Voto dos equatorianos por petróleo intocado na Amazônia é sopro de esperança para a humanidade

Parque Yasuní, onde há petróleo no Equador
Parque Yasuní, no Equador. Foto: Ministério do Meio Ambiente do Equador
Parque Yasuní, onde há petróleo no Equador

A primeira vez que ouvi falar da Iniciativa Yasuní foi em 2006. Devo dizer que foi uma proposta audaciosa para a época, que propunha renunciar à exploração do petróleo desta zona megadiversa da Amazônia em troca de uma compensação econômica das principais economias do mundo.

O Yasuní é a maior área protegida do Equador,  considerada uma das regiões mais biodiversas do planeta. É lar de comunidades indígenas, incluindo os tagaeri e taromenane, que vivem em isolamento voluntário. A área foi designada como reserva da biosfera em 1989 pela UNESCO.

O reconhecimento dos direitos da natureza na constituição do Equador de 2008 deu um novo impulso à Iniciativa Yasuní, mas, ao mesmo tempo, apontou para a contradição que finalmente seria resolvida quinze anos depois, neste 20 de agosto.

Como embaixador da Bolívia na Organização das Nações Unidas e chefe negociador de mudanças climáticas entre 2009 e 2011, apoiei reiteradamente a exigência de que os países industrializados pagassem sua dívida climática por terem sido os principais poluidores com gases de efeito estufa. O que o Equador pedia em relação ao Yasuní era muito pouco em comparação à responsabilidade histórica destes países, que ainda assim se recusaram a fazê-lo.

A Iniciativa Yasuní ajudou a desmascarar a hipocrisia dos países desenvolvidos, que nas negociações climáticas falavam em abandonar os combustíveis fósseis, mas na realidade não queriam apoiar efetivamente uma proposta para deixar o petróleo debaixo do Parque Nacional Yasuní.

O argumento que ouvi nos corredores dos negociadores do norte, porque nunca falavam de forma sincera nas sessões oficiais, levou-me a concluir que essas negociações climáticas estavam fadadas ao fracasso: “Não é a quantidade de dinheiro que eles pedem — diziam — é o precedente que se criará se aceitarmos a proposta do Yasuní! Se pagarmos pelo petróleo não extraído do Equador, imagine o que outros vão nos pedir para não explorar seu petróleo”.

Ao que eu respondia, com amável sorriso: “Seria magnífico, assim finalmente pagariam sua dívida histórica com os países em desenvolvimento e poderíamos deter as mudanças climáticas”. Fim da discussão.

Parque Yasuní

Parque Yasuní visto de cima. Foto: Diego Tirira

A Proposta do Yasuní foi distorcida nas negociações climáticas pelo próprio governo equatoriano do então presidente Rafael Correa. O pedido para deixar o petróleo inexplorado no local foi cada vez mais tornando-se uma proposta mercantilista. O governo do Equador começou a propor mercados de carbono para deixar as jazidas intocadas.

Então comecei a me distanciar da proposta do governo equatoriano. Em nome de obter uma compensação econômica, não se pode promover a mercantilização da natureza. Uma coisa é que paguem uma dívida ecológica, e outra muito diferente é promover regras de mercado para os serviços da natureza, se esquecendo de que essa lógica de mercado nos levou a esta crise climática.

“Mas o mais importante é que o governo do Equador receba dinheiro para deixar o petróleo debaixo do Yasuní”, diziam os negociadores do país. A que se respondia: “Se o Equador reconhece os direitos da Natureza, não pode pôr preço nos direitos da Natureza. Imagine que alguém diga que respeitará apenas o direito humano à vida de um ser humano se lhe derem uma compensação econômica. Não se pode condicionar o cumprimento dos direitos humanos e os direitos da natureza a uma compensação econômica”.

Nestas conversas ficou claro que o governo Correa condicionava a proteção da natureza às vantagens monetárias que poderia receber.

E assim aconteceu! Em 2013, Correa anunciou que, como não havia ofertas suficientes de recursos econômicos para o Yasuní, exploraria o petróleo desta região única do planeta.

A partir daí, o que aconteceu foi uma história épica. Um grupo de jovens, coletivos e organizações não governamentais que Correa havia perseguido saíram às ruas para coletar assinaturas para um referendo, que perguntaria à população se queria deixar o petróleo do Yasuní inexplorado.

Conseguiram mais do que as assinaturas necessárias, mas os detentores do poder os trapacearam. Disseram-lhes que havia assinaturas falsificadas e lhes negaram o direito ao referendo. Passaram uma década nos tribunais. Muitos destes jovens se tornaram adultos, os mais velhos ficaram grisalhos, até que finalmente a justiça reconheceu que haviam cumprido todos os requisitos para realizar o referendo nacional sobre o Yasuní.

No dia 9 de maio de 2023, o Tribunal Constitucional do Equador emitiu a decisão 6-22-CP/23 que indica que, em caso de vitória do pronunciamento afirmativo à pergunta “Você concorda que o Governo equatoriano mantenha as reservas de petróleo do Yasuní-Ishpingo-Tambococha-Tiputini (Iniciativa Yasuni-ITT), conhecido como Bloco 43, no subsolo de forma indefinida?”, será realizada “uma retirada progressiva e ordenada de toda a atividade relacionada à extração de petróleo num prazo não superior a um ano”.

Foi assim que chegamos a 20 de agosto de 2023, e o “Sim ao Yasuní” venceu. Cerca de 59% dos equatorianos disseram: Sim à vida. Apesar da crise econômica, da insegurança, da violência, do medo e da morte… Mais de 5 milhões de equatorianos votaram para deixar o petróleo sob a terra naquela área.

Este é o renascimento da proposta do Yasuní de 2006, mas com uma essência diferente que está livre da condicionalidade econômica que tinha em suas origens. O povo equatoriano disse Sim para deixar o petróleo sob a terra no Yasuní porque é necessário deixá-lo debaixo da terra. Porque prejudica a Natureza. Porque destrói a vida. E ponto final.

A pergunta não utiliza a Natureza como um trunfo de negociação para obter uma compensação econômica. Esta é a maior homenagem que se pode fazer aos direitos da Natureza.

O referendo nacional do Yasuní marcará um antes e um depois na defesa da Amazônia e na luta contra as mudanças climáticas. A Cúpula dos Presidentes da Amazônia, que ocorreu em 8 de agosto em Belém do Pará, no Brasil, foi claramente avisada sobre isso.

O “Sim” ao Yasuní é um aviso sério aos governos que buscam expandir a exploração de petróleo no delta do rio Amazonas e fortalece a posição de governos como o da Colômbia, que propõem um plano de transição para sair dos combustíveis fósseis em toda a Amazônia.

O “Sim ao Yasuní” tem muitas dimensões. É a lógica da natureza que prevalece sobre a lógica dos extrativismos, é uma interpelação radical ao nosso antropocentrismo, é um chamado a uma ecosociedade, é um exemplo de ética e perseverança, é um desafio a passar do discurso à ação. Mas, acima de tudo, o “Sim ao Yasuní” é um sopro de esperança para toda a humanidade, porque nos mostra que podemos recuperar nossa humanidade.


Pablo Solón é um pesquisador e ativista em temas de natureza, mudança climática e alternativas sistêmicas. Foi embaixador da Bolívia nas Nações Unidas entre 2009 e 2011, atualmente é diretor da Fundação Solón na Bolívia e coordenador da Assembleia Mundial pela Amazônia.

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