Ideias para adiar o fim da Amazônia: conte a sua
Junte-se a lideranças indígenas, artistas e profissionais na proposta de ideias para proteger a maior floresta do mundo
Parar tudo que é imaginado como infraestrutura de fora para dentro dos biomas. Ouvir os povos da região. Respeito. São as propostas de Ailton Krenak, Milton Hatoum, Marina Silva, Kátia Brasil, Marcus Barros e muito mais gente: ativistas, cientistas, professoras e professores, líderes e quem você conseguir pensar que se preocupa com o futuro da Amazônia. O nosso futuro.
Buscamos multiplicar o olhar que vem de dentro da maior floresta tropical do mundo para fora dela. Criamos conexões com pessoas de tudo quanto é canto nessa missão de dar voz aos povos da floresta e visibilidade aos estudos acadêmicos feitos sobre a região.
Somos gratos pela parceria, confiança e atenção dadas por você, nosso leitor, ao longo dessa jornada. Assim, no encerramento de um ano difícil, queremos saber o que pensam nossos companheiros de estrada na luta em defesa dos povos originários, das culturas tradicionais e de outras perspectivas sobre a floresta.
Qual a sua ideia para adiar o fim da Amazônia? Conte para a gente aqui nos comentários ou mande seu áudio ou vídeo!
Inspirado no livro de Ailton Krenak, Ideias para adiar o fim do mundo, este projeto reitera o que a comunidade científica já confirmou e que os povos da floresta denunciam há tempos: dependemos da Amazônia viva para que haja século XXII.
Nessa missão dramática de adiar o fim da espécie humana, recorremos a especialistas em sobrevivência, que, há 500 anos, driblam a tentativa de aniquilação de seus corpos e culturas.
“O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim”, diz Krenak, para quem a desgraça não suprime o bom humor.
Afinal, o que podemos fazer para postergar mais um pouquinho o fim? Por que é tão difícil comunicar essa urgência, quando a ciência, há tempos, se mostra unânime? Aliás, por que mesmo a Floresta Amazônica tem toda essa importância? O que nós podemos fazer, quando as instituições, os políticos e as corporações parecem querer justamente o contrário? Qual a sua ideia?
Como imaginamos
No webinar “Amazônia Now: perspectivas de uma região em crise”, a socióloga Edna Castro, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), defendeu a importância de se compreender a mentalidade que move a destruição. Para ela, falar em taxa de desmatamento, do descumprimento do Brasil nos acordos climáticos, é focar no discurso vazio.
Afinal, o que move quem pensa em Amazônia? A sobrevivência imediata? Qual o papel da colonialidade na visão sobre a floresta e sobre o que devemos fazer com ela?
É preciso descolonizar o pensamento sobre a Amazônia. Os processos de expansão capitalista sobre a floresta e de controle do território pelo Estado praticamente apagaram as experiências sociais e os lugares de enunciação na formação da imagem que temos sobre a região.
Criticando a ideia de progresso, criada na contraposição do que se considerou “atraso”, o pesquisador sintetiza seu projeto decolonial: “a Amazônia é a modernidade”. É na valorização dos saberes locais, que compõem as epistemologias da floresta, que sairemos da crise.
Guerra cultural
É preciso compreender que a defesa da Amazônia de pé está embutida em um outro sonho de Brasil, apesar de seu passado histórico colonial. E de sua formação no latifúndio, na expropriação, na escravidão, no autoritarismo, no genocídio e na monocultura agrícola e humana, que despreza a multietinicidade, a liberdade e a justiça social.
Não é à toa que nossas universidades não ensinam o guarani, língua falada em mais de 100 municípios brasileiros e em vários países do Mercosul, lembra o linguista Bessa Freire, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Assim como não é por acaso que os falantes de nheengatu, tradicional língua geral amazônica, precisam inseri-la como língua estrangeira no Lattes.
Bem lembrado pelo procurador da República, Camões Boaventura, no Amazônia agora, defender a floresta viva e o direito de livre manifestação cultural dos povos tradicionais é um manifesto contrário ao neoliberalismo.
Por mais que o presidente da República diga o contrário, os indígenas não estão interessados em mercantilizar a vida, não querem a privatização da floresta, não chamam a mãe provedora de tudo de recursos naturais e não querem ser assimilados e adaptados ao modus operandi branco.
Em “Ideias para adiar o fim do mundo”, Krenak afirma: “Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de cantar, de dançar…”.
Nessa queda de braços entre sistemas antagônicos, para Camões Boaventura, a luz no fim do túnel está entre os povos tradicionais.
“Se o neoliberalismo, esse sistema que é tão sustentado nas individualidades e na mercantilização de tudo, é o que nos sufoca, o oxigênio (…) está na antítese dessa forma de viver no mundo. Se a sociedade mundial tem esperança de um dia vencer esse regime, (…) o caminho quem nos diz são os povos da floresta”.
Sem Amazônia, sem amanhã
A pandemia que vivemos é fruto da expansão de fronteiras agrícolas em áreas protegidas. Estamos preparados para, uma vez vacinados (se tudo der certo), termos de lidar com a próxima pandemia?
A Amazônia corre perigo de ser a fonte da próxima pandemia, considerando que a destruição de florestas está ligada a surtos de doenças, como resultado de maior contato entre humanos e vida selvagem desabrigada. Alguém se lembra da ressurgência da febre amarela após os desastres de Mariana e Brumadinho?
Os rios voadores que irrigam boa parte da América do Sul também dependem da floresta viva. Além da floresta puxar umidade do Oceano Atlântico para irrigar suas árvores, que depois devolvem água para a atmosfera por meio da transpiração, ela também absorve grandes quantidades de carbono, diminuindo a velocidade do aquecimento do planeta.
Especialistas já acenderam o alerta vermelho sobre a aproximação do ponto de não retorno. A virada ecológica de que tantos temem transformará a floresta tropical com maior biodiversidade do planeta em uma savana degradada e irrecuperável.
Testemunhos da Floresta
São bem-vindos todos aqueles dispostos a se unir em mobilização. A criação de outros futuros possíveis também vem sendo marcada pela ocupação do espaço público e das instituições pelos povos tradicionais.
Vencendo eleições municipais, no Legislativo e no Executivo, exigindo o cumprimento da Constituição Federal por meio de ações na Justiça, autodemarcando seus territórios, criando suas próprias mídias de comunicação e cobrando pessoalmente os financiadores do desmatamento.
Devemos ativar redes de responsabilidade com os povos nativos. Como ensina Krenak, fazer dos encontros uma oportunidade para animar a prática e a coragem para sair de uma atitude de negação da vida para um compromisso com a vida.
Para fugir do pernicioso hábito de culpar instituições e políticos, podemos, também, estender nossa visão para além dos lugares a que estamos apegados e onde vivemos, assim como às formas de sociabilidade e organização de que grande parte da comunidade humana está excluída, para que sejam supridas as demandas de mercadoria, segurança e consumo de outra parte.
Por fim, uma atitude fácil e fundamental: sermos Testemunhos da Floresta. Todos aqueles que compreendem a importância de adiar o fim da Amazônia, incluindo os que estão fora dela, têm a obrigação de levar a palavra da Amazônia viva à diante. Como quem não quer nada, devemos introduzir esse ponto de vista nas rodas de conversa.
Quebrar paradigmas. Rebater as argumentações clássicas e rasas, como “mas o Norte destruiu o quanto pôde suas florestas para se desenvolver e agora querem nos impedir de fazermos o que quisermos com nossos recursos naturais?”, com o discurso científico e o convite para ler e ouvir o que os povos da floresta falam.
Mas e você, o que propõe? Conte a sua ideia para a gente aqui nos comentários ou em áudio ou vídeo aqui. Ao fazer isso, você autoriza o uso do conteúdo pela Amazônia Latitude.