Fatos para entender o Brasil na COP26

Um homem, envolto em bandeiras, segura no alto um cartaz em inglês COP26, act now
Antes protagonista na pauta ambiental, país chega à conferência como pária em meio à alta no desmatamento e emissões, perseguição a povos indígenas, apagão de dados e falta de fiscalização

A COP26, Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, que começou em Glasgow, Reino Unido, esta semana, tem um mote claro: urgência. Nas vésperas da abertura da conferência, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou: “Sem ação decisiva, estamos arriscando nossa última oportunidade de, literalmente, inverter a maré”.

Enquanto isso, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) soou um alerta vermelho para o clima em seu último relatório: mesmo com alguns compromissos feitos antes deste encontro, no ritmo atual a temperatura global aumentará ao menos 2,7ºC até o fim do século. Isso se traduz em fenômenos como o aumento de áreas queimadas por incêndios florestais no Hemisfério Norte em mais de 60%, a perda de habitat de um terço dos mamíferos no mundo e secas mais frequentes, podendo durar até dez meses.

A atual edição do evento pretende incentivar que as nações participantes estabeleçam metas mais ambiciosas até 2030 — período chave para conseguir limitar o aquecimento do planeta em 1,5°C, o que manteria o planeta habitável. O Brasil, apesar de possuir a segunda maior cobertura vegetal do mundo, segundo dados do IBGE, e a maior biodiversidade do planeta, de acordo com a Unesco, ainda tem contribuído mais com o cenário dos 2,7ºC do que o de 1,5ºC. Depois de desistir de sediar a COP em 2019, de instigar profusos ataques à Amazônia e de ser tomado pelo negacionismo climático, o país chega à conferência como pária ambiental.

O Brasil é citado no relatório “Emission Gap Report”, da Organização das Nações Unidas (ONU), que lista um conjunto de países que não seguiram o caminho determinado pelo Acordo de Paris para a redução de suas emissões. Entenda os principais pontos que levaram a esse cenário — e que precisam ser trabalhados para evitar o aquecimento descontrolado do planeta.

1. Desmatamento em alta

A remoção da cobertura vegetal da floresta amazônica acontece há anos. Segundo um levantamento do Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas), entre 1985 e 2020 a Amazônia perdeu 74,6 milhões de hectares de sua vegetação natural, uma área comparável à do Chile. É um referencial ambiental construído ao longo de anos que vai na contramão do que os países estão buscando na COP26.

O padrão da progressão do desmatamento é exponencial, mesmo com os alertas crescentes sobre os riscos das mudanças climáticas. Na década de 1960, era menos de 1% a área desmatada, enquanto em 2017 chegou a 20% e hoje já ameaça passar dos 30%. Houve um período de redução importante entre 2004 e 2012, quando foi implementado o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O desmatamento na região caiu de cerca de 28 mil km2, tamanho do estado de Alagoas, para menos de 5 mil km2. O problema é que, em meados da década de 2010, a tendência voltou a ser de subida. Em 2020, o desmatamento da Amazônia atingiu o maior patamar desde 2008, com um crescimento de 9,5% em relação a 2019, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e no sul já há processo de savanização.

Fiscalizar o desmatamento já é difícil — e caro. Mas a atual administração ainda trabalha para dificultar a fiscalização. A quantidade de multas aplicadas pelo Ibama no primeiro bimestre de 2019 foi a menor em quase 25 anos. Segundo o Tribunal de Contas da União, falas do presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro Ricardo Salles “potencialmente incentivam” dano ambiental. Salles, ainda por cima, é investigado por advocacia administrativa, por criar dificuldades para a fiscalização ambiental e atrapalhar uma investigação de infração penal que envolvia uma organização criminosa. Por isso, a promessa feita em Glasgow de acabar com o desmatamento até 2030 parece um delírio.

2. Aumento dos incêndios

O Dia Do Fogo, como ficou conhecido o 10 de agosto de 2019, foi marcante na comunicação e no discurso público sobre os incêndios florestais na Amazônia. Aquele agosto teve o maior número de focos de calor registrados para o mês desde 2010, com aumento de 196% em comparação a 2018, mas o mais marcante foi o discernimento do tipo de fogo. A Folha do Progresso, jornal local do município de Novo Progresso, no Pará, descobriu que um grupo de fazendeiros paraenses decidiu organizar uma manifestação criminosa em apoio às políticas de desmonte ambiental do Brasil, fazendo uma “vaquinha” para comprar combustível e contratar motoqueiros para espalhar chamas por estradas de terra próximas à floresta. Contudo, já havia muito fogo, intencional ou não, antes disso, e depois também.

Jovens seguram cartazes em inglês em uma manifestação. Um deles diz: The wrong amazon is burning

Manifestantes inundaram as ruas de Glasgow, onde ocorre a COP26 nesta sexta-feira (5). Marcos Colón/Amazônia Latitude

O Brasil encerrou 2020 com o maior número de focos de queimadas em 10 anos, segundo o Inpe. Foram registrados 222.798 focos, contra 197.632 em 2019, um aumento de 12,7%. Os números só ficam atrás do recorde de 2010, quando o país registrou cerca de 319 mil focos. O Dia do Fogo nunca acabou, e a ferramenta vem sendo utilizada dentro do que parece ser um projeto de exploração da Amazônia Legal no governo bolsonarista, visando retirar a vegetação nativa para facilitar o avanço das fronteiras agrárias.

É a reprodução de um modelo antigo, já que o empresário Henry Ford foi quem promoveu a primeira grande queimada na região em sua Fordlândia, depois abandonada. O explorador contribuiu para o estabelecimento de um modus operandi de ocupação do bioma, tentando mecanizar a selva e transformá-la em fábrica. Instituiu-se a regra geral de substituir a biodiversidade por monocultura e trabalhar não com a floresta, mas contra ela. Sem revisar esse modelo, é impossível cumprir com qualquer proposta que venha da COP.

3. Aumento das emissões de gás de efeito estufa

Ao contrário da maioria das nações industrializadas, a matriz energética brasileira se destaca por ser formada por cerca de 45% de fontes renováveis e 55% de fontes fósseis. No resto do mundo industrial, a média é de cerca de 15% e de 85%, respectivamente. Não à toa, um dos objetivos da COP26 para zerar as emissões de carbono nas próximas décadas é promover mudanças estruturais nas fontes de energia. Mesmo estando à frente neste quesito — e ainda com as controvérsias ambientais acerca da base de sua matriz, a energia hidrelétrica —, o Brasil aumentou as suas emissões em 9,5% em 2020, na comparação ao ano anterior. Além disso, foi o maior valor de toneladas de gases emitidos desde 2006. Isso tudo em meio à pandemia de coronavírus, que parou o mundo e reduziu as emissões globais de gases do efeito estufa no ano passado.

O principal responsável pela situação foi o elevado desmatamento na Amazônia e no Cerrado, uma constante sob o governo de Bolsonaro. Dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg) mostram que a mudança no uso da terra foi responsável por 46% das emissões nacionais em 2020 — ou 998 milhões de toneladas de CO2e (gás carbônico equivalente, soma de todos os gases do efeito estufa) — e permanece como a fonte central de emissões do país. A agropecuária aparece em seguida na lista das atividades mais poluentes no país, responsável por 27% das emissões brutas.

Além disso, os dados do Seeg mostram uma tendência de crescimento das emissões do país na última década. Em um contexto de crise climática, grandes poluidores — caso do Brasil, quinto no ranking mundial — deveriam fazer mais esforços para conter o problema. O governo Bolsonaro vai à COP26 apostando na busca de verbas para evitar a destruição da floresta amazônica, que tem recebido cada vez mais atenção internacional, mas é difícil que algum país aposte dinheiro para reduzir a emissão por desmatamento com um quadro como esse.

4. Priorização da indústria agropecuária

Em um esforço global para reduzir em 30% as emissões de metano até 2030 em relação aos níveis de 2020, o Brasil e mais de cem países aderiram ao Compromisso Global do Metano na COP26. O gás é 80 vezes mais potente na elevação das temperaturas da Terra que o dióxido de carbono (CO2), sendo responsável por 30% do aquecimento global desde os tempos pré-industriais. Como ele tem vida mais curta na atmosfera que o CO2, reduzir suas emissões é uma das formas mais eficazes e rápidas de desacelerar as mudanças climáticas.

A questão é: isso é possível com os privilégios que cercam a indústria agropecuária no Brasil? Dono do maior rebanho de gado do mundo, segundo o IBGE, com 218 milhões de cabeças, o país é o quinto maior emissor de metano do mundo — resultado do processo de digestão do gado. Embora também tenha origens em processos naturais uma série de atividades humanas, como os resíduos de aterros e a produção de óleo e gás, o rebanho brasileiro responde por 73% das emissões de metano entre 1990 e 2019, segundo levantamento do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, que faz parte da ONG Observatório do Clima.

Fora isso, a indústria retroalimenta o desmatamento com a baixa concentração do rebanho — no Pará, por exemplo, o número de animais por hectare é 0,8 — e o cultivo de soja para alimentar o gado. Um relatório recente feito pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e pela Agência Alemã para a Cooperação Internacional mostrou que a pecuária é o setor da economia brasileira com os maiores custos em termos de perda de capital natural: para cada R$1 milhão de receita do setor, R$22 milhões são perdidos devido a perda de capital natural e outros danos ambientais.

No sexto relatório do IPCC, já foi sugerida a redução do consumo de carne como um método de mitigação. Porém, contra todas as evidências científicas, o governo brasileiro defendeu que a pecuária não é a vilã do aquecimento global. O consumo de carne também é fortemente defendido na Argentina, e com mais timidez no Uruguai. Seja afetando o consumo de carne ou não, a questão é que o Brasil assinou o acordo aparentemente sem pretensão de revisar a indústria. O país é hoje o maior produtor mundial de soja — que vira ração aqui ou no exterior — e também lidera o ranking de exportações de açúcar, café, suco de laranja e outras monoculturas. Nunca se fez esforço igual para desenvolver uma economia da floresta. Assim, ao estipular apenas uma meta global, e não metas para cada país, o Compromisso Global do Metano tem um defeito já na origem.

5. Perda de biodiversidade

No livro “História da Amazônia: Do período pré-colombiano aos desafios do século XXI” (2009), Márcio Souza escreve que a Amazônia é um espaço em que a humanidade pode aprender um pouco mais sobre si mesma. “Como um útero prolífico, essa região guarda mais biomassa que qualquer outro habitat da terra. É de longe o mais rico ambiente terrestre, e ficou praticamente intocado desde os tempos pré-históricos. Andar em certas partes da área equivale a saber como era o nosso planeta 70 milhões de anos atrás, e foi na Amazônia que há 120 milhões de anos, durante o período Cretáceo, as primeiras flores se abriram” (SOUZA, 2019, p. 29). Estima-se que existam 16 mil espécies de árvores na Amazônia – alguns pesquisadores chegam a falar em 30 mil. Numa transecção de 150 metros de um pequeno igarapé são encontradas cinquenta espécies de peixe, o equivalente a todas as espécies da Dinamarca. Aproximadamente 20% da fauna planetária está na Amazônia.

O atual governo parou de criar unidades de conservação, deixou o desmatamento crescer e não oficializou os novos números de espécies ameaçadas.

Entre 2003 e 2008, de todas as áreas protegidas no mundo, 75% foram criadas no Brasil durante a gestão da ex-ministra Marina Silva. Na atual administração, nenhuma foi criada. O governo também não oficializou o livro vermelho das espécies ameaçadas de extinção da flora brasileira, lançado pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro em 2013. Ou seja, as espécies ameaçadas da fauna brasileira ainda não têm números definitivos. Segundo o levantamento, das cerca de 44.000 espécies descritas, pouco mais de 6.000 foram avaliadas em relação ao risco de extinção — 13,6% da diversidade de plantas. São 2.118 espécies ameaçadas, um aumento considerável em relação à contagem anterior.

Segundo a WWF, atualmente o mundo usa 25% mais recursos naturais do que o planeta é capaz de fornecer. O resultado é que espécies, habitats e comunidades locais estão sofrendo pressões ou ameaças diretas: insegurança alimentar, escassez da oferta de água, perda de espécies de plantas usadas na medicina tradicional e moderna, proliferação de pragas e aumento de emissões de carbono.

2020 era o ano estabelecido para atingir as conhecidas Metas de Aichi, ou seja, o Plano Estratégico sobre Diversidade Biológica (2011-2020) estipulado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Mas o modelo econômico desenvolvimentista ainda prioriza o crescimento em termos quantitativos, como aumento do PIB, em detrimento da qualidade de vida da população. O meio ambiente, para o Brasil, é entrave ao crescimento.

6. Perseguição a povos indígenas

Não é segredo que povos originários do Brasil estejam mais vulneráveis durante o governo Bolsonaro. Durante a campanha presidencial, ele disse que não demarcaria nenhuma terra indígena se fosse eleito, além de defender que elas sejam abertas para atividades econômicas de grande escala, como a mineração e o agronegócio. Não à toa, a Bancada Ruralista no Congresso Nacional, apoiadora do presidente, reacendeu o chamado “Marco temporal da Terra Indígena”, que prega que novas terras só podem ser demarcadas para indígenas que estavam sob o território em disputa no dia 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição. Além disso, chama ainda os povos da floresta de “homens das cavernas”, “pobres coitados” e diz que “nosso projeto para o índio é fazê-lo igual a nós”.

Os dados mostram que a postura do governo influencia a ação de seus apoiadores. Entre 2018 e 2020, casos de invasões e explorações ilegais em terras indígenas subiram 137%. O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil feito pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) constatou ser o quinto aumento consecutivo. No ano passado, as invasões atingiram ao menos 201 terras indígenas e 145 povos, espalhados em 19 estados brasileiros. Em um ano, assassinatos de indígenas subiram 61% no Brasil, além de que, em muitos casos, a Covid-19 chegou às aldeias levada por invasores, que atuam “livres das ações de fiscalização e proteção que são atribuições constitucionais e deveriam ter sido efetivadas pelo poder Executivo”, segundo o relatório.

Ao lado de 124 países, o Brasil já anunciou nesta COP um compromisso de parar o desmatamento e recuperar áreas degradadas até 2030. Porém, dois pontos da declaração contradizem políticas atuais do governo Bolsonaro. Um deles é o item 6, que prevê fomentar “a agricultura sustentável, o manejo florestal sustentável, a conservação e restauração florestal e o apoio aos povos indígenas e comunidades locais”. Em suma, são pontos relativos ao apoio a territórios indígenas, o qual o governo tem se mostrado contrário. Com a postura atual, não parece possível cumprir com o compromisso.

Indígenas no protesto em Glasgow, na COP26

Indígenas de todo o mundo participaram de uma manifestação em Glasgow. Marcos Colón/Amazônia Latitude

7. Apagão de dados

O atual governo é conhecido por não prezar pelos dados, fatos e pela ciência. Não só dissemina informações falsas sobre temas como terraplanismo, eficácia de vacinas e a própria existência do aquecimento global, mas também dificulta o acesso a dados.

Com uma previsão de corte de 96% no orçamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Censo do IBGE foi atrasado novamente. O Atlas da Violência 2021, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, informou que o Brasil atingiu a maior deterioração dos dados oficiais sobre violência da história. Atualmente, o Executivo federal tem ao menos 930 bases de dados que já deveriam ter sido divulgadas, mas permanecem em sigilo, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU). O presidente Bolsonaro criticou o ex-diretor do Inpe, Ricardo Galvão, por causa de dados sobre desmatamento que ele julgou não condizerem com a verdade — a informação de que mais de 1000 km² de floresta haviam sido derrubados na primeira quinzena de julho de 2019. Galvão foi posteriormente demitido, assim como a coordenadora Lúbia Vinhas, em meio à divulgação de dados que divulgavam o desmatamento na Amazônia. O apagão de dados é a política de Bolsonaro.

Assim, o Brasil chega à COP com as emissões de gases estufa em alta e a credibilidade em baixa. Na meta oficial do Acordo de Paris, em 2015, o país se comprometeu a reduzir em 43% as emissões de gases estufa até 2030, tendo 2005 como ano de comparação. Já era insuficiente, pensando nos tais dos 1,5ºC. Contudo, no fim do ano passado, o governo de Bolsonaro mudou a base de cálculo sem explicar como e anunciou a revisão da meta de 43% para 50% até 2030. A manobra contábil, conhecida como “pedalada climática”, é um instrumento para continuar emitindo mais gás carbônico do que a quantidade previamente acordada em 2015, segundo o Observatório do Clima.

Durante a COP26, o ex-coordenador do Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima, Oswaldo Lucon, pediu demissão do cargo por avaliar que “muitos países” estão com métricas “não claras” acerca de suas ambições climáticas.

8. Afrouxamento da fiscalização

Além do apagão de dados, o desmonte de órgãos de proteção ambiental também provoca falhas na fiscalização de crimes ambientais. Desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República, em janeiro de 2019, a área ambiental do governo já perdeu quase 10% dos servidores. A redução aconteceu tanto no Ministério do Meio Ambiente (MMA) quanto nos principais órgãos de fiscalização, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação pela CNN, a média dos autos de infração emitidos nos dois primeiros anos do governo pelo Ibama e ICMBio foi 30% menor do que a média dos anos anteriores (2015-2018). No mesmo período, o desmatamento na Amazônia Legal, que abrange nove estados do país, aumentou em 47%.

Enquanto isso, os fiscais do órgão também precisam lidar com os efeitos da postura do governo. Referindo-se ao Ibama, Bolsonaro afirmou que, em seu governo, a agência seria “mais racional” com produtores rurais.

Mesmo com aumento do desmatamento e dos incêndios já descritos, 2021 viu um novo corte nos orçamentos do Ibama (4%) e do ICMBio (12,8%). Para a ação de prevenção e controle de incêndios florestais nas áreas federais prioritárias, a proposta orçamentária prevê R$29,7 milhões, queda de 37,6% em relação a 2018. As reduções reduzem a capacidade operacional e deixam o Ibama e o ICMBio mais dependentes de órgãos como o Exército e a Polícia Federal, que têm menos expertise na área.

Em agosto de 2020, o ex-ministro Ricardo Salles anunciou a suspensão das atividades de fiscalização, após o bloqueio de cerca de R$60 milhões do orçamento da pasta. Segundo escreve Alexandra Lucas Coelho em “Vai, Brasil” (2015), são cometidos anualmente cerca de 23 mil crimes de desmatamento na Amazônia; somando-se a tráfico ilegal de animais, biopirataria e extração ilegal de madeira, chega-se a mais de 100 mil crimes ambientais. “Na Amazônia, crime é investimento”, anotou, citando um advogado da Comissão Pastoral da Terra.

9. Desigualdade ambiental

Segundo o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), o Brasil passará por desafios em todas as frentes imagináveis devido às mudanças climáticas: aumento da temperatura, redução de chuvas, aumento do nível do mar, de eventos climáticos extremos e da vulnerabilidade das cidades.

No Sudeste, as chuvas devem se tornar mais fortes e irregulares, causando ora secas ora enchentes. No Cerrado, haverá mais secas e aumento de temperaturas, prejudicando o agronegócio e as nascentes de rios. No Nordeste, áreas semiáridas devem tornar-se desertos. Na Amazônia, o aumento de dias sem chuva vai aumentar a savanização, especialmente no sul.

Esses processos vão afetar toda a população, mas serão especialmente sentidos pelos grupos mais vulneráveis e minorias sociais. Segundo o relatório, a expectativa é que o clima mais hostil deve forçar o deslocamento de milhões de pessoas, os chamados “refugiados ambientais”. A maioria destes grupos se encontra nas regiões Norte e Nordeste.

Até 1970, a Amazônia Legal representava 4% do PIB brasileiro. Hoje, responde por 8% do PIB. Soa a progresso, mas não é: no mesmo período a população da região quadruplicou. Um levantamento feito pela PUC-Rio comparou a renda domiciliar per capita dos seis estados inteiramente contidos no bioma amazônico (Acre, Roraima, Amazonas, Rondônia, Pará e Amapá) com a do restante do Brasil, de 1970 a 2010. Nesses quarenta anos de desmatamento, a renda de quem está no Norte caiu em relação à de quem não está. O Brasil cresceu e deixou os municípios do bioma amazônico para trás. As pessoas ficaram mais pobres, em comparação com as que vivem em outras partes do país. Agora, serão algumas das mais afetadas pelas mudanças climáticas.

Os povos da floresta e comunidades ribeirinhas também serão algumas das maiores vítimas. Como vivem, em sua maioria, em zonas rurais, assentados sobre seus territórios de uso e ocupação ancestral e mantêm, em grande parte, uma economia de subsistência que lhes permite obter alimentação e insumos para a construção de habitações, transporte, remédios e outra série de recursos, os impactos ambientais constituem na atualidade uma ameaça grave aos seus direitos. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), há ao menos 115 povos indígenas vivendo em isolamento total (sete registros a mais do que os considerados pela Funai), mas quase todos os níveis de isolamento estão suscetíveis. Ou seja, aqueles que menos contribuíram para o aquecimento global serão mais afetados por suas consequências.

Na COP26, líderes indígenas e os chamados “detentores do conhecimento tradicional” ganharam voz praticamente pela primeira vez em painéis que antes eram limitados a cientistas e ativistas. Uma delas foi a paiter-suruí Txai Suruí, de 24 anos, que defendeu a participação dos povos indígenas nas decisões da cúpula do clima. Ela, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e outros representantes da causa defendem que terras indígenas não são apenas um direito dos povos originários, mas também podem contribuir para o combate contra as mudanças climáticas.

Um estudo publicado pela revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), em 2020, já mostrou que os territórios indígenas preservados são responsáveis pela manutenção dos estoques de carbono na Amazônia: guardiões das florestas ajudam a regular o clima e reduzir a intensidade do aquecimento climático do planeta. Assim, mecanismos para combater a desigualdade e amplificar a voz de minorias no Brasil não apenas podem evitar catástrofes entre esses povos, mas também evitar uma grande catástrofe no país e no mundo.

 
 

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