Pesquisador (ex-pescador) revela as contradições da exploração de petróleo na Amazônia

Em meio à crescente pressão por exploração de petróleo na Amazônia, Nelson Bastos alerta para os riscos e a negligência com as comunidades locais

Águas contaminadas pelo garimpo no Rio Tapajós. Foto: Erik Jennings / Amazônia Latitude.
Águas contaminadas pelo garimpo no Rio Tapajós. Foto: Erik Jennings / Amazônia Latitude.
Águas contaminadas pelo garimpo no Rio Tapajós. Foto: Erik Jennings / Amazônia Latitude.

Água contaminada pelo garimpo no Rio Tapajós. Foto: Erik Jennings / Amazônia Latitude

No próximo dia 17 de junho o Brasil deve leiloar 332 blocos para a exploração de petróleo, sendo 68 áreas na Amazônia Legal. Isso inclui 47 blocos localizados na Foz do Rio Amazonas, uma região única no mundo e sensível, tanto às mudanças climáticas, quanto a devastação.

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP) indica que 89 petroleiras agora estão aptas a arrematar uma parte do petróleo brasileiro.

O leilão deve conter áreas no litoral do Nordeste, Sul e Sudeste do país, além de 68 blocos ofertados na Amazônia Legal.

O tema tem ganhado repercussão especialmente devido às denúncias sobre os riscos ambientais de perfurar tão perto da costa amazônica. Por isso, dos mais de 300 blocos disponíveis no leilão de junho, aqueles localizados na chamada “Margem Equatorial” são os que mais chamam a atenção.

A Margem Equatorial é uma área que reúne cinco bacias hidrográficas localizadas entre o Amapá e o Rio Grande do Norte: Bacia da Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar. Juntas elas ocupam 2,2 mil km do litoral do Brasil e são consideradas as últimas fronteiras petroquímicas não exploradas em solo “verde e amarelo”.

Há indícios de presença de petróleo na região desde o início do século XX, quando outros países sul americanos como Venezuela e Bolívia começaram a explorar o recurso natural. Porém, apenas recentemente, os planos para explorar as fontes de hidrocarboneto no norte do país ganharam fôlego. Especialmente quando, em 2015, foram descobertos grandes veios de petróleo na Guiana e no Suriname, países fronteiriços com o Brasil. Nossos vizinhos agora detém 11 bilhões de barris de petróleo à disposição.

Por isso, o Brasil prevê mais de R$ 3,1 bilhões em investimentos para perfurar 16 poços na Margem Equatorial, mas, por enquanto, apenas tem autorização para operação de dois deles, que ficam na Bacia Potiguar, na costa do Rio Grande do Norte.

Das 11 concessões na área que produzem petróleo, cinco mantêm uma produção pequena e seis estão no chamado “processo de devolução”, que ocorre quando a presença de combustíveis fósseis não é significativa o suficiente para ser explorada.

Mas essa não deve ser a realidade da presença de petróleo do outro lado da Margem Equatorial. A proximidade com a Bacia Guiana Suriname, indica que a Foz do Rio Amazonas pode ser ainda mais abundante.

Se tudo ocorrer como espera a ANP, o número de áreas na bacia da Foz do Amazonas concedidas para a exploração do petróleo vai aumentar significativamente, fazendo com que os pedidos de licenciamento junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aumentem na mesma proporção. Uma pressão econômica e política que esbarra na defesa do meio ambiente e das sociedades amazônicas.

Dos nove blocos na Bacia da Foz do Rio Amazonas em concessão, licitados em 2013, seis estão nas mãos da Petrobras, desde que a inglesa BP e a francesa Total desistiram do que arremataram, devido aos entraves com o licenciamento ambiental.

Isso porque, a cada solicitação, os técnicos do IBAMA têm pedido mais informações sobre os eventuais impactos ambientais de desastres com derramamento de petróleo, em caso de acidente na área e, até o momento, não há autorização para o início das perfurações na região, o que desagrada o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu publicamente o início dos trabalhos.

Assim, de um lado, pesquisadores, ativistas, ambientalistas e comunidades tradicionais alertam sobre os riscos de vazamento na porta de um dos biomas mais importantes para a vida no planeta: A Amazônia. Enquanto o IBAMA pede mais detalhes sobre como a atividade pode afetar a região.

De outro, o mesmo Estado brasileiro, tendo o presidente Lula como porta-voz da campanha da Petrobrás, aumenta a pressão para liberação da exploração de petróleo na área para, assim, ampliar a produção nacional do combustível fóssil.

A Revista Amazônia Latitude entrevistou o pesquisador Nelson Bastos, que está produzindo sua tese de doutorado no Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares da Universidade Federal do Pará (Ineaf/UFPA). Ele faz parte do Coletivo Campesino Amazônico, que reúne estudiosos que analisam os impactos de grandes projetos para populações tradicionais.

Para o pesquisador, são enormes os riscos de vazamento de petróleo, caso a exploração na Bacia da Foz do Rio Amazonas seja autorizada. Além disso, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), o país não está ouvindo o que as comunidades tradicionais têm a dizer sobre isso, mesmo aquelas que detém conhecimentos que parecem escapar aos pareceres técnicos elaborados até o momento.

Pesquisador e ex-pescador, Nelson Bastos. Foto: Nelson Bastos / Arquivo pessoal.

Pesquisador e ex-pescador, Nelson Bastos. Foto: Nelson Bastos / Arquivo pessoal.

AMAZÔNIA LATITUDE — Por que explorar petróleo na Foz do Rio Amazonas é um problema, se há documentos que afirmam que o empreendimento é seguro?

NELSON BASTOS – Não há como garantir que o processo é 100% seguro. Além disso, nada se compara a magnitude do que pode ser essa exploração. São bilhões de barris de petróleo a serem extraídos numa região extremamente sensível e única.

Os estudos que foram feitos e que a Petrobrás apresenta alegam que, em caso de vazamento de óleo, o petróleo não atingiria a costa brasileira. Porém, isso não é verdade. Por várias razões.

Em primeiro lugar, as técnicas e metodologias usadas para estas estimativas parecem considerar parâmetros de áreas como aquelas onde já temos exploração, como a Bacia de Santos e a Potiguar. Mas na Foz do Rio Amazonas há uma dinâmica de múltiplas correntes marítimas interligadas que é única no mundo. Então qualquer estudo de modelagem realizado ali é sempre um desafio, sempre complexo. Qualquer exploração na região é algo arriscado e exploratório.

Na área também temos uma influência de ventos que acontece de uma maneira peculiar, inclusive com formação de redemoinhos. É o chamado “Vento Geral”. que sopra em várias direções e que sofre influência das mudanças climáticas.

Para dizer que as manchas de óleo não virão para a costa do Brasil, os elaboradores dos estudos soltaram boias com GPS e viram como elas flutuavam. Não há detalhes de como essas boias foram usadas e em que profundidade elas estavam durante essa análise e nem em que momento do ano isso foi feito – e a Amazônia possui grande variedade sazonal.

Além disso, posso dizer porque fui pescador na área de Salvaterra, no arquipélago do Marajó, que os ventos influenciam no que flutua em toda a área. Temos como prática identificar as boias usadas nas redes de pesca para, em casos de entrelaçamento, podermos identificar o dono da rede envolvida. Sabemos, assim, quais são as nossas. E quando, em pesca em alto mar, vamos abastecer no Oiapoque [no Amapá], encontramos as redes de pesca nessas praias. O mesmo deve ocorrer com as manchas de óleo arrastadas pelo vento e pelas águas, em caso de vazamentos.

Uma parte do que vazar vai descer pela Corrente Norte para águas estrangeiras, mas uma parte, pela influência do Vento Geral vai arrastar o óleo até a costa brasileira, como carrega as nossas redes de pesca.

Considerando que a Petrobrás tem experiência e tecnologia na perfuração de águas profundas, o risco de acidente não é reduzido?

Na perfuração, lógico que a Petrobrás é uma referência. Mas a experiência que ela tem é em um tipo de corrente típica do sudeste do Brasil. Aqui seria a primeira experiência com as intempéries de correntes múltiplas numa zona fronteiriça entre o oceano e os rios. Não há nada como a Amazônia.

Além disso, mesmo que durante a perfuração não ocorra nenhum tipo de rompimento da tubulação e vazamentos. A exploração deve durar de 30 a 40 anos, não há como assegurar que nesse período não teremos riscos.

Eles alegam, por exemplo, que se algo der errado é possível cimentar, concretar a área. Talvez funcione, talvez não. Vamos correr este risco bem ao lado de um enorme recife?

A área toda é sensível. Corais, Manguezais, Bancos de Lodos. Todos berçários naturais inestimáveis. Se vazar algo, eles serão atingidos pelo que estiver mais ao fundo. Enquanto a parte do óleo que flutua, a ação dos ventos pode ser imprevisível ali.

O projeto mais parecido que poderíamos usar como parâmetro para comprar as condições da Foz do Rio Amazonas, em complexidade e proporção, é o do Golfo do México. O mesmo que se dizia seguro e que num vazamento em 2010 despejou 134 milhões de barris de petróleo em mais de dois mil quilômetros e que afeta até agora a biodiversidade da região, sem contar a vida humana.

Entre medidas ambientais adotadas pela Petrobrás para atenuar questionamentos do IBAMA, Estatal inaugurou Centro de Reabilitação e Despetrolização de Fauna em Belém. Mesmo sem petróleo, espaço é mantido pela Petrobras está de prontidão para tratar animais marinhos em casos de acidentes durante a exploração na Margem Equatorial. Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil.

Entre medidas ambientais adotadas pela Petrobrás para atenuar questionamentos do IBAMA, Estatal inaugurou Centro de Reabilitação e Despetrolização de Fauna em Belém. Mesmo sem petróleo, espaço é mantido pela Petrobras está de prontidão para tratar animais marinhos em casos de acidentes durante a exploração na Margem Equatorial. Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil.

E quanto ao alcance de eventuais vazamentos? As análises não apontam as áreas afetadas pelo empreendimento? Até para estabelecer quem vai receber os royalties da exploração de petróleo e por quanto tempo?

Esse é outro ponto. Em um dos primeiros encontros, colocaram Soure na área de influência sem citar Salvaterra e Cachoeira do Arari. Falava-se de Barcarena sem considerar Abaetetuba. Até agora Chaves e Afuá, por exemplo, não estão na chamada área de influência e são locais onde as manchas de óleo chegam primeiro.

Em caso de vazamento também não está claro quem arcaria com os danos ou com a assistência às famílias de pescadores, por exemplo. As empresas detentoras da concessão? A Petrobrás? O estado brasileiro?

Não há segurança jurídica de que as comunidades serão assistidas, de onde virá os recursos para isso, por quanto tempo e nem como será feito o cadastro para as eventuais vítimas que, de uma hora para outra, podem perder sua fonte de renda e também ver o alimento e a água que consomem contaminados, dependendo do que acontecer.

E em relação ao dinheiro é importante dizer que o Estado Brasileiro deve ficar com cerca de 20% do que for acumulado. A maior parte dos valores ficará com as empresas que vencerem as concessões. Não é uma riqueza que volta para a população de forma direta ou proporcional ao risco que ela está correndo, caso esse projeto avance.

Isso em uma exploração que deve durar de 30 a 40 anos e pouco se fala do “depois” que tirarem os 35 bilhões de barris? O que restará para a próxima geração?

O G9 da Amazônia Indígena divulgou uma carta pedindo o fim das tentativas de exploração de petróleo na Amazônia. Outras comunidades tradicionais têm se manifestado contrárias ao projeto. Elas não foram ouvidas no processo prévio de análise para a exploração petroquímica?

As comunidades tradicionais não estão dentro dos debates. Como pescador participei do que eles chamam de “Audiências Informativas”. É um momento em que eles apresentam o projeto às comunidades, mas apenas os técnicos falam. Não ouvem. Além disso, quando se faz alguma pergunta, há jogos de “empurra-empurra” das responsabilidades de maneira que os pescadores, por exemplo, não recebem respostas porque tudo é sempre responsabilidade de quem não está lá: outra empresa, outra instituição, outro órgão público.

Uma das nossas críticas no Coletivo Campesino Amazônico é, justamente, esse silêncio. Todo projeto inicia com o termo de referência, documento que o órgão ambiental – IBAMA ou Secretária Estadual de Meio Ambiente – exige e que contém um levantamento técnico que vai basear o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Porém, os documentos não prevêem que os povos que estão vulneráveis nos territórios onde os projetos estão sendo implantados opinem, sejam ouvidos. É como se eles não existissem para o planejamento de um Grande Projeto. Se esse Termo de Referência, porém, envolvesse a Consulta Prévia, recomendada pela Organização Internacional do Trabalho, era uma garantia de que os ribeirinhos, indígenas, quilombolas, campesinos, assentados, enfim, quem vive na área seria escutado e manifestassem, conforme o caso, seu desacordo com a implantação daquilo onde ele vive.

Então, as organizações buscam falar porque ao longo do processo não são consultadas, ouvidas ou mesmo esclarecidas sobre o que de fato pode acontecer e que pode mudar drasticamente sua vida.

Texto, entrevista e revisão: Glauce Monteiro
Montagem da página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón

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