Documentário “Meu Corpo, Meu Território” impacta e convoca à ação em sua estreia em Santa Cruz e Chiquitania

A estreia gerou uma profunda conexão e reflexão entre o público que lotou a sala em Santa Cruz, e levou o documentário à Chiquitania, para assisti-lo sob as estrelas. A conversa com as mulheres chiquitanas desencadeou um apelo urgente pela defesa da Casa Grande

Exibição do documentário "Meu Corpo, Meu Território" em Santa Cruz. Foto: Revista Nómadas.
Exibição do documentário "Meu Corpo, Meu Território" em Santa Cruz. Foto: Revista Nómadas.
Exibição do documentário "Meu Corpo, Meu Território" em Santa Cruz. Foto: Revista Nómadas.

Exibição do documentário “Meu Corpo, Meu Território” em Santa Cruz. Foto: Revista Nómadas.

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O cinema CBA Santa Cruz estava lotado. O murmúrio inicial deu lugar a um silêncio expectante. Não era apenas curiosidade que pairava no ar; era uma necessidade urgente de entender, de ouvir além dos fatos. De conectar-se com o essencial.

As protagonistas de Meu Corpo, Meu Território são seis mulheres indígenas chiquitanas que, com o poder de suas palavras e a profundidade de suas experiências, constituem a coluna vertebral do documentário. Rosa Pachuri, presidente da ORMICH, lidera firmemente uma organização que eleva as vozes das mulheres do coração da floresta seca de Chiquitano. Marina Justiniano, bombeira voluntária, resiste ao fogo enquanto trabalha pela justiça em sua função como Secretária de Participação Cidadã, Controle Social e Justiça Indígena. Dorys Chacón e Seferina Tomichá Surubí, também integrantes da ORMICH, são guardiãs ativas da terra e da cultura que as viu nascer. Eva Melgar, presidente da OMIR, e Aylín Vaca Díez, líder de Gênero e Juventude da CICOL, completam este círculo de vozes poderosas que, de diferentes cantos do território Chiquitano, constroem pontes de resistência, esperança e dignidade.

Após a exibição do documentário, foi realizado um bate-papo com as mulheres chiquitanas. Foto: Revista Nómadas.

Após a exibição do documentário, foi realizado um bate-papo com as mulheres chiquitanas. Foto: Revista Nómadas.

Por trás de “Meu Corpo, Meu Território” pulsa o coração de uma equipe diversificada e comprometida que une a narrativa jornalística, o conhecimento científico e a força comunitária. O documentário é uma coprodução entre a Revista Nómadas e o projeto BioKultDiv da Universidade Leuphana de Lüneburg (Alemanha), em estreita colaboração com a Organização Regional de Mulheres Indígenas Chiquitanas (ORMICH).

A direção esteve à cargo do jornalista e documentarista, com uma potente fotografia de Karina Segovia. A pós-produção de som e a edição foram realizadas por Andrés Navia, que também acompanhou com precisão narrativa a montagem da obra.  A narração calorosa e firme foi interpretada por Carla Arana, e o roteiro foi afinado com sensibilidade por Isabel Díaz Reviriego. A identidade visual do cartaz foi criada pelo ilustrador Jan Hanspach. Um agradecimento especial a Maicol Albert, da Fundação NATIVA, e Alejandro de los Ríos, cujas contribuições ajudaram a tornar possível esta história viva e urgente.

As seis mulheres chiquitanas, tecelãs de palavras e memórias, compartilharam seus testemunhos a partir da alma, em um documentário que dura apenas 18 minutos, mas que deixa uma marca indelével. Ali, estão suas vozes, capturas com respeito e sensibilidade que emocionam, desafiam e despertam. 

Um público à altura da história da obra. Foto: Revista Nómadas.

Um público à altura da história da obra. Foto: Revista Nómadas.

As chamas de 2024, que devoraram 12,6 milhões de hectares, ainda podiam ser sentidas na tela. A fumaça parecia se infiltrar entre as poltronas. Em cada cena, em cada rosto, pulsava uma história marcada por incêndios florestais e resiliência.

Durante dias, a equipe da Revista Nómadas caminhou ao lado delas por seus territórios. Filmou suas jornadas, suas feridas, seu profundo amor pela terra que habitam. E elas foram abrindo sua história, revelando sua verdade. Porque seu território – a Casa Grande – não é apenas um mapa. É uma extensão viva de seus corpos. 

Ali estavam Rosa Pachuri, Dorys Chacón, Seferina Tomichá, Eva Melgar, Marina Justiniano e Aylín Vaca Díez. Com a palavra como lança e escudo. Líderes, guardiãs, mulheres da floresta, com raízes profundas para resistir às piores tormentas.

O público as aguardava desde cedo no cinema do Centro Boliviano Americano (CBA), em Santa Cruz. Foi na terça-feira, 24 de junho, que a cidade presenciou a estreia do documentário. Mas a jornada desta obra começou dias antes, com o cinema sob as estrelas: na quinta-feira, dia 19, em Concepción, e na sexta-feira, dia 20, em San Ignacio de Velasco, com exibições itinerantes que aproximaram a tela das próprias comunidades chiquitanas.

O local estava lotado de pessoas. Estudantes universitários, professores, representantes de ONGs, acadêmicos, jovens sedentos pela verdade, cidadãos que ouviram falar do documentário e vieram assisti-lo de coração aberto.

Após a exibição, o debate começou. Rosa, Dorys, Aylín e Marina assumiram o microfone. A bióloga Pamela Justiniano, com sensibilidade e habilidade, teceu as perguntas como quem costura um tecido fino. E a conexão permaneceu intacta.

Na sala,  não voavam discursos vazios. Voavam raízes. Voavam perguntas com corpo e verdade. O que fazemos frente a essa realidade que arde? Quem responde pela terra que morre?

As protagonistas não calaram. Falaram com firmeza, com a coragem que só a verdade vivida pode trazer. Denunciaram a indiferença das autoridades nacionais e locais. Apontaram a ausência de políticas efetivas. Denunciaram a negligência institucional em um país onde a economia extrativista impera e todo o resto simplesmente não entra na agenda.

Pediram o justo: que o governo lhes entregue o status jurídico que lhes é devido como organização de mulheres líderes. Não para adornar os papéis, mas para defender com mais força seu direito de existir, de se organizar, de decidir.

O cinema itinerante chegou a Concepción com o documentário Meu corpo, meu território. Foto: Revista Nómadas.

O cinema itinerante chegou a Concepción com o documentário Meu corpo, meu território. Foto: Revista Nómadas.

Uma pergunta da plateia — feita por um menino — abriu outra porta. Revelou o que muitas vezes não é dito: que as mulheres chiquitanas não estão lutando apenas contra o fogo, mas também contra o silêncio imposto. Que elas se organizam, levantam a voz, tomam a palavra. Que travam batalhas não só contra as chamas, mas também contra o machismo que ainda persiste nas estruturas comunitárias.

Falaram da floresta como se fala de um filho. Contaram como, apesar de tudo, a vida persiste. Como brotos brotam onde antes só havia brasas. Como a esperança também é semeada.

E enquanto falavam, a sala inteira era preenchida pelo mesmo sentimento: a mistura de admiração, raiva, ternura e urgência que só as causas verdadeiras provocam.

Porque sim: Meu Corpo, Meu Território é um chamado. É uma prece. É um rugido. É o grito da Floresta Seca de Chiquitano que queima todos os anos.

 

Este texto foi publicado originalmente em espanhol pela Revista Nómadas. Acesse a versão original aqui.

Meu Corpo, Meu Território (2025)

Cartaz "Meu Corpo, Meu Território". Crédito: Revista Nómadas e projeto BioKultDiv. Arte: Jan Hanspach.

Arte: Jan Hanspach.

Em 2024, a Bolívia queimou como nunca antes. Mais de 12,6 milhões de hectares de florestas e ecossistemas não florestais foram queimados por incêndios florestais, muitos deles provocados,  em uma devastação sem precedentes que deixou cicatrizes profundas na Floresta Seca de Chiquitano, um dos ecossistemas mais singulares do planeta. Mas em meio à fumaça, às cinzas e ao silêncio imposto, erguem-se vozes que se recusam a se render.

Meu Corpo, Meu Território é um documentário que acompanha a luta das mulheres indígenas chiquitanas para defender sua terra e sua identidade diante da destruição ambiental e da violência estrutural. Por meio de testemunhos íntimos, cenas impactantes do bosque em chamas e da força espiritual da resistência comunitária, o filme visibiliza uma luta que é corpo e território ao mesmo tempo. Esse documentário é um chamado urgente a escutar aqueles que resistem no coração da Floresta Seca de Chiquitano. 

Com os testemunhos de:

  • Rosa Pachuri, presidenta da ORMICH
  • Marina Justiniano, bombeira voluntária e ecretária de Participação Cidadã, Controle Social e Justiça Indígena Chiquitana
  • Dorys Chacón, membro da ORMICH
  • Eva Melgar, presidenta da Organización de Mulheres Indígenas de Ramada (OMIR)
  • Aylín Vaca Díez, chefe de Gênero e Juventude da Central Indígena de Comunidades de Lomerío (CICOL)
  • Seferina Tomichá Surubí, dirigente da ORMICH

Gênero: Documentário
Direção: Roberto Navia
Produção: Revista Nómadas e projeto BioKultDiv da Universidade Leuphana de Lüneburg (Alemanha), em colaboração com a Organização Regional de Mulheres Indígenas Chiquitanas (ORMICH).
Edição do roteiro: Isabel Díaz Reviriego
Fotografia: Karina Segovia
Produção e pós-produção de som, edição e montagem: Andrés Navia
Narração de voz em off: Carla Arana
Agradecimentos especiais: Maicol Albert e Alejandro de los Ríos

 

Texto: Mercedes Fernández
Revisão e Tradução: Juliana Carvalho
Montagem da Página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón

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