Novo diretor do Inpa: ‘temos que ouvir as lideranças indígenas e ser ouvidos pelos políticos’

Escolhido para chefiar uma das instituições científicas mais importantes da Amazônia, Henrique Pereira diz que vai priorizar atenção a orçamento, que caiu nos últimos anos, e divulgação científica

Henrique Pereira, novo diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), criado em 1952 Foto: Sandro Pereira/Amazônia Latitude

Henrique Pereira, novo diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), criado em 1952 | Foto: Sandro Pereira/Amazônia Latitude 

Com mais de 70 anos de história, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) conheceu na última semana seu novo diretor. Henrique dos Santos Pereira, professor doutor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), foi escolhido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para um mandato de quatro anos à frente de uma das principais instituições científicas da Amazônia. 

Henrique Pereira, cuja nomeação já foi publicada no Diário Oficial da União, assume o Inpa em um cenário que não é dos mais favoráveis. Nos últimos anos, o instituto teve cortes de orçamento, e enfrentou a precarização de um dos seus principais ativos, o herbário na sede do Inpa em Manaus. Em entrevista exclusiva à Amazônia Latitude, Pereira falou sobre esses e outros temas como pesquisa, COP 30 na Amazônia, mudanças climáticas, a estiagem que afeta a região, além da pavimentação da BR-319 (rodovia Manaus-Porto Velho), assunto sobre o qual foi enfático.

“A sociedade do Amazonas e do Brasil devem ser primeiro esclarecidas se esta obra se justifica economicamente, isto é, se seus custos de implementação e manutenção serão compensados pelas atividades econômicas e geração de riquezas que irá dinamizar”, disse sobre a BR-319.

O novo gestor destacou que vai promover ações para levar o conhecimento científico para as escolas e dar mais publicidade aos resultados de pesquisas realizadas nos laboratórios do Inpa. Henrique Pereira disse ainda que o Instituto precisa – e vai – repor, via concursos públicos, as vagas de pesquisadores que estão na fase de aposentadoria. Em outubro, 11 anos após seu último concurso, o Inpa lançou edital para seleção de 51 novos pesquisadores e 9 tecnologistas.

Henrique dos Santos Pereira possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal do Amazonas (1984), mestrado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1992) e doutorado em Ecologia pela Pennsylvania State University (1999). Ele é professor titular e assessor especial de Relações Internacionais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Amazônia Latitude: O Brasil passou por quatro anos de apagão científico entre 2019 e 2022. O ex-presidente Jair Bolsonaro cortou 42% das verbas para a ciência do orçamento deste ano e isso impactou o Inpa. Servidores chegaram a denunciar, ainda no ano passado, que o instituto estava sucateado. Como você recebeu o Inpa? Qual a situação atual?

Henrique Pereira: Neste momento, estamos preparando o processo de transição e nossas equipes têm tido reuniões frequentes com a gestão atual para avaliar os processos da administração, incluindo os da execução orçamentária. O que avaliamos de positivo é que o  Inpa tem tido uma boa execução orçamentária, ou seja, tem conseguido gastar os recursos recebidos. Por outro lado, há uma limitação severa de recursos, reduzindo a capacidade do  Inpa de investir o orçamento da União em aquisição de equipamentos, de veículos e na construção, ampliação e manutenção de suas infraestruturas. 

A situação financeira do Inpa requer atenção. O orçamento, com os recursos diretos do governo federal, gira em torno de R$ 38 milhões anuais e não tem sido suficiente para atender a todas as demandas. Ainda assim, o Inpa é a 3ª organização no mundo que mais produz conhecimento sobre a Amazônia em termos de publicações científicas.
Henrique Pereira, novo diretor do Inpa

Pretendemos implementar práticas de gestão transparente e participativa, buscando ampliar as fontes de financiamento, especialmente as extraorçamentárias. Incluindo a captação de recursos por meio de editais públicos e privados, nacionais e internacionais. A profissionalização da captação de recursos e a gestão eficiente serão fundamentais para garantir o desenvolvimento contínuo das pesquisas.

O Inpa e as Unidades de Pesquisa do MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação), que são 16 ao todo, irão seguir reivindicando do governo federal um maior aporte de recursos do orçamento. Com o encerramento do ano fiscal, a prioridade é assegurar a conclusão dos processos de licitação e o empenho do máximo de recursos ainda disponíveis. Para isso, a equipe da atual administração está se empenhando ao máximo e conta com o apoio da equipe de transição.

Henrique Pereira é agrônomo com mestrado em Ecologia pelo Inpa e doutorado em Ecologia na Pennsylvania State University | Foto: Sandro Pereira/Amazônia Latitude

Quais estratégias você planeja implementar para lidar com os desafios causados pela falta de recursos, visando reequipar e reorganizar a equipe de pesquisa do Inpa?

Há necessidade de complementação dos recursos orçamentários, mas principalmente, há que se investir na recuperação dos recursos humanos, ou seja, na recuperação da força de trabalho da organização. Assim, a realização do primeiro concurso público do Inpa, após uma década, é nossa prioridade absoluta. Não podemos falhar na realização deste concurso.

Somos uma organização de pequeno porte, em termos de recursos humanos. O que é surpreendente dado o volume de resultados que o Inpa gera. Atualmente, contamos com 116 pesquisadores, e um total de 416 servidores, entre pesquisadores, tecnologistas, analistas, técnicos e assistentes. Neste momento, aproximadamente 68 pesquisadores já estão aptos a se aposentar, criando uma demanda que ainda não será atendida plenamente nesse primeiro momento da nossa gestão. Assim, seguiremos reivindicando a alocação de mais vagas para concurso público no Inpa, incluindo aquelas também para as carreiras de nível médio.

Como você pretende administrar esse valor entre as unidades do Amazonas, Pará, Acre, Rondônia e Roraima? Pretende buscar novas maneiras de captar recursos para essas unidades?

As unidades avançadas do Inpa ainda são pouco desenvolvidas, mas são estratégicas para assegurar a presença institucional do sistema de Ciência e Tecnologia na Amazônia ocidental. Grandes projetos como o LBA (Programa de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia) têm sido as principais fontes de recursos para os investimentos nesses polos. Dos estados da Amazônia Legal, ainda não há unidades do MCTI no Amapá, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins. Considero que devemos instalar uma unidade no Amapá e minha proposta é que seja compartilhada com o Museu Emílio Goeldi, do Pará. Nossa proposta é aumentar o aporte de recursos para essas unidades e de equipe, para se tornarem, além de bases avançadas de apoio aos projetos liderados pela sede do Inpa, unidades temáticas voltadas a pesquisas específicas. Em Santarém, por exemplo, há a proposta de estruturarmos o grupo de pesquisa com fungos comestíveis.

Com relação ao herbário na sede do Inpa em Manaus, que reúne uma das maiores coleções de plantas da Amazônia e está em condições precárias já há alguns anos, qual a sua proposta?

Durante a preparação do nosso plano de trabalho, tive a oportunidade de dialogar com as equipes das coleções biológicas. Pretendemos fortalecer o Programa de Coleções Biológicas, estabelecendo apoio orçamentário direto para ampliar e melhorar infraestruturas, garantindo recursos humanos e tecnológicos para o processamento de amostras e atividades de campo. Estamos cientes das condições do herbário e do acervo do Inpa, e daremos atenção especial a isso, buscando parcerias para a revitalização e modernização dessas instalações. Entendemos que as coleções biológicas são ativos valiosos para a ciência e para a preservação do conhecimento sobre a biodiversidade amazônica. Vamos trabalhar para garantir que esses acervos sejam preservados e estejam disponíveis para a comunidade científica e para a sociedade.

A floresta amazônica enfrenta diversos desafios ambientais. Como planeja fortalecer o foco do instituto na busca por soluções para esses desafios, conforme prometido durante a sua campanha?

Não fizemos uma campanha, mas sim um diálogo com pesquisadores, técnicos e estudantes da pós-graduação, o que nos levou a apresentar um plano de trabalho construído de modo participativo. O Inpa precisa estabelecer suas prioridades e entender seu papel atual no sistema de Ciência e Tecnologia da região, que não é mais o mesmo de 70 anos atrás. Também precisamos ter claro onde queremos estar nas próximas décadas, especialmente em relação à nossa posição junto às demais organizações científicas instaladas na região. O Inpa não fará tudo, e o que fizer não será feito sozinho, mas sim de forma compartilhada e complementar com as demais organizações. 

Como eu disse, o Inpa conta com 116 pesquisadores que estão atuando em 65 grupos distribuídos em quatro coordenações de pesquisas: Biodiversidade, Dinâmica Ambiental, Tecnologia e Inovação, Sociedade-Ambiente-Saúde. Precisaremos definir se vamos manter, ampliar ou redirecionar os esforços em cada uma dessas áreas. Uma das minhas preocupações é com as áreas das ciências agrárias, o que inclui a fitotecnia, a silvicultura e a criação animal. Nessa área, o Inpa tem sido uma referência para a domesticação de espécies nativas, a exemplo da pupunha e do pirarucu. Ainda assim, é notória a diminuição de investimentos nessas áreas de pesquisa, especialmente na renovação dos quadros de pesquisadores. Porém, devemos considerar que temos as unidades da Embrapa, as universidades e os institutos federais da região que poderiam assumir ou pelo menos compartilhar esse protagonismo com o Inpa. Portanto, esse planejamento deve envolver – e considero essencial consultar – o conjunto dessas instituições.

Dado o seu histórico em gestão ambiental e administração pública, como pretende navegar pelo cenário político para garantir liderança eficaz e tomada de decisões no Inpa?

Como tenho dito aos meus pares, no Inpa, eu me juntarei à equipe da direção trazendo à nossa gestão a minha experiência de 38 anos como gestor na Ufam, no Ibama, na ADUA (Associação dos docentes da universidade do Amazonas), da Anppas (Associação Nacional de Pós-graduação Pesquisa em Ambiente e Sociedade) e, mais recentemente, da direção da Academia Brasileira de Ciências Agronômicas. 

Como diretor do Inpa, me colocarei como porta-voz da instituição, mas não como o seu único interlocutor, sempre atento às demandas e aos diálogos com todos os setores da sociedade. Em nosso plano de trabalho, está claro o nosso compromisso com uma gestão transparente e participativa.

O Inpa deve ser ouvido por nossos representantes políticos, ao mesmo tempo em que também deverá estar atento para ouvir o que têm a dizer as lideranças dos povos indígenas e comunidades tradicionais da região e organizações da sociedade civil.
Henrique Pereira, novo diretor do Inpa

Sede do Inpa em Manaus | Foto: Sandro Pereira/Amazônia Latitude

A escolha do seu nome para diretor do Inpa é resultado de um processo do comitê de busca do MCTI e uma disputa interna acirrada que acabou indo parar na imprensa. Como você pretende promover a unidade e a colaboração entre os cientistas e pesquisadores no Instituto a partir de agora?

Essa foi a segunda vez que me apresentei como candidato à direção do Inpa. Portanto, trata-se de um processo com o qual venho convivendo nos últimos nove anos e, mesmo antes disso, pois já havia sido convidado em um momento anterior. Quero dizer que me considero parte da comunidade do Inpa, seja como egresso do curso de mestrado em ecologia e como pesquisador e docente convidado, com atuação em vários projetos e em pelo menos dois programas de pós-graduação (ATU e o MPGAP). Tenho relações pessoais e profissionais com vários de meus colegas no Inpa e, a partir delas, pretendo expandir essa rede de interações.

O momento da competição, ou seja, da disputa pelo cargo, que é algo cíclico, está encerrado. Então, o momento é para fazer um esforço conjunto e trabalhar pelo engrandecimento do Inpa e pelo sucesso de todos os seus 65 grupos de pesquisa, todos e todas, juntos, ombro a ombro. Isso não ocorrerá sem o debate, nem sem a confrontação das ideias, mas sempre com o respeito ao processo democrático e ao mais elevado espírito acadêmico.

O Inpa é a maior referência mundial em estudos sobre Biologia Tropical. Dada a sua importância histórica e seu papel na pesquisa amazônica, como você pretende posicionar o instituto para contribuir com a compreensão de fenômenos que afetam a região, como as mudanças climáticas que vivenciamos na pele hoje com as altas temperaturas e a seca histórica dos rios Negro e Amazonas?

O tema dos impactos da mudança climática se tornou, nos últimos anos, o mais relevante dentre as várias frentes de atuação do Inpa. Começando com os projetos que hoje se tornaram o programa LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia), como os mais recentes como o projeto ATTO e o projeto AmazonFace. O Inpa tem ainda o programa de pós-graduação em Clima e Ambiente, em associação com a UEA (Universidade do Estado do Amazonas). O que eu entendo ainda ser necessário é ampliar o alcance e a difusão desses conhecimentos gerados e acrescentar ao repertório dos projetos de pesquisa do Inpa o tema da Adaptação Climática. Essa é uma das minhas linhas de pesquisa na Ufam e penso que posso contribuir para que o Inpa também se envolva na geração das soluções para adaptação ao clima.

Aliás, como é a sua posição em relação às mudanças climáticas? Atingimos um ponto de ruptura, ou ainda é possível, na sua avaliação, reverter os quadros climáticos extremos?

O processo gerador da mudança do clima global é a elevação da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera, devido a atividades humanas como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, entre as principais. O cenário que se avizinha não é o desejável, pois há uma tendência de que não será mantida a meta do Acordo de Paris que seria o aumento da temperatura média da superfície do planeta em patamar abaixo de 1,5 ºC em relação à média histórica. Então, é razoável e até mais seguro supor que entraremos, sim, num processo de mudança climática irreversível e crescente. Alcançaremos a neutralidade de carbono por volta de 2050 assim como também da população mundial, segundo as projeções. Penso que até lá, com uma mudança radical na matriz energética, a redução drástica na queima de combustíveis fósseis, a diminuição do desmatamento e a recuperação de áreas florestadas, poderemos dar início a uma jornada de retorno ao equilíbrio climático do planeta, o que levará décadas ou séculos. Antes disso, teremos de conviver com os impactos cada vez mais severos das consequências da mudança do clima, como são os eventos climáticos extremos e os desastres naturais por eles provocados.

‘Teremos de conviver com os impactos cada vez mais severos das consequências da mudança do clima’, disse Henrique Pereira | Foto: Sandro Pereira/Amazônia Latitude

Como o Inpa vai participar da COP-30 em Belém? Como você planeja planeja mostrar o Instituto em um dos mais importantes eventos científicos do mundo?

A participação do Inpa será junto à delegação do MCTI e à delegação brasileira. Como país anfitrião, o governo federal certamente demandará do Inpa os insumos para definir o posicionamento do país nas decisões que estiverem em disputa por ocasião dessa conferência. Como afirmou o presidente Lula, essa será a primeira oportunidade que o conjunto das partes poderá conhecer e vivenciar a Amazônia, região que tem sido um dos centros do debate sobre a mitigação da mudança do clima, em especial sobre o carbono florestal. O Brasil e a Amazônia são o foco da atenção. São também, por exemplo, o modelo para o mecanismo do REDD+ e de financiamento do clima, como é o caso do Fundo Amazônia. Nessa pauta, trabalharemos com o conjunto das unidades de pesquisa do MCTI, em especial do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais) e do Museu Emílio Goeldi.

Apesar dessa importância do Inpa no cenário científico mundial, parte da população do Amazonas ainda pensa que o instituto se limita ao Bosque da Ciência, que é sim importante, mas é apenas uma das atividades. Como  você pretende trazer a sociedade para dentro do Inpa?

O Bosque da Ciência tem se mostrado um instrumento importante de comunicação e inserção social do Inpa. O Instituto ainda mantém a sua biblioteca, a sua editora, livraria e a sua revista científica a Acta Amazônica. Todos esses são instrumentos importantes que deverão ser fortalecidos e ampliados. O Inpa deverá sediar eventos científicos públicos e deverá manter e diversificar seu diálogo com os veículos de comunicação, ampliando assim o seu alcance junto à sociedade. O Inpa estará nas escolas e continuará, presente cada vez mais, nas comunidades rurais e cidades do interior da Amazônia, através de suas equipes e seus projetos de pesquisa. Todas essas ações estão sob o guarda-chuva da nossa coordenação de extensão, que terá posição de destaque em nossa administração.

Em tempos de fake news e pseudociência nas redes sociais, como será essa comunicação do Inpa a partir de agora? Sua gestão vai investir em divulgação científica? Se sim, como?

Eu vejo que a sociedade amazônida espera que o Inpa seja a referência, uma delas, se não a mais importante, para as questões que nos preocupam atualmente – em especial, as relacionadas às três emergências ambientais: a do clima, a extinção das espécies e a da poluição do ambiente. Então, a nossa organização não pode ficar silenciosa, omissa nos debates públicos, ou ausente dos fóruns consultivos e deliberativos. A ciência não é um campo sem controvérsias. Cientistas usam uma linguagem pouco acessível e tendem a dizer mais do que não sabemos e menos do que que sabemos. Isso dificulta a comunicação e o diálogo com a sociedade. Por isso, eu pretendo convencer meus pares que cada um e cada uma deverá dedicar parte do seu tempo para comunicar os resultados de suas pesquisas e se engajar no debate público. Deverão compreender que essa é uma ação, uma obrigação sua, como servidor público e cientista da Amazônia.

O Inpa tinha uma incubadora de empresas para trazer o mercado interessado em tecnologias dissolvidas pelo instituto como a farinha de pupunha, por exemplo. Como traduzir o conhecimento gerado nas bancadas dos laboratórios em ações que gerem emprego e renda com o menor impacto ambiental possível?

Para não cairmos num viés do inovacionismo mercantil, e para que o Inpa não seja cobrado por resultados que não estão em sua missão original, eu penso que é preciso reforçar e deixar patente o papel do Inpa em ser o grande gerador dos conhecimentos básicos sobre a diversidade biológica nos trópicos, em especial na Amazônia. Esse conhecimento é imprescindível, pois se constitui como a base para o desenvolvimento dos negócios da bioeconomia. Ninguém, nenhuma empresa irá desenvolver um negócio, um bionegócio, com base num insumo ou produto natural sem conhecer a sua origem, a espécie que o produz e como o produz. O Inpa é o nó central do arranjo Amoci (composto por 22 instituições dos Estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia) e, portanto, é parte fundamental da política de inovação capitaneada pelo MCTI.

Estaremos conectados aos ambientes de inovação da Amazônia e seguiremos sendo esse elemento chave que traz à luz conhecimentos sobre a imensa riqueza da diversidade biológica da Amazônia, seja para a sua conservação, seja para a sua exploração sustentável.
Henrique Pereira, novo diretor do Inpa

Como você enxerga a situação da BR-319? O Inpa tem pesquisas que mostram que a pavimentação da rodovia vai gerar desmatamento. Por outro lado, há uma pressão política e empresarial para a pavimentação. É possível chegar a um entendimento de preservação da biodiversidade naquela região com essa rodovia? Como o Inpa pode ajudar a chegar a uma solução?

O Inpa é o responsável, junto com seus principais parceiros, sendo a Ufam em primeiro lugar, por fazer os levantamentos da flora e fauna da região de influência direta e indireta da BR-319. Essa é uma contribuição importante e o ponto de partida para o estabelecimento das medidas mitigadoras dos impactos negativos da eventual revitalização da BR. O problema é complexo, em suas múltiplas dimensões, incluindo a questão econômica, que sabemos anteceder as preocupações ambientais e sociais nos processos de tomada de decisão. Penso que a comunidade científica do Inpa entende que, para uma obra ser considerada, há que se ponderar os seus benefícios sociais e econômicos positivos em relação aos seus impactos socioambientais negativos.

A sociedade do Amazonas e do Brasil devem ser primeiro esclarecidas se esta obra se justifica economicamente, isto é, se seus custos de implementação e manutenção serão compensados pelas atividades econômicas e geração de riquezas que irá dinamizar. Economistas, como o secretário da Sedecti (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Amazonas), Serafim Correa, diz que não. Por outro lado, eu entendo que a estrada é vital para as populações locais de sua área de influência, tornando-se uma estrada para pessoas e não para o transporte de cargas. Como em outras regiões, se a estrada voltar a ser dinâmica de modo sustentado, ela irá transformar a dinâmica de ocupação e política dos municípios que corta. Cidades tradicionais ribeirinhas, hoje sedes municipais, aos poucos perderão vitalidade e importância, pois deverão surgir novos núcleos urbanos que se tornarão mais influentes. Isso já se observa no caso do distrito de Realidade em Humaitá e de Matupi, no sul de Manicoré. 

Do lado da avaliação dos impactos ambientais, sim, o Inpa tem estudos que apontam para o risco do desmatamento, sendo este desencadeador de toda uma série de impactos ambientais negativos. A dúvida que resta, a principal delas, é se teremos as condições de garantir uma governança ambiental suficientemente boa, capaz de controlar o processo de ocupação da região de influência da BR-319 e assegurar a integridade das áreas protegidas que foram criadas na região. A história recente do país nos diz que não, pelo menos não no Amazonas.

Henrique Pereira em um dos tanques de psicultura na sede do Inpa em Manaus | Foto: Sandro Pereira/Amazônia Latitude

Como novo diretor, como você planeja colaborar com entidades internacionais e aproveitar sua experiência em relações especiais para aprimorar as parcerias e visibilidade globais do Inpa?

Nos últimos dois anos, estive coordenando a assessoria de relações internacionais da Ufam e, antes disso, coordenei ações de internacionalização, como a coordenação nacional de Rede Estudos Ambientais dos Países de Língua Portuguesa (Realp) e projetos financiados pelo programa de intercâmbio acadêmico da Capes com a França, o programa Brafagri, na área de ciências agrárias. Na área de relações internacionais do Inpa, iremos convidar um colega com experiência no tema e habilidade para estabelecer negociações com organizações estrangeiras.

Com formação em agronomia e ecologia, como você vê que sua expertise interdisciplinar pode beneficiar o instituto ao abordar questões complexas relacionadas à agricultura, ciências ambientais e comunidades tradicionais na região amazônica?

Embora venha do setor da educação, já atuei no setor ambiental como superintendente estadual do Ibama no Amazonas, por mais de seis anos, e dediquei minha carreira profissional, além do ensino e extensão, à pesquisa em temas como áreas protegidas, uso dos recursos naturais de uso coletivo, sistemas agrícolas tradicionais e gestão ambiental. Minha atuação transdisciplinar me permite compreender claramente a interface entre os setores das políticas públicas ambientais e de Ciência, Tecnologia e Inovação. Pretendo usar essa vantagem em minha atuação na gestão do Inpa, acreditando que isso será benéfico aos diálogos internos e externos com pesquisadores, gestores e outros grupos de interesse de diferentes áreas do conhecimento e setores de atividade.

Produção e entrevista: Marcos Colón
Fotos: Sandro Pereira
Edição: Emily Costa
Revisão: Filipe Andretta
Montagem do site: Fabrício Vinhas
Direção: Marcos Colón

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