José Manuyama

Professor de origem indígena Kukama em Iquitos, na Amazônia peruana. É um intelectual em movimento, protagonista de lutas cidadãs na comunidade onde vive.

O despertar do povo peruano contra Dina Boluarte

Protestos no Peru contra Dina Boluarte e a repressão policial. Foto: Musuk Nolte / Amazônia Latitude

Tradução: João Paulo Pires

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Cedo ou tarde, Dina Boluarte renunciará à Presidência do Peru. É uma questão de horas, mesmo que ela queira prolongar seu triste e assombroso mandato à frente do Executivo peruano.

Depois de sua questionável condução como chefe de Estado, Boluarte tomou as piores decisões que se poderia esperar de uma mulher de Estado, como evidenciado por mais de 50 mortes de civis à vista de todos, quase como execuções extrajudiciais, registradas por muitas câmaras de cidadãos que se tornaram testemunhas ocasionais.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, mais de 70% da população rejeita a gestão da atual presidente peruana, tendência reforçada pelos fortes protestos que exigem sua renúncia em todo o país, especialmente no sul do Peru.

A etimologia da palavra democracia significa “governo do povo”, uma premissa que, no Peru, claramente não se cumpre, além de automaticamente converter a gestão de Dina Boluarte em um regime ditatorial de fato e aparentemente apoiado por uma liderança policial-militar, um desprezível Congresso, o poder econômico e os principais meios de comunicação peruanos.

No Peru, sempre que se toma posse um novo governo em qualquer nível de Estado, temos a impressão de que este último será pior que o anterior, ainda que tenhamos alguma esperança de que essa tendência não seja cumprida. Um exemplo disso é o atual Congresso da República, que possui mais de 90% de reprovação e rejeição.

A falta de legitimidade de Dina Boluarte vem como extensão desse poder deslegitimado do Estado. A maioria dos congressistas não apenas obstruiu, mas também inventou um pretexto qualquer para destituir o ex-presidente Castillo.

Com uma vacância de cargo em tempo recorde, sem o devido processo formal e provocada pela tentativa de golpe do presidente, os legisladores não tiveram melhor reação do que comemorar freneticamente uma vitória que foi percebida como um contragolpe por grande parte da população peruana. O ato foi visto como a maior consumação da segregação a que o ex-presidente foi submetido durante seu mandato.

Hoje, pouco mais de um mês da posse de Boluarte, há uma população exigindo sua renúncia e a formação de uma nova mesa diretora do Congresso, cujo novo presidente deverá ser o responsável por convocar eleições este ano. Tudo está paralisado até agora. A única saída imediata viável para a crise é a renúncia da atual mandatária.

Há momentos na história em que as pessoas se cansam do ridículo, do abuso de poder e exigem respeito. Em geral, a mídia enfoca os protestos como sendo atos irracionais e que devem ser reprimidos. Mas não apontam que as manifestações são consequências de violências habituais não resolvidas e que hoje, o símbolo autêntico dessa injustiça é justamente a presidente Dina Boluarte e o Congresso peruano.

Quem vandaliza a Constituição, as leis, o verdadeiro Estado de Direito, quem atirou contra os cidadãos civis que protestam são eles e seus aliados. O povo apenas se defende.

Talvez essa solução não resolva os problemas profundos, mas pelo menos seria um regresso à “normalidade” anterior. Como um amanhecer fresco nas ruas, selvagem, poderoso e luminoso, expresso no choro daqueles que perderam seus entes queridos, no grito dos jovens, um novo país se abre, onde as velhas demandas por igualdade, justiça e inclusão cultural podem ser alcançadas.

José Manuyama é professor de origem indígena Kukama em Iquitos, cidade na Amazônia peruana. É um intelectual em movimento, protagonista de lutas cidadãs na comunidade onde vive. Também é uma das personagens do documentário “Pisar Suavemente na Terra”, dirigido por Marcos Colón, no qual lideranças indígenas narram as ameaças do capitalismo aos seus territórios.
Colunistas têm liberdade para expressar opiniões pessoais. Este texto não reflete, necessariamente, o posicionamento da Amazônia Latitude.
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