Saída para crise climática está no fim da desigualdade, afirmam especialistas em guia

Em primeiro plano na imagem, capa do livro 'Earth For All: A Survival Guide for Humanity'. Em segundo plano, manifestantes protestam por justiça climática.
Protesto por Justiça Climática no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça: guia 'Earth For All' sugere que superar desigualdades não é apenas ético, mas necessário para sobrevivência do planeta. (Bloomberg/Getty Images)
Em ‘Earth for All: A Survival Guide for Humanity’, cientistas e economistas advertem sobre tensões sociais e estabelecem caminhos para humanidade sobreviver

Sem enfrentamento, a desigualdade social dos próximos 50 anos produzirá sociedades cada vez mais disfuncionais, dificultando a cooperação para lidar com as mudanças climáticas. Este é o diagnóstico que um grupo de cientistas faz no recém-lançado Earth for All: A Survival Guide for Humanity (Club of Rome, 2022). Há, porém, esperança da temperatura global ficar abaixo de 2°C e da pobreza ser erradicada até 2050, se governos implementarem “reviravoltas” que rompam com as tendências atuais.

Reunindo pesquisadores, economistas e cientistas de dados, o livro apresenta os resultados de pesquisas da Transformational Economics Commission, com dados de um novo modelo computadorizado, incluindo índices de tensão social e de bem-estar para rastrear cenários socioeconômicos.

Estes dados, apesar de não serem previsões para o futuro, representam cenários prováveis baseados em referências atuais e na ciência disponível hoje.

O livro explora duas possibilidades para o futuro, começando em 1980 e terminando em 2100. Estes cenários, intitulados Tarde Demais (Too Little, Too Late) e O Grande Salto (The Giant Leap), mostram o que vai acontecer com o planeta se nada for feito em relação ao clima e à desigualdade e o que pode acontecer se houver ação coordenada mundial.

Os autores ainda discutem o que uma mudança de sistema econômico realmente significa para o mundo e propõem transformações para uma sociedade justa e economicamente viável.

Segundo Jorgen Randers, professor de estratégia climática na BI Norwegian Business School e um dos seis autores de Earth for All, estamos na beira de um penhasco. “Nos próximos 50 anos, o sistema econômico atual vai aumentar as tensões sociais e diminuir o bem-estar. Já podemos ver como a desigualdade está desestabilizando as pessoas e o planeta”, escreve.

“A menos que haja uma ação verdadeiramente extraordinária para redistribuir a riqueza, as coisas vão ficar significativamente piores. Já estamos plantando as sementes para o colapso regional”, continua Randers.

Outra autora, Sandrine Dixson-Declève, que é especialista em crise climática da Comissão Europeia (braço executivo da União Europeia), acredita que os sistemas econômicos e financeiros de hoje estão quebrados, com níveis perigosos de desigualdade. “Earth for All é sobre a construção de sociedades que valorizam prosperidade para todos e não o lucro para poucos em um planeta finito adequado para o século 21”, afirma no livro.

Earth for All: A Survival Guide for Humanity também teve uma boa recepção no mundo dos ativistas pelo clima. Para Vanessa Nakate, fundadora do Movimento Rise Up, com sede na África, as ideias exploradas em Earth for All devem ser discutidas por todos os parlamentos do mundo.

“Precisamos mudar nossas economias para que comecemos a colocar as pessoas à frente do lucro. E precisamos que os ricos e os poluidores paguem sua parte pelas perdas e danos que a crise climática já está desencadeando nas comunidades pobres e vulneráveis ao redor do globo”, declarou.

Os cenários do futuro

No primeiro cenário descrito pelo guia – Tarde Demais –, o mundo continuaria com as políticas econômicas dos últimos quarenta anos. Ou seja, enquanto o PIB cresce, os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres. A divisão política e a falta de confiança tornam difícil enfrentar os riscos climáticos e ecológicos.

Nesta situação, as temperaturas globais sobem para 2,5°C até 2100, excedendo a meta estipulada pelo Acordo de Paris. As nações mais pobres enfrentam condições extremas, lutando para se adaptar aos impactos climáticos. No final do século, cerca de dois bilhões de pessoas estarão vivendo em áreas inóspitas. Todos os países enfrentarão choques de calor extremo, seca, perda de safra e enchentes.

Se o mundo continuar no caminho do Tarde Demais, os modelos apresentados pelos pesquisadores mostram um declínio global no bem-estar de 40% em 2050 em comparação com 2020.

“Sabemos que os choques sociais ocorrem desde 1972 e, no entanto, a resposta tem sido o negacionismo. Agora é hora de responsabilizar os governos pelo futuro e pressionar por modelos de governança fortes e flexíveis o suficiente para lidar com os desafios complexos de hoje”, defende Per Espen Stoknes, também co-autor e diretor do Centro de Sustentabilidade da Norwegian Business School.

No segundo cenário possível, o Grande Salto, o modelo dos pesquisadores oferece uma solução. Segundo o guia, seria possível manter o aumento das temperaturas abaixo de 2°C (em relação aos níveis pré-industriais), estabilizar a população bem abaixo de nove bilhões de pessoas, reduzir o consumo de recursos naturais e aproximar-se do fim da pobreza extrema até 2050. Nesta situação, a tensão social cairia e o bem-estar aumentaria ao longo do século, por causa de uma maior igualdade de renda.

Para alcançar esse cenário, as sociedades precisariam adotar uma série de ações para acabar com a pobreza por meio da reforma do sistema financeiro internacional. Seria preciso também assegurar que os 10% mais ricos não recebam mais de 40% da renda nacional e que mulheres alcancem a plena igualdade de gênero até 2050.

Por fim, argumentam os pesquisadores, seria necessário transformar o sistema alimentar para fornecer dietas saudáveis para as pessoas e o planeta, além de fazer com que os sistemas energéticos não emitam mais gases de efeito estufa até 2050.

“O Grande Salto não significa o fim do crescimento econômico, mas o fim do crescimento econômico sem direção que está destruindo as sociedades e o planeta”, explica Dixson-Declève.

“Novas iniciativas como a WEGo [Wellbeing Economy Governments, ou governos de economia de bem-estar] e o Green Deal europeu mostram que há um crescente apoio governamental para ir além do PIB e do crescimento a todo custo em direção a novos indicadores de bem-estar e maior distribuição de riqueza”, completa a pesquisadora.

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