Direito ao meio ambiente no radar do STF

Foto da ministra Cármen Lúcia, do STF, que votou a favor do Pacote Verde. Ela usa toga preta, tem cabelos grisalhos e olhar sério.
Pauta “Verde” do Supremo inclui desde questionamentos sobre qualidade do ar à omissão do governo sobre desmatamento.

Os julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) das ações do chamado Pacote Verde — sete processos relacionados a questões do meio ambiente — começaram no dia 30 de março e ainda não têm data para terminar. Reunindo temas como desmonte de órgãos fiscalização e descumprimento de metas ambientais, o conjunto de ações da alta corte brasileira se soma a tribunais de outros países nos litígios ambientais.

No dia 6 de abril, estavam em votação a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 760) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54. A primeira (ADPF 760) quer a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). Já a segunda (ADO 54) acusa o governo federal de omissão no combate ao desmatamento na Amazônia.

A sessão computou apenas o voto favorável da ministra-relatora, Cármen Lúcia, pela procedência das ações, já que o Ministro André Mendonça, ex-integrante do governo de Jair Bolsonaro, pediu vistas, adiando a continuidade do julgamento.

Além de considerar as ações procedentes, a ministra Cármen Lúcia deu ao desmatamento ilegal na Amazônia o status de “estado de coisas inconstitucional”, ou seja, de flagrante violação de direitos. Em seu voto, ela pediu um plano de prevenção do desmatamento e de fortalecimento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Cármen Lúcia ainda requisitou um site de transparência com informações sobre o cumprimento dos planos.

Na sessão seguinte, no dia 7 de abril, o plenário do Supremo começou a julgar a ADPF 651, que pede que o tribunal considere inconstitucional o decreto 10.224/2020 da presidência da República que excluiu a sociedade civil do conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).

Votaram pela inconstitucionalidade do decreto Cármen Lúcia e os ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e André Mendonça. O ministro Nunes Marques abriu a divergência, alegando que o decreto não é inconstitucional. Após adiamento, o julgamento foi concluído no dia 27 de abril, com a maioria dos ministros e ministras concordando em derrubar o decreto excludente da sociedade civil..

Em diversos países, o direito ao meio ambiente começou a ter espaço nos litígios jurídicos há poucos anos. É o caso da Convenção Constitucional do Chile, responsável por redigir a nova Constituição do país. A Convenção aprovou o artigo 9, que reconhece que a natureza tem direitos e determina que esses direitos devem ser protegidos e respeitados pelo Estado e pela sociedade.

No Brasil, a escolha de juntar no Pacote Verde sete processos com impacto na área ambiental é considerado um momento histórico para a Justiça Brasileira. As ações que compõem o Pacote Verde do STF foram escritas por diferentes partidos e grupos, sendo protocoladas nos últimos 3 anos.

Veja aqui um resumo das ações da Pauta Verde, seus proponentes e objetivos:

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 651 foi ajuizada em 2020 pela Rede Sustentabilidade (REDE) para solicitar que o decreto 10.224/2020 fosse declarado inconstitucional. O decreto excluiu representantes da sociedade civil do conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).

A ADPF 735, feita em 2020 pelo Partido Verde (PV), solicitou a avaliação da prioridade do uso das Forças Armadas no combate a crimes ambientais na Amazônia, o que retira a autonomia de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A ADPF 760, elaborada em 2020, tem autoria do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), do Partido Democrático Trabalhista (PDT), do Partido Socialista Brasileiro (PSB), do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), do Partido dos Trabalhadores (PT), do PV e da REDE. Recebeu apoio de dez outras organizações, como o Instituto Socioambiental (ISA), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Greenpeace Brasil. A ação visa a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), responsável pela diminuição do desmatamento na região entre 2004 e 2012, mas desativado em 2019.

Por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54, de 2019, o governo federal foi acusado de omissão no combate ao desmatamento. A Rede Sustentabilidade, autora da ação, solicita, ainda, que o combate seja mais efetivo.

A ADO 59 requisita a reativação do Fundo Amazônia, que foi paralisado em abril de 2019 pelo governo Bolsonaro, com repasse de recursos financeiros de projetos já aprovados, restabelecendo a avaliação de outras iniciativas ainda em fase de consulta. PSB, PSOL, PT e Rede Sustentabilidade entraram com ação em 2020.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6148 é a única das ações do Pacote Verde que conta com autoria da Procuradoria-Geral da República (PGR), mas mesmo assim o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, pediu que a ação fosse declarada improcedente pelo STF. A ADI 6148 foi protocolada pela PRG em 2019, na qual critica a ineficácia da Resolução nº 491/2018 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), sobre regulamentação da qualidade do ar.

E a última das ações do Pacote, a ADI 6808, requerida pelo PSB em 2021, diz respeito à medida provisória (MP) 1.040/2021, editada para alterar a legislação sobre o licenciamento ambiental. A ADI contesta a MP, argumentando que as alterações ensejadas permitiram a liberação de alvará de funcionamento para empresas de risco médio.

Das 7 ações do Pacote Verde, seis (ADPFs 760, 651 e 735, ADIs 6148 e 6808, e ADO 54) têm relatoria da ministra Cármen Lúcia, e uma (ADO 59) tem relatoria da ministra Rosa Weber.

O julgamento deve, além de institucionalizar o zelo pelo meio ambiente no país, aumentar a proteção para comunidades tradicionais que vivem da natureza e são prejudicadas por sua degradação.

As sessões do plenário nos dias 6 e 7 de abril aconteceram ao mesmo tempo em que milhares de indígenas e apoiadores marcharam pelas ruas de Brasília na 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL). A mobilização reafirmou os direitos garantidos pela Constituição com diversas passeatas.

A Hutukara Associação Yanomami divulgou, também durante os dias do ATL, um novo relatório sobre o garimpo na TI Yanomami. O novo relatório da Hutukara Associação Yanomami sobre o garimpo na TI Yanomami também foi divulgado durante os dias do Acampamento Terra Livre. Os dados levantados no relatório revelam destruição de pelo menos 1.038 hectares de terra Yanomami pelo garimpo em 2021, um aumento de 46% comparado a 2020.

Há ainda, segundo o documento, indícios de aproximação do crime organizado (como tráfico de drogas) em áreas invadidas por garimpeiros, relatos de mulheres expostas à prostituição e de ataques armados contra comunidades indígenas.

O julgamento pela procedência das ações do Pacote Verde pode auxiliar no combate ao garimpo ilegal e barrar episódios como os que foram levantados no relatório. Muitas das ações chamam a atenção para a necessidade de proteção de áreas florestais e maior fiscalização contra o desmatamento, o que pode garantir maior segurança a comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas.

Tanto os requerimentos dos manifestantes durante o ATL quanto a própria situação de comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas no país serão afetados pelos resultados do julgamento do Pacote Verde do STF. Espera-se que votos como o de Cármen Lúcia sobre a ADPF 760 ajudem a diminuir os dados obtidos pelo relatório da Hutukara Associação Yanomami.

Na ajuização da ADPF 760, a necessidade de proteger os direitos dessas comunidades garantidos pela Constituição é argumento-chave. “Observa-se que atos omissivos e comissivos do Poder Público federal causam grave violação e lesão irreparável ao direito fundamental das presentes e futuras gerações ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225) e, por decorrência, aos direitos à vida (artigo 5.º), à vida digna (artigo 1.º, III) e à saúde (artigo 196), bem como aos direitos fundamentais dos povos indígenas às suas terras tradicionais”, diz o documento.

O voto de Cármen Lúcia a favor da ação é um exemplo de como o processo de avaliação do Pacote pode garantir a prevalência dos direitos constitucionais. O requerimento de um plano para fortalecimento da Funai e a exigência de redução efetiva do desmatamento na Amazônia Legal, em TIs e em UCs, foram os primeiros resultados positivos vindos do Pacote.

Foto de destaque: A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF). Fernando Frazão/Agência Brasil

 
 

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