Sebastião Tapajós: Tocando o rio com suavidade

Foto de Sebastião Tapajós tocando violão em um palco. Ele tem cabelos brancos e usa uma blusa branca de mangas compridas. A iluminação é azulada.
Do carimbó ao batuque, o violonista paraense traduziu a grandeza amazônica e decifrou as águas dos rios, deixando um legado para a música brasileira

Santarém prepara-se para três importantes eventos neste abril de 2022, sendo o primeiro as comemorações dos 80 anos do violonista Sebastião Tapajós, que faleceu no dia 2 de outubro de 2021, aos 79 anos, e completaria seu octogésimo aniversário no dia 16 de abril. O segundo será a Semana de Arte Sebastião Tapajós, projeto que vem sendo organizado pela Secretaria de Cultura de Santarém juntamente com a família do violonista, encabeçada pela sua esposa, Tanya Marcião. Também participam o Instituto Sebastião Tapajós (IST), a Universidade do Estado do Pará, a Escola de Artes de Santarém e artistas das mais diversas áreas do conhecimento e da música. O terceiro evento será o aniversário de 5 anos do IST.

Esses acontecimentos nos fazem refletir sobre a importância de Sebastião Tapajós para a arte e a cultura por meio de uma leitura contemporânea da obra e vida do artista, buscando perpetuar seu gigante legado para o estado do Pará e para a Amazônia. Sebastião mostrou ao Brasil e ao mundo a própria natureza de ser um caboclo amazônico, a necessidade de preservar essa cultura, estudando-a e respeitando-a dentro de sua própria alteridade.

Sebastião nasceu em 1942, dentro de um barco vindo de Alenquer para Santarém, pelo então Rio Surubiú (atualmente Igarapé de Alenquer). Em sua obra, ele traduz toda a grandeza amazônica. Segundo Tanya, para conhecer o enigma que ele traduziu em em ritmos do carimbó ao batuque – passando pela interpretação do clássico “Estudo Nº 1”, de Heitor Villa-Lobos –, é só conhecer o rio.

Mas que rio é este?

Além de carregar o rio em seu próprio nome, as águas foram sua rua, sua vida, bem interpretado na imagética “Navio Gaiola”, que compôs junto com Antônio Carlos Maranhão. A canção nos faz embarcar e sonhar no fundo de uma rede, tão bem cantada pela cantora Cristina Caetano. Tanto amou o rio que escolheu a praia do Pajuçara, de onde se vê a enseada do Arariá, para ser seu estúdio natural, onde compôs as peças “Por Entre as Árvores” e “Milonga do Sabiá”.

Entre as árvores estava sua imensa piscina de 23 quilômetros de largura, por onde cantam os sabiás da milonga que compôs com Andreson Dourado, em homenagem aos violonistas argentinos como Sérgio Ábalos. Não por acaso, Sebastião partiu justamente em frente ao rio, desejo expressado e cumprido. Filho de seu Sebastião e dona Maria, teve sete irmãos e deixou as filhas Desirré, Maitê e Manu e o filho Sebá, que também vive do mundo das artes.

Foto de Sebastião Tapajós de costas com o perfil iluminado pelo pôr-do-sol. Ao fundo, o rio Tapajós

Sebastião Tapajós nunca se separou do rio. (Erik Jennings/Arquivo Pessoal)

Sebastião decifrou muitas Águas e Rios, como no LP Xingu de 1979, mas em 1977 já havia composto o LP “Terra”, que traz a composição “Himalaia”, exemplo das águas eternas que separam o Tibet do Nepal. Mas é em “Igapó”, quando colocou melodia na composição do pajé de casaca, Villa-Lobos, que Sebastião mostrou a sua capacidade de fazer transcender e adentrar numa canoa para conhecer o que é um ecossistema igapó. Entre as inúmeras gravações da faixa, está na voz de Jane Duboc a versão definitiva, acompanhada de Robertinho Silva, Arismar do Espírito Santo e Ney Conceição.

Senhor das águas, este caboclo que se consagrou em muitos teatros e tocou com muitos grandes músicos de várias épocas, sempre exaltando Santarém e a Amazônia, ganhou em 1982, o grande prêmio da música Alemã com o LP “Guitarra Criolla”. A obra mais tarde veio a representar a Alemanha num festival da Bélgica, devido ao tamanho reconhecimento da sua obra naquele país.

Ele teve no empresário e escritor musical Claus Schreiner seu grande produtor na Europa, o mesmo do violonista brasileiro Baden Powell. Sebastião contava como conheceu e foi agraciado por Baden ao ser levado à sua casa por Billy Blanco. Após jantarem, Billy pediu para que Tião tocasse algo, mas o advertiu que sempre que Baden não se agradava, dizia que estava indo ao banheiro e não voltava mais. Tião tocou “Carimbó”, uma composição que fez para a coleção “Violões Brasileiros”, que tem LPs de Waldir Azevedo, Rafael Rebelo e outros. Ao ouvir, Baden deu-lhe um grande abraço e disse da alegria daquele momento. Assim, ficaram amigos.

Dentre toda a sua vasta obra musical, que contém mais de uma centena de trabalhos, ganham destaque as parcerias com Pedro Sorongo e Djalma Corrêa; o “Amazônia Brasileira”, gravado com cantor e compositor paraense Nilson Chaves em 1997, com Mapiú e Marcos Zama na percussão; e o fantástico “Cantos e Contos da Floresta Nacional do Tapajós”, todo ele gravado dentro da floresta em 2012, com compositores e cantores locais. Segundo Nilson, o álbum merece o Grammy de melhor disco regional em qualquer tempo.

Nos últimos anos da carreira, o violonista demonstrou um vigor impressionante, compondo um grande número de novas obras, experimentando novas estéticas e revisando sua vasta produção. Em 2010, fez a direção artística do álbum “Cristina Caetano interpreta Sebastião Tapajós e Parceiros”. No ano seguinte, produziu e lançou os discos “Cordas do Tapajós” e “Conversas de Violões”, com o amigo e parceiro Sérgio Ábalos. Já em 2012, lançou “Suíte das Amazonas” e remasterizou o clássico “Painel”, uma de suas obras mais conhecidas em todo o mundo. Em 2013 lançou e realizou turnê nacional com o CD “Da Lapa ao Mascote”. Os LPs “Violão & Amigos”, com Hermeto Pascoal, Paulo Moura e Maurício Einhorn (1978), ou então CD “Encontro de Solistas”, gravado em 1999 com Altamiro Carrilho, Gilson Peranzzetta e Maurício Einhorn, pela gravadora Movieplay, são verdadeiras pérolas.

Em 2013, Sebastião Tapajós recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). No dia 4 de outubro de 2021, a Ufopa eternizou Sebastião no Campi Tapajós nomeando o principal prédio de ensino e administração com o seu nome.

Sebastião Tapajós viveu, nos seus últimos anos, em Santarém, no Pará, casado com Tanya Maria Souza de Figueiredo Marcião. Momentos antes de seu último suspiro, ela disse-lhe: “Eu nunca vou te deixar”.

Em abril de 2017, foi criado na Cabana do Tapajós, em Alter do Chão, o Instituto Sebastião Tapajós (IST), com o intuito de divulgar e sistematizar a produção musical deste “grande amigo”. Criado por um grupo de intelectuais, populares e familiares, o IST além de se dedica-se à área da música, mas também realiza, em parceria com outras instituições, atividades nas áreas de meio ambiente e saúde integrativa. Este ano, realizará o Festival de Violões e lançará o Museu Virtual, onde disponibilizará material catalogado e digitalizado ao público de todo o mundo.

Tapajós morreu em 2 de outubro de 2021, em Santarém, devido a um infarto agudo do miocárdio. Mas sua obra se mantém viva na influência e interpretação de outros músicos: da UEPA, da Escola de Arte de Santarém, da UFPA (como o professor Monte Alegrense José Maria Bezerra), os violonistas de Belém Igor Capela e Maurício Souza, a Orquestra Filarmônica de Santarém, o percussionista Márcio Jardim. Todos eles bem representam esse modernismo amazônico e tocam o rio e a natureza com suavidade.

Dos amigos músicos locais podem-se destacar gerações. O mestre Moacir e Djalma Pereira Rêgo, o compositor das músicas “Santarém”, “Sufoco” e “Chuvas de Verão”. António José, autor do livro “Nanocéu”. Eduardo Serique, os médicos João Otaviano e Erick Jennings (que foi vice-presidente da primeira diretoria do IST). O colecionador Rolinha, os cantores Nato Aguiar e Gonzaga Blantez. A cantora Kaila Moura, Luis Alberto Pixica, atual secretário de cultura do município de Santarém, o Taré, criador do Tapajazz. A nova geração, como o pianista Andreson Dourado.

Sebastião gozou da amizade de inúmeros outros artistas regionais, como o artista plástico Roberto Evangelista e o poeta Thiago de Mello, ambos do Amazonas. Thiago, inclusive, viu a conclusão da grande obra “Anacã”, Bachiana que foi apresentada pelo Balé de Ana Unger, no Teatro da Paz. Também teve a amizade de muitos músicos nacionais da grandeza: Naná Vasconcelos, Gilson Peranzzetta, Maurício Einhorn. A lista continua: o cartunista Biratan Porto, o maestro da Jazz Band de Belém Nelson Neves, poetas e artistas da Academia de Letras e Artes de Santarém (ALAS), como o imortal Helcio Amaral, e o escritor do livro azul Cristovam Sena. Entre esses nomes, estão tantos outros amigos que não seria possível nominar neste artigo, mas que sabem que fazem parte de sua vida.

O violonista teve sua obra tocada por inúmeros grupos e músicos internacionais, com destaque ao trio holandês The Rosenberg, que gravou “Tocata para Billy Blanco” – Billy compôs “Sinfonia Paulistana”, que conta com Sebastião no violão.

Além de sua família, nós que assumimos seu legado temos por obrigação continuar a trabalhar em direção a uma valorização da obra deste virtuosíssimo violonista, assim como em direção a uma moderna racionalidade ambiental do bioma, com seus inúmeros ecossistemas, plantas, animais e rios, sem esperar que soluções mágicas venham dizer tudo o que já foi dito nos acordes de Sebastião e pela voz de inúmeros outros que já o disseram desde antes da chegada civilizatória colonial. Para vencer esta encruzilhada da crise ambiental, é necessária uma nova sócio-bioeconomia que ouça todas as vozes.

“Cuidar da fonte para que a água se mantenha sempre na sua forma natural e nunca seque”. Essa foi a mensagem que Sebastião deixou para todos nós vivermos em harmonia com a natureza e a música.

Jackson Fernando Rêgo Matos é presidente do Instituto Sebastião Tapajós (IST), membro da Academia de Artes e Letras de Santarém e professor do Instituto de Biodiversidade e Floresta da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). Possui mestrado em Ciências de Florestas Tropicais, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e doutorado em Desenvolvimento Sustentável, pela Universidade de Brasília (UnB). Texto escrito com colaboração de Tânia Marcião, Ricardo Queiroz e Franciane Matos.
Foto de destaque: Flickr/Carlos Macapuna

 
 

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