O avanço da “Cidade Pepita” e a ameaça aos Munduruku e à Amazônia
Em Itaituba, garimpos já se tornaram distritos e sustentam a maior parte da população, fortalecendo grupos políticos e empresariais e cooptando lideranças da floresta


Vista aérea da orla de Itaituba. Foto: Arlyson Souza / Wikimedia Commons.
Aurora Silva1Nome preservado a pedido da entrevistada. mal havia fincado os pés no chão de terra do Garimpo Creporizão, a 491 km de Itaituba, no Pará, quando um rapaz em uma moto a abordou:
— Quem é você? – perguntou, assustada.
— Eu vim lhe levar! – ele afirmou.
— Mas, me levar para onde? – o medo dela aumentou.
— Ué, para o cabaré! Você não é a Fulana?
— ?!? Não! Eu sou professora!
— Ôpa!! Desculpa! Você vai para a escola? Lhe deixo lá!
Enquanto pegava a carona na garupa do desconhecido que a havia confundido com uma prostituta, Aurora observava o entorno, onde os cabarés (que funcionam 24 horas por dia) compunham o comércio da cidade em harmonia com farmácias, mercados, joalherias, salões de beleza, campo de futebol e lojas naquele que, hoje, é chamado de “o maior garimpo do Brasil”.
Natural de Belém e professora do Sistema Modular de Ensino do Estado do Pará (SOME), há anos ela é familiarizada com a experiência de ministrar aulas para indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais grupos distantes dos grandes centros, tendo vivido em vários municípios do Estado.
Mas era a sua primeira vez em um garimpo. Chegar lá já tinha sido uma aventura: a primeira parada é em Itaituba, o município conhecido como “Cidade Pepita”, onde estão 16% da área de mineração do país e de onde saíram 81% do ouro ilegal do Brasil entre 2019 e 2020, uma enorme fatia dos R$9 bilhões movimentados no total. Boa parte do ouro “legal” que vem de outras partes da Amazônia, como da Terra Indígena Yanomami em Roraima, é declarado como proveniente da cidade, conferindo à Itaituba um outro título: o de capital da lavagem desse metal.
A exploração é antiga, com os primeiros registros no Século 19. Na década de 1980, quando houve a maior corrida pelo metal no município até hoje, mais de 500 toneladas foram retiradas. O aeroporto de Itaituba chegou a ser o 3º mais movimentado do mundo.
Para chegar ao Garimpo Creporizão por terra, deve-se usar uma precária Rodovia Transamazônica. Devido aos atoleiros, Aurora só via carros de tração e alguns micro-ônibus trafegando pela estrada, sendo que os últimos faziam uma “gambiarra de correntes nos pneus” para não atolar. A professora também notou que vários caminhoneiros, ao terem os veículos atolados, os posicionam atravessados na pista para impedir a passagem de outros motoristas e, assim, não ficarem sozinhos na estrada, principalmente à noite. “É muito difícil o acesso a esses lugares por terra”, comenta.

Devido aos atoleiros e aos assaltos, os motoristas evitam andar pela Rodovia Transamazônica a à noite. Foto: Aurora Silva / Arquivo pessoal.
Uma vez na cidade, Aurora entrou na Estrada Transgarimpeira, próxima ao Rio Jamanxim e à Área de Preservação Ambiental (APA) do Tapajós, a mais invadida por garimpeiros no Brasil.
A 300 km de Itaituba e com uma extensão de 190 km, a via é o coração da mineração. Por lá, transitam as enormes e caras escavadeiras que fazem em um dia o serviço que seria realizado em 40 dias com as técnicas rudimentares.
São essas técnicas, que agridem menos a natureza e coletam menos ouro de uma única vez, as únicas permitidas pela Agência Nacional da Mineração (ANM) quando outorga a Permissão de Lavra Garimpeira (PLG). Porém, uma brecha na lei permitiu com que a cidade de Itaituba, com pouco mais de 100 mil habitantes, se tornasse a capital do ouro ilícito: o Governo do Pará, desde 2015, permite que as prefeituras licenciem a atividade.
Valmir Climaco (MDB), ex-prefeito eleito em 2017, concedeu mais de 400 licenças para garimpeiros – ele mesmo é dono de área de mineração, além de madeireiro e empresário. No currículo do político, somam-se gordas multas aplicadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além de denúncias por extração ilegal de madeira, calúnia a mulheres, transporte de cocaína e a autorização para a construção de uma ponte dentro da Reserva Flona Jamanxim, a mais ameaçada pela atividade.
Climaco já comentou que nunca fiscalizou as licenças. Por isso, o Ibama suspendeu mais de 331 permissões na área e o Partido Verde (PV) pediu para que o Supremo Tribunal Federal (STF) não só tornasse a situação inconstitucional como obrigasse o Pará a corrigir os impactos ambientais causados. O STF ainda está analisando o caso.

Operação na área da Terra Indígena Munduruku, próximo a Itaituba. Foto: Polícia Federal
Tamanho incentivo explica por que o Creporizão já foi elevado a distrito. Vídeos curtos e perfis em redes sociais mostram que o Garimpo tem uma igreja com tamanho e estrutura suficientes para receber congressos e produzir de um filme amador. Toda uma vida social foi criada no lugar que começou como um ponto de apoio para o trabalho dos garimpeiros.
No caminho percorrido na Transgarimpeira, Aurora identificou vicinais (como a que leva para o Creporizinho, uma versão menor e mais próxima de Itaituba) e muitas rabetas pelo rio. Quando enfim chegou ao seu destino, havia uma escola de Ensino Fundamental e uma de Ensino Médio, cujos imóveis pertencem à Prefeitura.
Cada professor do SOME dá aulas por alguns meses e, então, parte para outro município.
Durante a experiência no garimpo, Aurora se acostumou a receber a notícia da morte de alunos. Com o sonho de comprar uma moto e usar cordões de ouro, muitos adolescentes abandonam a sala de aula para se aventurarem na mineração.
“Eles achavam que era mais fácil seguir por esse caminho do que pelo estudo”, explica a professora. “O lado triste é que muitos morriam soterrados, talvez por serem jovens e afoitos. Era comum a gente estar lá no dia a dia e ver dois, três corpos chegando. Uma tristeza. A Vila parava”, lembra.
Quanto à vida social, os rapazes jogavam futebol e frequentavam os cabarés. “Os cabarés eram de madeira, enquanto que as escolas eram de alvenaria”, narra Aurora.
O comércio de ouro já começa ali mesmo. Os garimpeiros negociam os produtos ainda na rua. Tanto no Creporizão quanto na sede de Itaituba, as joalherias são frequentes. “Você transita nos transportes coletivos com vários garimpeiros, que estão conversando sobre sua esperança em vidas melhores. A miséria faz com que eles busquem esse tipo de vida. Achei o custo de vida lá mais alto do que em Belém”, observa a professora.
Não é raro que quem trabalhe nos postos mais baixos de um garimpo viva quase como um escravo, com jornadas exaustivas, exposição a ambientes insalubres e perigosos. Em alguns lugares da Amazônia, ainda predomina o aviamento, sistema em que o trabalhador já chega com altas dívidas com seu empregador, tendo que pagar o transporte e os equipamentos de serviço.
Aurora descreve que viu “mulheres indo com a mesma intenção de ‘se darem bem’, mas a realidade era outra. E também existem as que vão para cozinhar para eles”.

“Os cabarés eram de madeira, enquanto que as escolas eram de alvenaria”, narra Aurora. Foto: Aurora Silva / Arquivo Pessoal.
“Garimpeiros são a categoria mais sofrida da região”
A “cultura garimpeira” na região de Itaituba é tão forte que existe um lobby gigantesco envolvendo políticos e técnicos que se dedicam à sua expansão. O atual prefeito, Nicodemos Aguiar (MDB), eleito em 2024, é alvo de uma investigação da Justiça Eleitoral, acusado de ter sido apoiado por Valmir Climaco para se eleger: servidores públicos teriam recebido até 700% de gratificação pelos seus votos. A dupla é aliada de ninguém menos do que o Governador do Pará, Helder Barbalho (MDB) e o Ministro das Cidades e irmão de Helder, Jader Filho.
No início de maio, o advogado Fernando Brandão, integrante do lobby e conhecido por defender garimpeiros, foi nomeado coordenador do Núcleo Regional de Gestão e Regularidade Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) em Itaituba, abrangendo os municípios de Novo Progresso, Rurópolis, Trairão e Jacareacanga. A indicação partiu do deputado estadual Wescley Tomaz (PSC), ele mesmo filho de garimpeiro e nascido na região.
Procurados pela Amazônia Latitude desde a nomeação de Brandão, nenhum dos dois citados se manifestou, assim como a própria Semas. Nas redes sociais de Tomaz e Brandão é possível ver que, há anos, o grupo atua em prol dos distritos e cidades onde há atividade de mineração, seja trazendo recursos para melhorar a infraestrutura (caso de quadras esportivas no Creporizão em maio de 2024 e no distrito de Moraes Almeida no último mês e de equipamentos de saúde em Novo Progresso), seja capacitando e equipando os trabalhadores (como a aquisição de uma caminhonete e de computadores para cursos técnicos em Agrícola e Pecuária junto ao Senar).

Quadras esportivas no Creporizão. Foto: Wescley Tomaz / Instagram.
Fernando Brandão excluiu seu perfil das redes sociais dias depois da sua nomeação e das polêmicas acerca de hábitos como a caça de javalis, criticada por defensores dos direitos dos animais. Em suas publicações, ele protestava contra a destruição de maquinários por parte do Ibama e do ICMBio, amparada pelo Decreto 6514/2018, em casos de infrações ambientais. Chegou a abrir uma sindicância contra os agentes responsáveis pela ação.
O advogado convidava os produtores rurais, “vítimas de abuso de autoridade”, a entrarem com uma liminar assegurando seus bens e empreendimentos. Em suas palavras, “quem deveria educar, incentivando ações de recuperação de áreas degradadas, por exemplo, atua destruindo maquinários conquistados com tanto suor e retira a oportunidade do garimpeiro trabalhar, impondo regras cada vez mais complicadas de serem cumpridas”.
Outra publicação do advogado denunciava a criminalização da mineração, “das pessoas de bem do setor mais sofrido da nossa região, que luta pela sua regularização”. O discurso ganha força com a maior parte da população local, uma vez que a extração de ouro é a fonte de renda de boa parte dos 200 mil habitantes do entorno.
Com a chegada da COP30, o deputado Wescley Tomaz tomou a frente em encontros com comissões, onde defende que a saída para resolver a tensão social em Itaituba está em ouvir os produtores rurais/mineradores.
“O Governo Federal, ao invés de criar mais reservas, deveria resolver o que é simples: dar estrutura, regularização fundiária e mineral para o produtor. Eles topam fazer um desmatamento zero, qualquer acordo, desde que possam trabalhar de forma legal. Quando você legaliza uma prática, você consegue detectar o CPF de quem fez uma queimada, punir quem cometeu um crime”, discursa o parlamentar nas redes sociais.
“É difícil achar alguém que não seja a favor do garimpo naquela região”, ressalta a professora Aurora Silva. “Mesmo indígenas e pessoas comuns são a favor porque eles sobrevivem disso”, complementa.

No “maior garimpo do Brasil”, cabarés, farmácias, mercados, joalherias, salões de beleza, campo de futebol e lojas existem em harmonia, bancados pelo comércio do ouro. Foto: Aurora Silva / Arquivo pessoal.
Legalizar a atividade reduziria a tensão social?
E quais seriam as consequências dessa regularização? Segundo o Ministério Público Federal (MPF), não há estudos nem plano específico de atuação sobre a legalização da extração de ouro na região. Há apenas dados que demonstram os impactos severos que as ocupações atuais têm nas esferas ambiental, social e econômica da Amazônia.
É possível que a legalização traga ainda mais prejuízos ao meio ambiente por aumentar a quantidade de áreas usadas para a extração de metais e contaminar ainda mais os rios e o solo, além de comprometer a saúde das populações locais devido ao uso de mercúrio e interferir em estudos científicos realizados em áreas que, até então, são preservadas.
Uma dessas reservas é a Flona do Jamanxim, criada em 2006 entre Novo Progresso e Itaituba e vizinha da Terra Indígena Munduruku, a segunda população mais atingida pela mineração no Brasil.
O ex-senador de Belém-PA, Flexa Ribeiro (PP), propôs a redução do Território Munduruku em 2017, gerando revolta de celebridades, como a modelo Gisele Bündchen. A ideia era que o ICMBio diminuísse os limites da Flona e transformasse a área excluída em Área de Proteção Ambiental (APA) sem estudos técnicos, o que foi impedido pela Justiça Federal do Pará.
Em 2024, o MPF conseguiu com que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) mantivesse a decisão da Justiça e condenasse o ICMBio a avaliar a capacidade de reversão do desmatamento em médio prazo; além de realizar audiências públicas nas cidades e comunidades vizinhas; e avaliar a intensidade da ocupação humana no local considerando os eixos social, econômico e ambiental.
No último mês de abril, o Ministério Público Federal determinou a saída de trabalhadores de dentro da Flona: sete condenados receberam 60 dias e, outros 306, 60 dias para se retirar da área. A sentença foi criticada por Wescley Tomaz, que escreveu que a criação da reserva “foi feita sem qualquer diálogo ou conhecimento sobre a realidade local. Ignoraram completamente a presença legítima dessas famílias, que sempre produziram com dignidade e respeito à terra”.
A decisão do MPF reforça que, “entre os deveres do órgão está a defesa do meio ambiente e dos direitos de povos e comunidades tradicionais, o que seguirá sendo feito”.

Munduruku fazem manifestação, em frente ao Ministério da Justiça, em prol da demarcação de terras. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil.
“A destruição da floresta, a contaminação por mercúrio, a poluição hídrica e os danos à biodiversidade representam graves ameaças ao ecossistema amazônico. Paralelamente, povos e comunidades tradicionais sofrem com problemas de saúde, violência, exploração laboral e a desestruturação de seus modos de vida tradicionais. Hoje não há qualquer normativa que autorize garimpo em terras indígenas, e eventual atividade de mineração precisaria ser regulamentada a nível federal, para poder ocorrer. Mas do ponto de vista econômico, o garimpo ilegal fomenta a evasão fiscal, a lavagem de dinheiro e a concorrência desleal”, diz o órgão.
Desde a saída do ex-presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) e o retorno do atual presidente Lula da Silva (PT) ao governo, o desmatamento ligado ao garimpo na Amazônia reduziu 30% entre 2023 e 2022, devido ao aumento das fiscalizações.
Com o retorno do presidente Lula, o comércio de ouro sofreu mudanças na sua regulação, como a obrigatoriedade de emissão de notas fiscais pelas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) para o rastreio da origem do metal. As DTVMs transformam o ouro comprado em ativos financeiros: assim como existem as ações e os fundos imobiliários, existem os fundos atrelados ao ouro, que podem ser comprados por qualquer pessoa que tenha conta em plataforma de investimentos.
O ouro é o principal ativo de proteção financeira em momentos de instabilidade da moeda de um país. Na Pandemia da Covid-19, quando o dólar e o euro subiram drasticamente em face ao real, a demanda por investimentos no metal aumentou para preservar o patrimônio dos brasileiros.
“Devemos lembrar que todos temos o mesmo sangue, o mesmo rio e a mesma floresta”: povo Munduruku resiste enquanto suas terras são invadidas e o ecossistema é poluído
“Quase todos os rios formadores do Tapajós são rios de esgotos de lama. Essa lama tem chumbo, magnésio, mercúrio, metais pesados [usados na extração de ouro] que podem causar doenças para o ser humano. Em apenas um ano, os garimpeiros conseguiram destruir um rio inteiro. Desde as cabeceiras até a foz, deixou de ser um rio para ser uma sequência de cavas de lama. Essa água já não serve para consumo humano; era uma água pura, agora é lama pura. E o que poderia ter aí de peixe, enfim de alimento, já era também”.
A fala é do médico cirurgião paraense Erik Jennings, que investiga os níveis de intoxicação do povo Munduruku. Os Munduruku vivem no Alto Tapajós, entre Pará e Mato Grosso. Eles não estão apenas ao lado de toda a mineração garimpeira da região, como suas terras, há muito tempo, possuem grandes acampamentos de mineradores ávidos pelo metal, não importa onde ele esteja.

O médico Erik Jennings pesquisa os níveis de intoxicação pela mineração no povo Munduruku. Foto: Erik Jennings / Instagram.
Antes deles chegarem, ali era o “meu melhor lugar para se viver”, lembra o cacique Jairo Saw da comunidade Munduruku Swaré Muybu. Ele explica que o mercúrio despejado pelos garimpeiros contaminou os rios e os peixes e adoeceu seu povo, especialmente as mulheres gestantes e as crianças.
“Nós estamos em risco de vida e as autoridades governamentais não estão preocupadas com nossa calamidade. Depois que as pessoas são contaminadas, a situação não pode ser revertida”, lamenta o cacique.
Desde 1985 até 2023, a extração de ouro já degradou 106 mil hectares na região e aumentou 215% nos últimos dez anos. A exploração só avança.
Tecnicamente, a Permissão de Lavra Garimpeira exclui as Terras Indígenas, inclusive as em processo de demarcação, ainda que a atividade fosse legalizada. Mas, dentro do lobby pela mineração de Itaituba, há profissionais dedicados em tentar persuadir os Munduruku a aceitar a presença dos garimpeiros em suas terras.
Acreditando que o garimpo será seu meio de subsistência, esses “aliados” permitem o acesso ao próprio território e cooptam lideranças. Contraditoriamente, dificilmente chegam ao topo da cadeia e aos altos ganhos, assim como os demais trabalhadores na base dessa pirâmide.
Na expectativa de ganhar dinheiro, muitos ajudam a destruir seu próprio povo. Com cada vez mais acampamentos dentro da TI Munduruku, cresce a contaminação do meio ambiente, mas também a violência, o tráfico de pessoas e a exploração sexual. Mulheres e meninas indígenas são as mais vulneráveis, vítimas de estupros de garimpeiros, como já ocorre na TI Yanomami.
No Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, Itaituba aparece como a quarta cidade do país com as maiores taxas de estupro, a primeira no Pará. São 100,6 por 100 mil habitantes. Muitas das vítimas acabam engravidando.
Os que ousam se defender lidam com ameaças e atentados. Alessandra Korap, uma das principais porta-vozes dos Munduruku, sofre ameaças constantes. Em 2021, a coordenadora da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, Maria Leusa, teve sua casa incendiada pelos próprios indígenas pró-garimpo e seus comparsas mineradores.

Alessandra Korap, liderança Munduruku do Médio Tapajós, no Pará, apresenta a questão da invasão garimpeira ao seu território no documentário de Bodanzky. Foto: Still de ‘Amazônia: A Nova Minamata?’/ Divulgação
O aumento da violência e da criminalidade, percebe Jairo Saw, é tanto dentro da sua terra quanto nas periferias das cidades: ele cita o crescimento da prostituição, dos homicídios, do uso de drogas e do contrabando de armas. Sem contar a especulação imobiliária com a vinda de trabalhadores de diversos locais. “Vem todo tipo de pessoa se aventurar”.
Ainda assim, o discurso ouvido frequentemente é o de apoio à mineração, principalmente quando se trata dos políticos, que querem legalizá-la. O desejo de desenvolver economicamente os municípios anda de mãos dadas com o enfraquecimento da defesa dos territórios tradicionais.
“[Mas] em questão de economia sustentável, o garimpo não é uma alternativa. Ele destrói os leitos de igarapés e devasta totalmente fontes naturais de água. Por mais que o coordenador seja uma pessoa que entenda da lei ambiental, jamais deve permitir licença ou emitir alvará de lavra para o garimpeiro, ainda mais em território indígena. Se o coordenador [Fernando Brandão] é um homem da Lei [por ser advogado], que não seja omisso e que cumpra o que ela determina: que seja mais humano e tenha sensibilidade pelas pessoas, pelo meio ambiente e a saúde pública”, argumenta o cacique munduruku.
A resistência vem através da união. Em 2022 a etnia, juntamente com os Kayapó e os Yanomami, estabeleceu a Aliança em Defesa dos Territórios. Eles publicaram um Relatório em que denunciam situações como o envolvimento de facções criminosas como o PCC em garimpos na TI Yanomami e na lavagem de dinheiro em Itaituba. Produziram também o documentário “Escute: a Terra foi rasgada”, que mostra a realidade enfrentada nas três comunidades e já foi exibido em festivais nacionais e internacionais.

O cacique Jairo Saw, do povo Munduruku. Foto: Still de ‘Amazônia: A Nova Minamata?’/ Divulgação.
Jairo Saw, que depôs no filme, acredita que em tempos de crise climática a prioridade deve ser a preservação das florestas, o que beneficiará toda a população e não apenas os povos originários. Demarcar territórios tradicionais é a melhor maneira de manter as florestas de pé e de purificar os rios. Ele afirma:
Nós não somos contra o desenvolvimento. Só queremos que nos ouçam primeiro e que nossos direitos sejam protegidos. Somos intelectuais por natureza, construímos o nosso Brasil. Nós que cuidamos das nossas florestas e rios. Chega de violência, chega de tantas leis criadas pelos parlamentares. Respeitem nossos direitos garantidos! [Todos nós do Brasil] temos que viver com dignidade, como pessoas civilizadas e em harmonia com a natureza. É o planeta que corre o risco de sofrer com o caos”.
A proteção dos povos indígenas e de tantos outros que são vítimas da mineração desenfreada exige uma logística urgente e complexa, que inclui o bloqueio de estradas e a destruição de pistas de voo clandestinas e de maquinários. Lutar contra o garimpo ilegal é lutar pela vida e pela preservação de um dos biomais mais importantes do planeta.
Texto: Nayra Wladmila
Revisão e edição: Juliana Carvalho
Montagem da página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón