A Amazônia é uma questão de vida ou morte para todos nós. Precisamos lutar por ela
Aqueles que se preocupam com a sobrevivência do planeta devem fazer mais do que expressar mensagens de apoio – a Amazônia é a nova ‘grande causa’ do mundo
Os incêndios na floresta tropical foram finalmente extintos com a chegada da estação das chuvas, mas ameaças e violências seguem intensas contra os guardiões da floresta. Eles precisam de apoio internacional para que a Amazônia esteja no centro da ação climática, em vez de ocupar apenas um lugar distante na linha de frente da guerra contra a natureza.
Para que isso aconteça, o mundo deve acordar para a ameaça existencial representada pela destruição da Amazônia e demonstrar solidariedade às comunidades tradicionais, ativistas dos direitos à terra e ONGs ambientais no Brasil. Todos estão sob intensa pressão desde que o militar ultradireitista Jair Bolsonaro se tornou o presidente do País no início deste ano. Seu governo enfraqueceu a proteção das florestas e incentivou mineradores, agricultores e grileiros a tirarem vantagem.
A Amazônia se assemelha cada vez mais a um campo de batalha. De um lado, há uma mistura etnicamente diversa e ecologicamente rica de povos indígenas, comunidades ribeirinhas e quilombolas, assentados no interior da floresta. Por outro lado, há uma elite capitalista, principalmente branca, ansiosa por explorar a terra. Essa luta remonta cinco séculos, desde os primeiros colonialistas europeus, mas tem assumido um significado global à medida que as consequências climáticas se tornam mais evidentes. Ativistas de direitos civis descrevem um clima de terror. Só nas últimas três semanas, três líderes indígenas foram assassinados, juntamente com uma testemunha-chave na defesa do padre católico e ativista da terra Amaro Lopes, sucessor da freira assassinada, Dorothy Stang. No mês passado, a polícia invadiu o Projeto Saúde e Alegria, uma ONG com grande tradição em Alter de Chão, Santarém, e prendeu quatro bombeiros voluntários. Com o governo do seu lado, os grileiros se sentem encorajados a invadir e queimar mais florestas.
Ativistas de direitos humanos dizem que a polícia está do lado dos grileiros e quer uma reunião com o governador do estado do Pará para assegurar que as leis de segurança sejam respeitadas, que as florestas protegidas tenham garantias e os ativistas não se tornem alvos. Só o fato de precisarem fazer essas demandas demonstra o quanto a situação se tornou alarmante. Essa é uma preocupação global. Em um momento de emergência climática, a Amazônia é o maior sumidouro de carbono terrestre do mundo. Em meio à crescente evidência de um colapso dos sistemas naturais de suporte à vida do mundo, é o lar de mais espécies do que qualquer outro lugar, com exceção dos oceanos. A floresta tropical é uma parte de vital importância do ciclo da água, canalizando as chuvas na América do Sul e moldando os ventos alísios que circulam nos sistemas climáticos. Os pedidos de plantio de árvores e de soluções baseadas na natureza para a crise climática não darão em nada sem essa floresta tropical.
O apoio internacional à Amazônia, porém, tem sido morno. Isso ficou claro no mês passado em Altamira, norte do Brasil, no encontro apropriadamente chamado Amazônia Centro do Mundo. Nos dias que antecederam a reunião, agitadores de direita incitaram os fazendeiros, pecuaristas, policiais e outros “patriotas” a se mobilizarem contra comunidades tradicionais, ambientalistas e grupos de direitos humanos participantes, que eles alegavam serem “eco-socialistas” trabalhando por interesses internacionais contra a soberania do Brasil e o desenvolvimento econômico. Essas mensagens foram suficientes para assustar duas organizações estrangeiras – uma enorme ONG ambiental e uma das maiores fundações do mundo – que desistiram do evento, em vez de se arriscarem a se envolver em um impasse potencialmente tenso. Outros grupos estrangeiros tiveram menos medo. Para os ativistas locais, as ameaças são um fato da vida – e eles encontram seu próprio caminho para lidar com elas. Na sessão de abertura, um grupo de grileiros – alguns envoltos na bandeira do Brasil – forçaram a entrada à mesa principal do evento, e tentaram interromper atividades e oradores com o empurra-empurra. Foram contidos pelos guerreiros Kayapó, pintados com tinta de guerra, enquanto outros ativistas formaram uma barreira humana para permitir que os palestrantes continuassem. Era simbólico: fazendeiros brancos tentando assumir o controle e povos da floresta defendendo seu espaço, enquanto apoiadores internacionais de destaque se assustavam.
Isso é uma vergonha para a nossa geração. A Amazônia (juntamente com o Congo e Papua Nova Guiné, os oceanos e outros lugares essenciais de natureza) deve ser tão central ao debate global e ao ativismo internacional quanto foi a guerra civil espanhola na década de 1930. Naquela época, os idealistas da classe trabalhadora juntaram-se a intelectuais públicos na luta contra o fascismo. George Orwell, Martha Gellhorn, WH Auden, Pablo Neruda, Emma Goldman e Ernest Hemingway estavam entre dezenas de milhares que arriscaram suas vidas relatando os combates ou participando como membros da Brigada Internacional. Alguns viram isso como um momento decisivo para a civilização. Outros o descreveram,em termos apocalípticos,como “a última grande causa”. Para Orwell – que foi baleado no conflito – tomar parte na luta significava apenas “ser uma pessoa decente”.
Diferentemente daquela época, a ameaça à civilização e à decência não é uma nova ideologia, mas as consequências acumuladas da antiga. Bolsonaro, Donald Trump, Vladimir Putin, Rodrigo Duterte, Recep Tayyip Erdoğan e outros populistas muitas vezes se parecem com fascistas, mas na verdade são arqui-capitalistas. Seu principal apelo aos eleitores não vem de uma visão distorcida do futuro, mas de uma promessa de voltar o relógio para uma idade mais estável. Isso é impossível, já que o caos climático provocado pelo homem perturba cada vez mais vidas e atividades econômicas. Até que os governos lidem com isso, todas as outras batalhas serão inúteis.
É por isso que a defesa da Amazônia – e a luta mais ampla para restaurar a natureza – é a “última grande causa” de hoje. Mova essa questão da periferia para o centro e tudo – política global, economia e pensamento individual – muda. A ecologia será vista como mais fundamental do que a economia, a fertilidade a longo prazo estará à frente do crescimento destrutivo do PIB, o ecocídio será punido nos tribunais criminais, as gerações futuras e outras espécies terão representação democrática e os currículos escolares ensinarão as crianças a cuidar da nossa casa, o planeta Terra.
Isso pode parecer uma perspectiva distante. As forças alinhadas contra uma mudança de pensamento tão radical, mas necessária, têm mais poder político e de armas. O mesmo aconteceu na guerra civil espanhola. Naquele momento, os antifascistas perderam a guerra, mas, como observou o grande historiador Eric Hobsbawm, eles venceram a batalha por intermédio de ideias. Com tantos escritores, poetas e jornalistas ao seu lado, os perdedores escreveram a história para uma mudança — e isso moldou o debate em torno do conflito maior que eclodiria na segunda guerra mundial.
Da mesma forma, a batalha pela Amazônia não pode ser vencida em campo, com armas e bombas, mas pode ser moldada por opiniões, dinheiro, opções de consumo, protestos de rua e pressão internacional. Não é mais suficiente que os intelectuais, celebridades e outros formadores de opinião de hoje declarem apoio à floresta tropical apenas nas redes sociais. Mais pessoas precisam sair de trás de suas telas para experimentar o que a natureza oferece e como está sendo perdida. Isso exige colocar corpos, reputações e dinheiro em risco, em vez de deixar a batalha para comunidades tradicionais corajosas, mas fragilizadas e com muito menos recursos que seus inimigos. Organizações internacionais e governos estrangeiros precisam se envolver mais e ajudar o Brasil a reconhecer o valor da floresta tropical. Restaurar a natureza deve ser essencial em todas as tomadas de decisão.
Não é apenas uma questão de decência. É imperativo tratar a Amazônia como um assunto de vida ou morte – e não apenas para aqueles que vivem nela.