Amazônia Caribenha: os primeiros séculos de contato entre europeus e indígenas

Capa do livro “AMAZÔNIA CARIBENHA: processos históricos e os desdobramentos socioculturais e geopolíticos na ilha da Guiana” (EDUFRR, 2020). A capa é verde e possui um mapa antigo na metade superior. Ao fundo, está uma fotografia de um rio com floresta na margem.
Foto: Anderson Barbosa/Amazônia Latitude

Processo histórico de formação da região, que envolve Brasil, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, tem informações escassas na literatura brasileira

O processo histórico da Amazônia Caribenha, ou ilha da Guiana, é um estudo desafiador, por estar localizada em uma região particular da América do Sul. Apesar dessa área já ter sido apresentada por diferentes estudos, o conhecimento sobre seus acontecimentos históricos é fragmentado, envolvendo os europeus e os povos indígenas da América e do Caribe, por isso restam muitas perguntas.

Estudos arqueológicos nos deram notícias de que a trajetória sociocultural da região é milenar, integrada e dinâmica. O diversificado território com seus rios, florestas, savanas e serras, como parte do Escudo das Guianas, possibilitou uma compreensão geoespacial da ilha da Guiana. A identidade sociocultural da ilha e do Escudo das Guianas ganha ainda mais complexidade quando inserimos a diversidade histórica e cultural dos povos Karíb, Arawak, Inca, europeus, africanos, asiáticos, presentes na região amazônica no século XXI.

No entanto, para argumentarmos sobre os primeiros encontros entre europeus e povos indígenas, vamos privilegiar os povos Karíb e Arawak, registrados nos relatos dos viajantes e cronistas do fim do século XV e século XVI. Os relatos identificaram esses nativos como habitantes nas ilhas do Caribe e do litoral da ilha da Guiana. São povos de línguas e culturas distintas, mas envolvidos na rede comercial amazônica caribenha, com variados produtos alimentícios, ferramentas, amuletos, redes, canoas, que consolidaram a produção da cultura material ameríndia amazônica caribenha.

Assim, a região do rio Orinoco ganhou relevância nos primeiros estudos a respeito desse contexto regional amazônico caribenho. Foi uma das primeiras regiões visitadas pelos viajantes espanhóis em busca de produtos para o mercado europeu, do mito de El Dorado e de terras. É um território com extensão para o conjunto de montanhas ou serras Pacaraima, Parima e outras que incorporam o Escudo das Guianas, com diversificadas famílias indígenas.

No início do contato europeu com os povos indígenas, essa região era descrita como “litoral selvagem”, com áreas alagadiças em sua costa caribenha, que dificultavam o contato com as áreas de terra firme. Foi nesse cenário litorâneo, pantanoso e selvagem que o navegador espanhol ampliou o conhecimento sobre o rio Orinoco, integrado à rede aquática do Escudo das Guianas.

O Orinoco tornou-se o principal caminho fluvial entre o litoral e o interior, com uma complexa terra de relação sociocultural, política e mítica dos povos Karíb e Arawak. Povos indígenas que, integrados ao pensamento mítico dos ancestrais, enfatizavam aspectos da memória oral e suas tradições acerca do herói cultural Makunaima. Um sistema cosmogônico descrito por mito e lenda, presente nas trajetórias históricas dos povos do território do Monte Roraima: o Circum-Roraima. São processos históricos, caminhos culturais e mundo cosmogônico dos nativos, dando unicidade às transformações históricas eurocêntricas na ilha da Guiana (CRUZ; HULSMAN; OLIVEIRA, 2014).

No mapa holandês da Amazônia do século XVI, elaborado pelo cartógrafo Hondius, ficou evidente que o caminho fluvial do rio Orinoco era o mais conhecido. Percebem-se as várias informações indicando o trajeto para o interior amazônico em direção ao suposto lago do El Dorado. São caminhos fluviais e terrestres, em conexão, guiados pelos povos indígenas no principal caminho fluvial do litoral Atlântico Norte para o interior da Guiana, em direção aos Andes. O rio das Amazonas ainda era quase desconhecido na cartografia do século XVI, e vai ter destaque no século XVII após a expedição do português Pedro Teixeira.

A partir do século XVII, o rio Amazonas definiu a fronteira entre o Estado do Maranhão, depois Maranhão e Grão-Pará, e a Amazônia Caribenha, limitada pela margem direita do rio Amazonas e do rio Negro. A margem esquerda do rio Amazonas e do rio Negro era o marco da fronteira da ilha da Guiana ou Amazônia Caribenha.

Amazônia Caribenha na academia

No século XXI, o conceito “Amazônia Caribenha” ganhou visibilidade durante os debates e estudos sobre a ilha da Guiana por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Eleitorais e Políticas da Amazônia (Nupepa/UFRR), a partir de 2006. No entanto, os primeiros estudos da História Regional surgiram nos debates históricos sobre a Amazônia Colonial, realizados na Universidade de São Paulo (USP), no Programa de Pós-Graduação em História Social, por volta de 1999, durante o período do curso de doutorado do professor e pesquisador Reginaldo Gomes de Oliveira. Eram debates históricos que foram ampliando a curiosidade histórica sobre a língua e cultura neerlandesa ou holandesa-amazônica.

Nessa concepção histórica da Guiana como território amazônico, os estudos realizados no Nupepa, que tinham como base teórica a literatura histórica e a cartografia brasileira, passaram a ter diálogo e apoio nos estudos históricos neerlandeses, introduzidos na UFRR pelo historiador Lodewijk Hulsman, da Universidade de Amsterdam (UvA). Os investigadores acadêmicos do Nupepa, por meio dos debates e estudos etno-históricos, geo-históricos, arqueológicos, geopolíticos e antropológicos, conheceram a ilha da Guiana e deram possibilidade para uma reelaboração cartográfica e documental no século XXI.

Essa ação teórico-metodológica dos referidos pesquisadores, em diálogo com o pensamento dos intelectuais pós-coloniais e decoloniais, deu outro entendimento aos relatos elaborados pelos viajantes europeus, que navegaram nessa região desde o fim do século XV ao século XIX. Viajantes com missões régias de registrar narrativas socioculturais, econômicas e tensões no encontro com o índio. Que improvisaram o diálogo intercultural, com a finalidade de ampliar o conhecimento e o dinamismo intercultural regional. Suas narrativas revelam aspectos de trocas comerciais e influências dos diversos costumes e tradições amazônicas e caribenhas — encontros do europeu com os povos indígenas do tronco linguístico Karíb e Arawak, que modificaram as relações socioculturais e econômicas ao catalogar, organizar e ampliar o conhecimento da ilha da Guiana em favor do europeu.

Ao realizar esse conjunto de tarefas no contato com os povos indígenas, a grafia do termo “Costa Selvagem” foi a primeira denominação europeia para o litoral Atlântico da ilha Amazônia Caribenha (VAN WALLENBURG et al., 2015). Para o viajante espanhol, era um litoral povoado por “selvagens”, que passaram a dialogar com os tripulantes dos navios europeus, que desbravaram a Guiana pelo rio Orinoco e o mar do Caribe. Historicamente, o termo Costa Selvagem foi grafado pela Terceira Viagem de Colombo (1498), quando navegou pelo referido litoral amazônico, conheceu o delta dos rios Essequibo e Orinoco, produzindo o registro do encontro com povos Karíb e Arawak.

Para Colombo e sua expedição, os “selvagens” tinham o usufruto e o controle do litoral, como habitantes da referida Costa Selvagem, mas estavam presentes também no delta dos rios Essequibo e Orinoco, considerados “Senhores da Guiana”. Colombo acreditava que eram os mesmos povos indígenas que foram registrados pela sua tripulação como habitantes das ilhas do mar do Caribe em 1492.

O próprio termo “Caribe” foi conhecido na Europa pelo registro da expedição de Colombo, que interpretou a região e os habitantes do mar do Caribe (GAZTAMBIDE-GÉI GEL, 2014; PONS, 2007; TIERRA FIRME, 2003, v. 21).

De acordo com os relatos dos primeiros viajantes, os povos Arawak da família Taino receberam a tripulação de Colombo no mar do Caribe. Os mesmo também foram identificados por outras expedições espanholas como moradores no delta do rio Suriname e em outras ilhas caribenhas, como a ilha de Cuba e a ilha Espanhola (hoje ocupada pela República Dominicana e o Haiti).

Nesse entendimento, os povos Karíb, denominados de Warau e conhecidos pela habilidade na fabricação e na navegação com suas canoas, foram reconhecidos pelos viajantes como habitantes do litoral e do delta dos rios amazônicos caribenhos. Para os navegantes europeus, os povos Warau são índios do tronco linguístico Karíb, que tinham o controle de algumas conexões comerciais amazônico-caribenhas, envolvendo em suas negociações de troca os povos indígenas das ilhas do mar do Caribe. No cenário regional, as redes comerciais indígenas eram conectadas entre o imenso território amazônico caribenho, desde os Andes, passando pelo Vale e o litoral, incorporados ao regional caribenho e o sul da Flórida/Estados Unidos (OLIVEIRA, 2006, 2011).

“Descobrimentos”

Por volta de 1499, os registros históricos neerlandeses e espanhóis deram notícias sobre o navegador e mercador italiano Américo Vespúcio. Ele foi um viajante que fez parte da expedição espanhola de Alonso de Ojeda e ampliou os conhecimentos geopolíticos, históricos, socioculturais e econômicos sobre o território descoberto por Colombo. Foi Vespúcio quem esclareceu que o Novo Mundo não era parte da Ásia, mas uma terra desconhecida do povo da Europa. Ele considerava a Europa, a África e a Ásia como os únicos territórios conhecidos mundialmente.

Para o navegante italiano, era um novo continente com povos que não usavam roupas, manifestando ações culturais e linguísticas bem distintas dos povos da Ásia (Índia, China, Japão). As contribuições históricas e geopolíticas de Américo Vespúcio foram reconhecidas e homenageadas com a denominação das novas terras descobertas: América. No período dos descobrimentos, as interpretações de Vespúcio sobre o Novo Mundo foram confirmadas e ampliadas pela viagem espanhola de Vicente Yáñez Pinzón, entre 1499 e 1500.

Em 1492, Pinzón fez parte da expedição de Colombo que realizou o primeiro “descobrimento” e contato com os povos Karíb e Arawak no Atlântico Norte, configurando os primeiros encontros e trocas interculturais com os Taino (Arawak) nas ilhas do denominado Arquipélago das Antilhas.

De acordo com seu relato, o explorador desembarcou em um litoral que seria mais tarde denominado Brasil e registrou o encontro com o povo indígena Potiguara (Nordeste do Brasil). Ao navegar pelo litoral em direção ao denominado mar do Caribe, Pinzón descreveu a foz do rio Amazonas como “Mar Dulce” (ou Mar Doce). Ao continuar navegando e explorando o litoral da Guiana, ele ampliou o conhecimento cartográfico da época, registrando o rio Oiapoque e as possibilidades de rotas comerciais por meio do contato com os povos indígenas Karíb e Arawak.

Ao explorarem de modo mais minucioso o território da Costa Selvagem, as expedições de exploração perceberam que se tratava de uma ilha. Ao desenvolverem maior diálogo com os povos indígenas nas margens dos rios Orinoco (ou Essequibo, ou Suriname), os viajantes europeus interpretaram que a identidade da região estava na palavra Guiana. Nesse sentido, quando os primeiros viajantes espanhóis e dos Países Baixos escreveram a expressão Guiana, marcando a manifestação oral dos habitantes nativos, o europeu tomou por empréstimo uma representação da língua do povo indígena Arawak. Vocábulo que ganhou tradução e deu significado para: “terra de muitas águas” ou “terra de muitos rios”, uma significativa área territorial e expressiva geopolítica para a conquista da Amazônia em direção aos Andes (CRUZ; HULSMAN; OLIVEI RA, 2014; OLIVEIRA, 2006, 2008a, 2011).

O deslocamento dos povos indígenas nesse variado território amazônico caribenho contribuiu para a formação de um mosaico panorâmico de famílias e idiomas ameríndios em contato com o europeu no século XVI. Tal panorama e situação parecem semelhantes no atual contexto do século XXI na Amazônia Caribenha; um singular território de sociedade multicultural e linguística, que vivenciou distintas transformações históricas e geopolíticas ocorridas ao longo dos séculos XVI ao XX.

Esse particular território da América do Sul é vivenciado por um complexo aglomerado social, compartilhando o contexto regional e intercultural, fluindo em distintas línguas nacionais europeias e indígenas. O território foi revisitado pelos estudos decoloniais e relatado em seus processos históricos e socioculturais, reinterpretados e enriquecidos por embates entre nações durante a definição das fronteiras nacionais, bem como disputas e imposições socioculturais europeias, mediante a lógica de poder colonial. O processo histórico e político-jurídico não consultou os povos nativos, mas, como produtos da terra, foram incorporados aos territórios e aos grupos sociais nacionais de domínio de cada nação europeia (MIGNOLO, 2003, 2007, 2017; OLIVEIRA, 2014; REIS; ANDRADE, 2018).

Os países da Europa foram definindo seus específicos espaços territoriais amazônicos caribenhos, definições disputadas e negociadas entre os distintos europeus que habitavam a região. Essa ação aparece de modo mais claro nos documentos de Arbitragem, que serviram de apoio político-jurídico na definição de suas fronteiras (CRUZ; HULSMAN; OLIVEIRA, 2014).

Novas fronteiras

Durante o século XIX, com o fim das Guerras Napoleônicas e o processo de independência na América, a Guiana Espanhola foi integrada ao território da República da Venezuela e a Guiana Portuguesa, ao Brasil Império. Assim, o grande território da Guiana Portuguesa foi dividido em duas áreas: o litoral (Amapá), como área da Província Imperial do Pará, e o interior (Roraima), como área da Província Imperial do Amazonas. Esse evento histórico de mudanças geopolíticas, envolvendo os Estados independentes portugueses na América e sua incorporação ao território do Brasil Império, realizou-se no reinado de D. Pedro II, após a Revolta da Cabanagem (1835-1840).

Esse desmembramento geopolítico contribuiu para o desaparecimento da ilha da Guiana na cartografia desenvolvida no fim do século XIX. Assim, o realce permaneceu somente para o litoral caribenho, com as três colônias europeias: Guiana Britânica, Guiana Holandesa e Guiana Francesa.

Em 1808, com a chegada da Corte Portuguesa à América, o reino português possuía quatro Estados independentes na América Portuguesa: Brasil, com sede no Rio de Janeiro; Maranhão e Piauí, com sede em São Luís; Grão-Pará e Rio Negro, com sede em Belém; Guiana Portuguesa, com Fortes Administrativos governados por São Luís e, depois, por Belém.

Nesse processo histórico, os atuais estados do Amapá (litoral) e de Roraima (interior) eram unificados como Guiana Portuguesa. No desenrolar das Guerras Napoleônicas, o território da Guiana Portuguesa foi ampliado com a ocupação portuguesa na Guiana Francesa, por ordem do príncipe regente D. João, entre 1809 e 1817. Para essa ação contra a França napoleônica amazônica, o príncipe foi apoiado pelos militares do Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão, Grão-Pará e Guiana Portuguesa, coordenados pela Inglaterra, com fornecimento de navios de guerra, militares britânicos e ajuda financeira. Com assinatura de Tratado de Paz durante o Congresso de Viena (1814-1815), o território francês amazônico foi devolvido à França.

Foi a partir dessa compreensão histórica, ao dar visibilidade à ilha da Guiana no século XXI – com apoio teórico-metodológico dos estudos pós-coloniais e decoloniais que desmistificaram a invenção historiográfica das classes dominantes europeias, por meio do contato com os povos indígenas das Américas –, que os pesquisadores do Nupepa homenagearam os povos indígenas Karíb. Eles são maioria nessa particular região da Amazônia, mantendo um diálogo sociocultural com os povos das ilhas Caribenhas no Atlântico Norte.

Ou seja, no século XXI, o grupo de estudos atualizou as interpretações históricas e a geopolítica regional. Ao ampliar as informações, denominou-se a região em questão de ilha da Amazônia Caribenha. Isso foi possível por meio dos debates e estudos com base nas fontes históricas e cartográficas comentadas anteriormente.

Povos indígenas

Já explicamos que os estudos históricos, arqueológicos, etno-históricos e antropológicos, com apoio no pensamento decolonial, têm mostrado, nas últimas décadas do século XX e no início do XXI, os diferentes caminhos históricos, os processos socioculturais e econômicos da nova sociedade amazônica caribenha.

Evidenciaram outras leituras das transformações históricas e culturais, que exerceram o controle geopolítico dos povos indígenas Karíb, como os Pemon, Ingarikó, Patamona, Akawaio, Warau, Makuxi, Wai Wai, Kalina; ou os Arawak, como os Paraviana, Lokono, Wapichana, Atorai. São povos com conhecimentos ancestrais e diálogos interculturais, no contexto territorial Circum-Roraima, que têm no Monte Roraima a mais significativa representação cultural – as representações cosmogônicas com o mito e o rito de Maku naima.

São povos indígenas habitantes da Amazônia Caribenha que ultrapassam os limites regulamentados pelas fronteiras nacionais, estabelecendo intercâmbios por meio dos deslocamentos entre os países que ocupam a referida Amazônia no século XXI: Brasil, Venezuela, Guiana, Suriname e Departamento Ultramarino da França (ou França Amazônica).

No contexto Circum-Roraima, os povos Karíb, Arawak e os povos do tronco linguístico Yanomami têm suas fronteiras culturais definidas invisivelmente pelas narrativas orais. As fronteiras culturais ganham visibilidade pela língua indígena. Nesse ponto de vista etno-histórico, o povo Pemon marca suas fronteiras com a cultura e a língua em oposição aos povos Ingarikó, Patamona e Akawaio, por exemplo. Nesse caso, os territórios culturais e suas fronteiras indígenas Circum-Roraima foram de finidos pelas línguas dos povos indígenas.

Nos Estados Nacionais, além da língua e cultura, os marcos visíveis são fixados para delimitar o espaço da fronteira nacional que sobrepôs as fronteiras culturais e linguísticas dos povos indígenas do Circum-Roraima.

Encontros difíceis

Nesse contexto geopolítico internacional, mesclado com narrativas míticas e lendárias dos povos indígenas amazônicos, as visitas técnico-científicas, parcerias e convênios realizados em seminários e simpósios entre as instituições universitárias e embaixadas do Brasil ampliaram o conhecimento da História Regional. São espaços acadêmicos e diplomáticos internacionais, interligados pela parceria e pelo pertencimento ao território da ilha Amazônia Caribenha. Os diplomáticos e científicos favoreceram as novas interpretações históricas e socioculturais por meio dos estudos e da troca de saberes entre os especialistas amazônicos.

Foram realizadas muitas reuniões e encontros entre os diferentes pesquisadores amazônicos caribenhos. Eventos solenes, mas com abertura e possibilidade para o intercâmbio histórico e sociocultural das instituições acadêmicas e governamentais. Ações coletivas entre os estudiosos que aproximaram os temas comuns e os diferentes sobre esse novo contexto geopolítico amazônico caribenho: a antiga ilha Guiana. Foi nesse âmbito de troca de conhecimentos regionais que o citado grupo do Nupepa liderou e propôs os estudos desenvolvidos pelos pesquisadores internacionais e amazônicos.

A realização dos encontros não foi fácil, em razão das elaborações históricas eurocêntricas pertencentes às cinco nações presentes na região: Brasil, Venezuela, Guiana, Suriname e Departamento Ultramarino da França, herdeiras da língua e cultura europeias. Suas interpretações nacionais são particulares, sem muito diálogo histórico e cultural regional. Para organizar a compreensão do debate, escolheu-se a língua inglesa, que dominou a troca entre os participantes. No entanto, em alguns eventos, houve a colaboração de intérpretes em holandês, português, francês, inglês e espanhol, facilitando o diálogo entre os distintos participantes internacionais.

Com essa dinâmica, os encontros realizaram-se na cidade de Boa Vista, na Universidade Federal de Roraima (UFRR); em Caracas, na Universidade Central da Venezuela (UCV) e Universidade Católica Andrés Bello (UCAB); em Georgetown, na Universidade de Guyana (UG); em Paramaribo, Universidade Anton de Kom do Suriname (AdeKUS).

Depois dessa estratégia comparativa, os encontros foram ampliados com realização nas outras universidades internacionais parceiras, como em Amsterdam, na Holanda, na Universidade de Amsterdam (UvA) e na Universidade de Leiden; em Viena, na Áustria, na Universidade de Viena; na Califórnia, nos Estados Unidos, no Pitzer College; em Trinidad, na Universidade West Indies (UWI).

Com o desenrolar de outras abordagens sobre a História Regional no contexto da Amazônia Caribenha, os eventos acadêmicos foram ganhando novos olhares e perspectivas com a incorporação dos debates que passaram a ser realizados em Manaus, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam); em Porto Velho, na Universidade Federal de Rondônia (Unir); em Rio Branco, na Universidade Federal do Acre (Ufac); em Macapá, na Universidade Federal do Amapá (Unifap); em São Luís, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA); em São Paulo, na Universidade de São Paulo (USP); em Brasília, na Universidade de Brasília (UnB).

Os diferentes eventos nos variados espaços acadêmicos e diplomáticos ocorreram entre 2006 e 2019, momento de conclusão das atividades desenvolvidas e coordenadas pelo grupo de estudos do Nupepa. As publicações resultantes fortaleceram as parcerias e as experiências da coletividade acadêmica e governamental, consolidando variadas informações, troca de ideias e experiências nesse campo dos saberes amazônicos caribenhos, complexo e permeado de distintos jogos de interesses

Nessa perspectiva, a ferramenta jurídico-diplomática e sociopolítica da paradiplomacia não apenas aproximou o sistema das relações internacionais, ou “subnacionais”, na Amazônia Caribenha, mas também auxiliou no fortalecimento das cooperações técnico-científicas. O apoio do corpo diplomático das Embaixadas brasileiras tornou estáveis as parcerias entre as universidades e instituições governamentais dos países da referida região.

Participação indígena

Outro fator importante nesse processo da História Regional foram os encontros e as reuniões com os povos Karíb e Arawak, em diferentes eventos realizados nas vilas indígenas ou na capital de Roraima, Boa Vista. A participação do Nupepa nas assembleias ou reuniões dos povos Karíb, Arawak e Yanomami deu ao grupo informações importantes acerca das trajetórias históricas pautadas na memória oral, depois incorporadas aos debates acadêmicos. Nos eventos dos povos indígenas, um dos principais pontos era o reconhecimento de direitos indígenas no campo educacional, cultural e territorial. Prova-se que a diversidade faz parte do contexto sociocultural e territorial amazônico, que envolve as várias sociedades nacionais e os distintos povos nativos, habitantes da Amazônia Caribenha, em diálogo sociocultural e cosmogônico Circum-Roraima.

Este é o primeiro capítulo do livro “AMAZÔNIA CARIBENHA: processos históricos e os desdobramentos socioculturais e geopolíticos na ilha da Guiana” (EDUFRR, 2020).
Reginaldo Gomes de Oliveira é professor de história da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Possui doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (2003). É especialista na área de História Social, com ênfase em Amazônia Caribenha e Guianas.
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