Me parece que eles estão tentando conduzir esse caminho, mesmo que isso não esteja no documento oficial. Acho que isso envolve lidar com quem concorda, com quem não concorda, ver quem consegue apoiar, porque tem países que têm dificuldade de apoiar mesmo que, politicamente, gostariam. Mas, tecnicamente, talvez não consigam assumir compromissos de longo prazo.”
Ela ressalta que essa condução exige um trabalho diplomático constante entre COPs, articulando alianças entre países dispostos a acelerar a transição, mesmo que outros se oponham. Para Hirota, o desafio é transformar essa vontade política em um roteiro sólido, capaz de preencher o vazio deixado pela decisão final da Conferência.
O papel da ciência daqui para frente
Tanto Hirota quanto Nobre convergem ao afirmar que a ciência terá uma função ainda mais estratégica no período pós-COP. Marina explica que os cientistas precisam reforçar, de forma clara e reiterada, quais são os limites físicos do planeta e por que não há tempo a perder. Ela afirma que a comunidade científica saiu de Belém mais articulada, mais presente nos espaços de negociação e ainda mais disponível:
A grande maioria dos cientistas da comunidade, especialmente aqui no Brasil, já está à disposição para qualquer coisa que seja necessária. Eu acho que é um momento dos cientistas se unirem e se integrarem ao redor de um objetivo em comum, de alguns objetivos em comum, que a gente já sabe que são necessários nesse momento. Então, em vez de competição, eu penso que a gente precisa estar cada vez mais unido e, quando requisitados, prontos para ajudar e disponíveis. Porque, no final das contas, é muito fundamental que isso seja incorporado o máximo possível, que pelo menos a gente tenha a escuta das pessoas que tomam as decisões lá em cima.”

Carlos Nobre foca nos 11 meses de presidência que ainda restam ao embaixador André Corrêa do Lago e à secretária-executiva Ana Toni, período que ele considera decisivo para recuperar o que ficou pelo caminho em Belém. Foto: Ueslei Marcelino/COP30.
Já Carlos Nobre foca nos 11 meses de presidência que ainda restam ao embaixador André Corrêa do Lago e à secretária-executiva Ana Toni, período que ele considera decisivo para recuperar o que ficou pelo caminho em Belém. Segundo o cientista, há uma chance concreta de recolocar no centro das negociações aquilo que foi retirado das decisões finais: “Ele está muito próximo de voltar a levar esses dois mapas do bioma a todas as discussões, inclusive naquela reunião em meados do ano, na cidade alemã de Bonn, onde todas as COPs têm uma etapa preparatória”. Nobre acrescenta que Toni já atribuiu ao Pavilhão de Ciência Planetária uma das missões mais estratégicas do próximo ciclo diplomático: criar um painel científico para a transição energética e para zerar o uso de combustíveis fósseis. “Nós, do Pavilhão de Ciência Planetária, aceitamos; vamos criar esse painel científico”, afirma.
Ele explica que esse processo já tem data para começar, com um encontro internacional organizado pela Colômbia no final de abril de 2026, dedicado exclusivamente à transição energética. “Nós vamos lá, e será ali o início desse novo painel de ciência para a transição energética e para zerar o uso de combustíveis fósseis”, diz. A ideia é reunir especialistas, produzir um relatório robusto e apresentá-lo como base científica para uma transição acelerada.
Um PL no caminho
A esperança renovada pela criação do painel científico e pelas articulações previstas para Bonn e para a reunião na Colômbia, porém, convive com uma nova ameaça que paira sobre o horizonte climático brasileiro: o avanço do chamado PL da Devastação no Congresso Nacional. Para os cientistas, esse projeto de lei, que desmonta proteções ambientais, flexibiliza licenciamento e fragiliza a fiscalização, representa exatamente o oposto do que o país deveria fazer no período crucial entre a COP30 e a COP31. Ele reabre a porta para a expansão descontrolada da fronteira agrícola e para novos ciclos de degradação em biomas já profundamente pressionados.
Nobre descreve esse risco com clareza, comparando a resistência dos grandes produtores agrícolas com a dos países que defendem a continuidade dos combustíveis fósseis. “Eu faço uma analogia. O agronegócio, praticamente em todo o mundo, mas certamente aqui no Brasil, o quarto maior produtor de alimentos do mundo, tem uma posição muito parecida com os grandes produtores de combustíveis fósseis. Eles falam que querem continuar e que é muito importante, que não querem diminuir.” Ele lembra que, no Brasil, setores do agronegócio chegaram a defender publicamente a conversão de dois terços do território nacional para usos agropecuários durante o governo anterior, uma visão que ignora completamente o risco de colapso ecológico crescente nos biomas brasileiros.

Sessão do Congresso Nacional durante sessão plenária semipresencial para análise de vetos presidenciais. Presidentes, Hugo Motta e Davi alcolumbre. Foto Lula Marques/Agência Brasil.
Nesse contexto, o PL da Devastação é visto por Carlos Nobre como um movimento na direção absolutamente contrária ao que a ciência exige. “Esse projeto de lei tem que ser o contrário, tem que ser um projeto de lei que proíba qualquer novo desmatamento”, afirma, lembrando que a restauração de biomas é imprescindível para manter o país funcional tanto ecologicamente quanto economicamente. Ele reforça que seguir na direção do desmonte ambiental pode transformar o Brasil, atualmente potência agrícola, em um grande importador de alimentos até o fim do século, além de provocar perdas irreversíveis na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e na Caatinga. O cientista reitera o mesmo alerta do uso contínuo de combustíveis fósseis, que sintetiza o que está em jogo: permitir o avanço desse PL significa assumir o risco de “provocar um ecocídio, um desastre ecológico inaceitável”.
Texto e Montagem da Página: Alice Palmeira
Revisão: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón
