COP30 ou carnaval climático?
Da beira do rio Javari aos bastidores da COP30, a Amazônia lembra que não é cenário nem vitrine, mas voz viva que resiste


Em Atalaia do Norte, a morada real das crianças e do futuro da floresta enquanto a COP30 arrisca o Carnaval climático e a exclusão.
Foto: Marcos Colón/Amazônia Latitude.
Em uma viagem recente à Atalaia do Norte, no Amazonas, em 5 de junho, às margens do rio Javari, celebrei a memória de meus amigos Dom Phillips e Bruno Pereira, brutalmente assassinados naquele local devido à sua inabalável defesa dos direitos indígenas e da Amazônia.
O que testemunhei ali não foi apenas uma lembrança – foi um lembrete contundente do que está em risco: as vidas dos seres humanos e da natureza, os territórios indígenas e o direito de sonhar com uma Amazônia para além da pilhagem da extração capitalista. A missão dos dois, de escutar as vozes indígenas e defender a floresta, continua guiando aqueles que acreditam que a Amazônia não é um recurso a ser explorado, mas um arquivo vivo de sabedoria ancestral, dignidade e resistência.
A COP30 não é meu primeiro confronto com a dissonância entre o que as cúpulas do clima prometem e o que cumprem. Denunciei o espetáculo que foi a COP26, em Glasgow, como “desconexões cognitivas” e, mais tarde, questionei a perigosa suposição de que povos indígenas podem, sozinhos, carregar o fardo da sobrevivência planetária em Os povos indígenas não podem ser os únicos responsáveis.
O que vi naqueles espaços, e o que agora vejo na preparação para a COP30, me compele a falar novamente, pois o evento corre o risco de se tornar mais um palco para encenações simbólicas em vez de operar mudanças estruturais significativas.
Já percorri tanto os corredores de cúpulas globais quanto as trilhas inundadas da floresta. E parei para escutar. O que escuto não são promessas corporativas, mas avisos ancestrais: devemos “aprender a desaprender” e abraçar modos de existência coletivos e relacionais se quisermos sobreviver a esta crise.
Como Dom Phillips nos lembra em “Como salvar a Amazônia”, publicado postumamente em 2025, “as pessoas precisam aprender com os povos indígenas que somente o pensamento coletivo e comunitário, e não a ganância individual, pode salvar a Amazônia”. Suas palavras têm urgência ainda mais grave hoje. A Amazônia não precisa de outra cúpula de fachada centrada no espetáculo de líderes mundiais distantes da realidade amazônica. Ela precisa de ações enraizadas no cuidado, justiça e respeito aos guardiões originais da floresta.
Como César Marubo, líder indígena, me disse durante minha visita recente: “A floresta é nosso futuro. Sem um futuro para nossos jovens, a floresta também morre”. O que presenciei na Amazônia não foi apenas a degradação ambiental, mas a erosão de sentido e pertencimento. A crise não é somente ecológica – é também civilizacional.

Liderança indígena do Vale do Javari, César Marubo atua na luta pelos direitos de seu povo. Foto: Marcos Colón/Amazônia Latitude.
O preço da exclusão
À medida que se aproxima a COP30, os olhos do mundo voltam-se para Belém e os custos exorbitantes das hospedagens chegam a ser três vezes mais caros que os de Glasgow durante a COP26. É uma ironia amarga ver como esses preços abusivos refletem o capitalismo predatório que destrói a Amazônia com sua incessante busca pelo lucro. Contudo, não se trata apenas de preços inflacionados, mas de exclusão. Delegados oriundos de países mais pobres e organizadores de base da sociedade civil, muitos dos quais representam as comunidades mais afetadas pela crise climática, são excluídos por não conseguirem arcar com os custos.
Que tipo de justiça climática é possível quando o preço de participação na “Cúpula dos Povos” (evento paralelo para ONGs e organizações populares) em Belém vai de 8.400 a 16.800 dólares por pessoa? Quando até mesmo a diária paga aos funcionários das Nações Unidas cobre apenas uma fração do valor dos hotéis? Se Belém se tornar um parque de diversões para privilegiados, a Amazônia será mais uma vez comodificada em espetáculo, com seus rios, povos e ecossistemas convertidos em decoração para encenações diplomáticas. Governança climática não pode ser leiloada. Se a COP30 excluir as vozes que diz querer elevar, não será uma cúpula de soluções, mas um símbolo de hipocrisia.
Por trás da retórica oficial de sustentabilidade e inovação, esconde-se uma verdade incômoda: esta realização da cúpula mundial pelo Brasil corre o risco de reproduzir o mesmo legado extrativista que afirma combater. A menos que seja radicalmente reinventada, a COP30 será mais um espetáculo polido, mais uma feira de negócios climáticos, mais uma discussão infrutífera repleta de promessas vazias, em vez do encontro transformador que nosso planeta, e particularmente a Amazônia e seus povos, tanto precisam.

Representantes de movimentos socais, comunidades tradicionais e povos indígenas exigem protagonismo na COP30. Foto: Oswaldo Forte/Amazônia Latitude.
Negociação ou Encenação?
Como lembra o recente “Chamado unido para reforma urgente das negociações climáticas da ONU”, o processo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) tem fracassado repetidamente em produzir resultados significativos. As emissões continuam aumentando. Povos indígenas e comunidades tradicionais seguem marginalizadas. O ecossistema amazônico, regulador crucial do planeta, está à beira do colapso.
Enquanto isso, ao longo dos últimos 30 anos, as cúpulas da COP transformaram-se em espetáculos midiáticos – massivos, performáticos e, muitas vezes, vazios. Com pavilhões luxuosos, campanhas reluzentes e marcas corporativas, a chamada Zona Azul converteu-se em um mercado temático do clima, cada vez mais distante das comunidades mais afetadas pelo colapso ecológico. Isso não é uma mera questão de imagem; é um fracasso político.
Uma investigação recente do The New York Times revelou que o número de participantes em cúpulas do clima cresceu exponencialmente. A COP28, em Dubai, contou com 70 mil participantes, sendo dominada por lobistas de combustíveis fósseis, corporações e delegações governamentais. Longe de sinalizar progresso, a presença inflada reflete o crescente abismo entre quem toma as decisões e as comunidades mais impactadas pela crise climática.
A Amazônia não é apenas um cenário
Belém não é somente uma cidade, mas uma porta de entrada para um dos biomas mais complexos e ameaçados do planeta. Realizar a COP30 na Amazônia é, por si só, uma declaração poderosa e oferece uma oportunidade única de mudar a narrativa, recentrar os saberes indígenas, reimaginar a governança e valorizar alternativas bioculturais ao extrativismo.
Mas, como isso pode acontecer se os maiores pavilhões são patrocinados por empresas de combustíveis fósseis? Se o governo brasileiro leiloa blocos offshore na costa amazônica para petroleiras? Se as mesmas comunidades indígenas que defendem a floresta são convidadas para se apresentarem no palco, mas silenciadas na mesa de negociações? Se a reforma de políticas é debatida em tendas climatizadas enquanto, a poucos quilômetros dali, rios transbordam e florestas queimam?
É preciso se perguntar: quem se beneficia com o atual planejamento da COP30? Quem é verdadeiramente escutado e quem é meramente convidado a se apresentar? A COP30 poderia tornar-se o ponto de virada que deveria ser, ou será apenas mais um ensaio num teatro de contradições?

Presidente Lula visita o Pavilhão do Brasil na COP28. Na foto: Presidente dos Emirados Árabes Unidos, Mohamed bin Zayed, Presidente Lula, o Governador do estado do Pará, Helder Barbalho e a primeira-dama do Estado do Pará, Daniela Barbalho. Dubai. Foto: Ricardo Stuckert /Agência Brasil.
Consertem a governança, não a imagem
O governo brasileiro tem promovido uma “governança inovadora” na atual COP, por meio de fóruns descentralizados, grupos de trabalho e um mutirão de esforço coletivo. Embora isso sinalize uma abertura, membros da sociedade civil temem que haja diluição. Falta clareza sobre quem é responsável, quais estruturas de tomadas de decisão existem e como serão valorizados os saberes da base.
Grupos indígenas e aliados há muito tempo reivindicam mecanismos diretos de financiamento, maior participação na governança climática e reconhecimento de suas próprias contribuições nacionalmente determinadas (NDC). Essas não são demandas simbólicas. Elas oferecem as bases para qualquer transição justa.
Se a COP30 falhar em integrar de forma significativa essas vozes, se continuar a servir apenas à coreografia diplomática de atores e corporações da elite, ela não só ficará aquém de seus objetivos políticos, como também aprofundará a desconfiança nos processos climáticos globais.
Uma oportunidade para centralizar a justiça climática
Em Belém, temos a chance de nos afastar do caminho do colonialismo climático. De rejeitar o modelo em que o Sul global torna-se uma vitrine para o manual de “bioeconomias” e “crescimento verde” enquanto o extrativismo continua sob novas roupagens.
A verdadeira ação climática deve desmantelar as estruturas geradoras da crise. Isso significa pôr fim à expansão dos combustíveis fósseis. Significa confrontar os interesses do agronegócio e da mineração. Significa ver os saberes indígenas não como “complementares”, mas centrais.

Atores não estatais querem ter seu lugar de fala e de decisão no palco da COP30. Foto: Oswaldo Forte/Amazônia Latitude.
Reconstrução, não renovação de imagem
Para que isso aconteça, precisamos construir uma COP baseada em responsabilidade, equidade e escuta radical – que consagre os direitos dos territórios indígenas, acabe com subsídios para os combustíveis fósseis e se abra para atores não estatais de modo que não seja só simbólico.
Não permitamos que a COP30 se torne mais um carnaval climático. Que ela seja uma ruptura. Um momento em que a Amazônia fale não das margens, mas do centro do palco mundial. Em que povos indígenas não sejam ornamentais, mas definam agendas. Em que o legado deixado não seja apenas estradas e museus repintados, mas modelos de governança enraizados em cuidado, em relacionalidade e reparo planetário.
A Amazônia não é um destino. É um alerta, uma professora e um espelho. E ela não vai esperar.
Se permitirmos que a COP30 se torne um espetáculo de exclusão, greenwashing e encenação governamental, ela não será apenas um fracasso, mas uma traição completa. Uma traição daqueles que lutaram e morreram se perguntando Como salvar a Amazônia.
Dom Phillips acreditava que as respostas já estavam lá – no cuidado indígena, na responsabilidade coletiva, no aprender a desaprender. Se ignorarmos essas lições em Belém, corremos o risco de não só falhar com a floresta e seus povos, mas de perder nossa última chance de verdadeiramente escutá-la.
Marcos Colón é professor de Mídia e Comunidades Indígenas do Southwest Borderlands Initiative na Walter Cronkite School of Journalism and Mass Communication da Arizona State University. Publicou The Amazon in Times of War (2024) e organizou Utopias Amazônicas (2025).
Arte: Fabrício Vinhas
Revisão, edição e montagem de página: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón