CIMI e Guardiões da Floresta debatem estratégias de defesa dos povos isolados

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Movimentos trocaram experiências históricas e recentes e reforçaram a urgência de políticas de proteção

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), realizou um debate nesta sexta-feira (29), junto com outros representantes de movimentos, com os Guardiões da Floresta sobre a luta pela proteção dos povos indígenas não contactados e a importância de defender os seus territórios. A atividade faz parte do X Fórum Social Pan-Amazônico, que acontece em Belém até este domingo (31).

O descaso governamental com a segurança e bem-estar dos povos originários que vivem em isolamento voluntário tornou-se uma grande preocupação para quem luta para defender os diretos dos verdadeiros donos desta terra.

O “isolamento voluntário” é uma defesa que determinados indígenas praticam, seja por iniciativa própria ou porque foram forçados a se refugiar no interior da floresta na tentativa, às vezes desesperada, de evitar contato com a sociedade ou com outros indígenas. O autoisolamento é uma fuga das consequências desastrosas causadas pelo não-índio e sua tentativa de se apossar da Amazônia.

Para o professor e integrante da equipe de apoio a povos livres do CIMI, Lino João, o principal motor da luta pela defesa desses grupos é o abandono da política de proteção territorial que, em vez de assegurar o que é de direito desses povos, contribui com a perseguição dos mesmos.

“As sedes da Funai são praticamente inexistentes nos territórios de preservação. Sem verba, sem pessoas para trabalhar e sem assistência. Esses povos são caçados constantemente, as placas de demarcação de terras estão com dezenas de marcas de tiros. Existe um extermínio programado. Não são ameaças, pressões e mortes ao acaso contra os povos indígenas. É uma pratica pensada, programada e usada para atingir os isolados”, afirmou Lino.

Segundo o professor, quem acredita que esses povos livres são pessoas que nunca tiveram nenhum tipo de contato com o mundo pode estar equivocado. Eles escolheram não ter contato e não respeitar essa decisão, junto com a ganância dos dirigentes do país, prejudica quem só quer viver em paz.

Guardiões da floresta

Criada em 2013 para defender povos e territórios indígenas, a organização dos Guardiões da Floresta foi um dos destaques do debate. Um dos pioneiros do grupo, Olímpio, indígena Guajajara do Maranhão, explicou que a iniciativa veio exatamente da ausência de políticas de proteção contra explorações e invasões.

“Quando percebemos que não teríamos apoio de ninguém para defender nossas terras, decidimos agir. São anos e anos lutando por nossas terras e levando bala, facada e todos os tipos de ataques que imaginarem. Essa defesa também é por nossos parentes que escolheram se isolar e resistem junto conosco a toda pressão que os madeireiros, fazendeiros e empresários exercem”, expôs Olímpio.

O representante explicou que, no início do trabalho, a área preservada, de cerca de 413.000 m², tinha 72 entradas principais e facilitava a entrada de pessoas não autorizadas. Hoje, apesar das ameaças e tentativas de acabar com o grupo, a área tem somente cinco entradas e uma grande quantidade de guardiões. “São 522 anos de perseguição, nossas histórias podem não estar nos livros, mas essa terra é nossa mãe. Pode chover canivete que vamos dar uma resposta pra esse povo ruim mesmo assim”, disse Olímpio.

Provas de existência e resistência

A Ilha do Bananal, localizada no sudoeste de Tocantins, é a maior ilha fluvial do mundo. De acordo com Eliane Franco, coordenadora do CIMI para a região e moradora do Bananal, além das reservas indígenas Carajás e Javaés, é comprovada pelos moradores da ilha a presença de um povo isolado na mata do Mamão. O grupo tem sido obrigado a se esconder pelas queimadas e pelo arredondamento de mato para criação de gado. Apesar de ser um acordo entre os fazendeiros, indígenas e o governo, o desmatamento e a pecuária estão colocando em risco a vida dessas pessoas.

“Nós do CIMI informamos à Funai a detecção de povos isolados na ilha. Mesmo com registros e testemunhas, porém, o órgão continua alegando a não existência deles. E isso dificulta a defesa desse território, já que não temos apoio público”, explicou Eliane.

É importante lembrar que os indígenas e seus diversos grupos são pessoas iguais a todas as outras. Apenas são diferentes em seus modos de vida e em suas culturas. Assim como qualquer sociedade, os povos isolados procuram evitar aproximação com outras pessoas para proteger seus modos de vida e suas tradições.

Em uma entrevista exibida no debate, Kora Kanamari, liderança do Vale do Javari, falou sobre a luta travada contra os madeireiros e empresários ilegais que invadem seu território.

“Não temos uma base de proteção, já que o atual governo insiste em acabar com nosso povo. Apesar de termos uma base própria e uma equipe de vigilância, o Vale do Javari é o local de maior concentração de povos isolados e consequentemente de povos mortos. Nós somos filhos dessa terra viva e não temos o direito de viver nela”, disse Kanamari.

Vidas invisíveis

Lino João explicou como funciona a política de invisibilização dos povos indígenas utilizada pelo governo para não cumprir com suas obrigações previstas por lei. “Temos 117 registros de presença de povos isolados no Brasil. Mas, apesar de evidências concretas, o governo só confirma a existência de 28. São 89 grupos invisíveis para o estado, 89 locais que sem a demarcação são exterminados e ninguém faz nada. Não existem políticas públicas. Não reconhecer a presença de povos em isolamento é claramente a estratégia de negação de suas existências. Mas nós não vamos ficar calados!”.

Yris Soares é graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Colaborou na divulgação de produções independentes em Belém e foi estagiária de assessoria de comunicação. É estagiária na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e participa da coordenação de comunicação do projeto Crônicas do Norte.
Imagem em destaque: Yris Soares/Amazônia Latitude
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