Onde se roubam sombras, se roubam terras: a luta do povo Mura de Autazes contra mineradora canadense
Há pelo menos 15 anos, a etnia luta contra o projeto de mineração da Potássio do Brasil, comandada por um banco canadense, investigada por violar seus direitos


Povo Mura na VIII Assembleia. Foto: Rede de Comunicadores Indígenas Mura (Recim).
Imagine a seguinte situação: seu vizinho, após receber uma boa quantia em dinheiro, decide entregar o seu terreno, sem você ser consultado ou concordar com isso, para uma mineradora perfurar. Você ficaria, no mínimo, revoltado e buscaria seus direitos.
A situação, que já é absurda, piora, porque as instituições que deveriam resguardar os seus direitos foram corrompidas pela força do lobby da empresa, que tem contatos poderosos, já que ela pertence a banqueiros estrangeiros e seus negócios são de interesse de grandes grupos econômicos.
Durante uma das audiências desse processo kafkiano, você escuta de um desembargador que você não tem direito de se opor à perfuração, já que ela é de interesse público, pois vai gerar “progresso econômico”, mesmo com tratados internacionais do Direito dizendo o contrário.
É uma situação parecida com essa, mas com contornos mais dramáticos, que o povo Mura da Comunidade Indígena Lago do Soares, no município de Autazes (distante 111 km de Manaus), vem enfrentando.
A empresa é a Potássio do Brasil, pertencente ao banco canadense Forbes & Manhattan. O banco é também dono da mineradora Belo Sun, alvo de investigações por violações de direitos dos povos indígenas na Volta Grande do Xingu, no Pará. No Amazonas, a Potássio do Brasil vem pondo em risco a existência dos Mura há, pelo menos, 15 anos.
O vizinho algoz é o Conselho Indígena Mura (CIM), organização histórica do movimento indígena no Amazonas, uma das bases de criação da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam). Mas atualmente ele é comandado por lideranças cooptadas que defendem mineração dentro dessa terra.
E o projeto de exploração em Autazes prevê a geração de 78 milhões de metros cúbicos de rejeitos (principalmente sal, salmoura e argila) e a formação de duas pilhas desses resíduos com altura de 25 metros cada uma. É uma quantidade de 5,5 vezes maior do que a despejada no rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), em 2019.
VIII Assembleia do Povo Mura do Amazonas: A resposta somos nós
É nesse contexto que, no final de maio, a aldeia Lago do Soares se tornou o palco da resistência com a realização da VIII Assembleia do Povo Mura, para fortalecer a sua organização política contra o avanço do empreendimento.
Com o tema “A resposta somos nós”, o encontro reuniu cerca de 400 pessoas, majoritariamente indígenas Mura, representantes de mais de 20 aldeias, de 12 cidades (Itacoatiara, Careiro da Várzea, Manaus, Nova Olinda do Norte, Borba, entre outras), além de outras etnias, como Baniwa, Baré, Munduruku e Sateré-Mawé.

VIII Assembleia do Povo Mura. Foto: Rede de Comunicadores Indígenas Mura (Recim).
A Assembleia do Povo Mura também teve a presença de organizações e instituições como MPF, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e assessorias jurídicas.
A Amazônia Latitude acompanhou os três dias da Assembleia e traz agora uma síntese das principais deliberações ao longo do evento.
Chegada ao território Mura
Ao longo de quase três horas até Soares, pudemos testemunhar do barco a imensidão dos rios da Amazônia e da floresta, que se confundem com a infinitude do céu.

A perfeita simetria da natureza no caminho da comunidade indígena Aldeia Soares. Foto: João Felipe Serrão/Amazônia Latitude
É um território regido não pelo tempo do homem, mas pela natureza. A sensação é de que somos abraçados pela paisagem. Um manto de calmaria traz a certeza de que adentramos uma terra sagrada. Pedimos licença para entrar.
A mineradora Potássio do Brasil também pediu licença, não para entrar, mas para destruir.
O processo na Justiça
O “Projeto Potássio Autazes” prevê a perfuração de dois poços da mina subterrânea do minério, localizada a 800 metros de profundidade, uma planta de processamento de lixiviação a quente, um porto de barcaças fluviais e a construção de aproximadamente 13 km de uma estrada ligando a planta de processamento ao porto, com objetivo de abastecer o agronegócio com fertilizantes.
O potássio é um importante fertilizante utilizado pelo agronegócio para plantações.
Atualmente, mais de 90% do insumo é importado pelo Brasil. Segundo a empresa, a exploração em Autazes é fundamental para o país depender menos do insumo vindo de outros países, como o Canadá, Rússia e Bielorrússia. A previsão da mineradora é fornecer mais de dois milhões de toneladas do fertilizante anualmente para o mercado nacional do agronegócio, ao longo de 23 anos.
O processo de licenciamento ambiental do projeto em Autazes, no Amazonas, tem sido marcado por uma série de controvérsias e disputas judiciais. A Justiça Federal já determinou, em diferentes ocasiões, a suspensão do licenciamento concedido pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), apontando irregularidades na sua condução.
A principal é o chamado “fracionamento do licenciamento”, na qual o projeto é dividido em etapas menores, como a instalação da mina, a construção do porto e o transporte do minério. Assim se facilita a obtenção das autorizações, sem uma análise integrada dos impactos do empreendimento.
Para a Justiça, essa fragmentação compromete a transparência e a segurança da avaliação ambiental. O próprio Ipaam admitiu, em documentos internos, que adotou esse modelo para evitar atrasos.
O Ministério Público Federal (MPF) questiona a competência do Ipaam para licenciar um projeto de tal magnitude sem a participação de órgãos federais, como a Funai e o Ibama. Segundo o procurador do MPF, Fernando Merloto, o CIM recebe uma quantia de R$80 mil por mês, dinheiro usado para financiar uma desordem da natureza: indígenas favoráveis à mineração e contra a demarcação de seus territórios. A informação foi confirmada durante a própria Assembleia.
Além disso, há uma investigação por violação do direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Em novembro de 2023, a Justiça Federal suspendeu o licenciamento e qualquer avanço no projeto, mas a decisão foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em fevereiro de 2024.

Dimensão da mina de potássio subterrânea em Autazes. Crédito: Potássio do Brasil.
Na atualização mais recente, no dia 7 de maio, a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, julgou válida a consulta realizada pelo Conselho Indígena Mura (CIM), que aprovou o projeto, e reconheceu a competência do Ipaam para o licenciamento. Por maioria, o colegiado também afastou a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração na área.
Durante o julgamento, o relator, desembargador Flávio Jardim, afirmou que “as partes terão que negociar as compensações. Os indígenas terão que ouvir e ser ouvidos. Não me parece adequada a mensagem que lhes foi transmitida, de que haveria um poder de aprovação [pelos indígenas], porque ele não existe”.
Mas a Consulta Prévia, Livre e Informada aos povos indígenas é um direito fundamental, reconhecido internacionalmente pela OIT e nacionalmente pela Constituição Federal. Essa consulta é obrigatória sempre que empreendimentos ou atividades do Estado possam afetar seus territórios ou seus modos de vida.
Um fato curioso é que um dos advogados da Potássio do Brasil, Luís Inácio Lucena Adams, que já foi Advogado-Geral da União entre 2009 e 2016, e também um dos responsáveis pelo ministro Gilmar Mendes querer discutir mineração em terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF), já deu declarações em entrevistas criticando a juíza federal Jaiza Fraxe, que tem dado decisões favoráveis aos indígenas contra a mineração, chamando sua atuação de “ativismo judicial”.
A desembargadora Kátia Balbino de Carvalho Ferreira discordou do relator do MPF. Ela apontou que o recurso teria perdido o sentido após nova decisão da juíza, que reforçou a primeira sentença ao identificar indícios de aliciamento de indígenas para apoiar o projeto e mudanças no protocolo de consulta.
Kátia também destacou que há divisão entre as aldeias: “Os documentos anexados ao processo principal revelam uma evidente divisão entre as aldeias dos indígenas Mura, tratando-se de um dissenso que compromete a conclusão pela validade do procedimento de consulta neste agravo, que se tem como concretizado”.
O voto decisivo foi do desembargador João Carlos Mayer Soares, que acompanhou o relator ao considerar válida a consulta do CIM e a continuidade do projeto, entendendo que eventuais irregularidades poderão ser julgadas em primeira instância.
O processo ainda tem muitos agravos para serem julgados e segue sem um desfecho definitivo.
Mura: os Corsários do Caminho Fluvial
O território dos Mura em Autazes é todo banhado por diferentes rios, principalmente o Madeira, Amazonas, Solimões e Purus, que se desdobram em infinitos afluentes, lagos, igarapés e paranás. A sua convivência harmoniosa e integrada com o complexo hídrico da região lhes rendeu os apelidos de “Filhos da Água” e “Corsários do Caminho Fluvial”.
Esse profundo conhecimento foi uma vantagem dos Mura em batalhas contra colonizadores. Registros históricos, principalmente cartas de jesuítas em missão na Amazônia, demonstraram as diferentes estratégias de guerra, como tocaias, trincheiras e chuvas de flechas que aterrorizavam os invasores.
Os caminhos de rio são compostos por diversas ilhas, onde estão assentadas as aldeias Mura, em diferentes processos de regularização fundiária, umas demarcadas, outras em processo de demarcação.

Ancestral do povo Mura. Crédito: Biblioteca Nacional.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), existem 45 aldeias deste povo no Amazonas, distribuídas principalmente entre os municípios de Autazes, Careiro, Careiro da Várzea e Manaquiri, localizadas na calha do Rio Madeira.
Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), cerca de 14 mil Mura vivem no Estado.
A Assembleia aconteceu na Aldeia Indígena Lago do Soares, fundada no século XIX por João Gabriel de Arcangelo Barbosa, um indígena Mura que lutou na Cabanagem, revolta popular contra as autoridades imperiais, ocorrida entre os anos de 1835 e 1840, com importante participação da etnia, e que se estabeleceu no local.
Um dos bisnetos do fundador, Jair dos Santos Ezogue, de 85 anos, foi enganado e pressionado pela mineradora Potássio do Brasil a vender seu terreno.
Em um relato feito ao MPF, o ancião conta que um funcionário da empresa várias vezes o assediou para comprar o terreno, proposta que ele negou até o funcionário argumentar que, quando começasse a extração do minério de potássio, os impactos ambientais iriam inviabilizar a plantação e a pesca.
Dabakuri: Festa da Resistência
Um clima de festa, acolhimento e receptividade pairava no ar, enquanto mais barcos vindos de outras aldeias atracavam no Lago do Soares e eram recebidos com gritos e fogos de artifício para a Assembleia.
A primeira vista é das casas de madeira com uma arquitetura ribeirinha, dispersas pela aldeia, uma igreja católica pequena, pintada de um azul, um monumento do cocar dos Mura e o Centro Social João Gabriel, um amplo espaço onde aconteceu a Assembleia.
Cerca de 400 pessoas moram na aldeia, tanto na parte central quanto espalhadas pelos paranás e furos que se estendem no território.

Frente da Comunidade Indígena Lago do Soares em Autazes. Foto: João Felipe Serrão / Amazônia Latitude.
As delegações desfilaram ao som de músicas tradicionais da etnia, tocadas e cantadas ao vivo por um ancião e um jovem rapaz, como a Farinhada, a Cotia, entre outras, que davam o compasso das danças. O ritmo era familiar, típico das festas de beira de rio, como o beiradão e o carimbó. Na história desse povo, a sonoridade foi um elemento de guerra fundamental.
Eles usavam um tipo de tambor chamado ’toré’ para comunicar a aproximação dos inimigos, se comunicando também através de gritos e outros códigos em sua língua gutural, que foi perdida ao longo do sistemático processo de perseguição e tentativa de extermínio por parte da Coroa Portuguesa e, depois, pelo Império do Brasil.

Ancião e jovem indígena tocando as músicas tradicionais do povo Mura. Foto: João Felipe Serrão / Amazônia Latitude.
Atualmente, o principal idioma dos Mura é o português, mas o nheengatu, a língua geral da Amazônia, ainda é falada nas aldeias.
O professor de História e liderança indígena do Careiro da Várzea, Herton Mura, lembrou o histórico de perseguições que a etnia enfrenta desde o século XVIII e enfatizou o aspecto guerreiro do povo.
“Imagine os nossos antepassados que não tiveram a chance de fazer alianças institucionais, mas lutaram com o que tinham. Eles deram suas vidas. Fecharam o rio Madeira por 100 anos, ninguém subia ou descia. A Coroa Portuguesa encaminhou soldados para exterminar o povo Mura, que ficou conhecido no rio Madeira como os ‘bárbaros’. A gente continua resistindo após 525 anos. Nossa resistência não é mais contra as balas de canhões ou colonos. Agora, o invasor tem nome, endereço e, infelizmente, está instalado dentro do nosso território”, concluiu o professor.
Outra aula dada em forma de discurso foi do professor, filósofo e histórico militante do movimento indígena, Gersem Baniwa:
“Nós já vencemos nada mais, nada menos do que o Reino Português. É por isso que estamos vivos. Depois veio o Estado brasileiro, que criou leis, exércitos e guerras contra os povos indígenas. Até deram um nome bonito: guerras justas, que de justiça não tinham nada.”
Mariazinha Baré, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), reforçou o posicionamento do movimento indígena contra a mineração e a importância da demarcação para a continuidade das culturas originárias.
“Esse é um momento histórico, onde todo o movimento do Amazonas está junto. Se a gente cria nossas organizações indígenas, é para defender os nossos direitos. Por respeito àqueles que nos antecederam, inclusive para a gente ter hoje na Constituição Federal, no artigo 231, a nossa segurança territorial. Quando a gente fala de território, a gente está falando dos nossos filhos e daqueles que ainda vêm. Não estamos aqui para brigar entre nós, porque enquanto brigamos, o mundo está caindo nas nossas cabeças”, declara.
Na programação cultural, o principal ritmo a embalar foi o beiradão, um tipo de forró eletrônico que faz muito sucesso no interior.

Após o momento de escuta das lideranças, os Mura ensinam sua outra forma de resistir. Foto: Rede de Comunicadores Indígenas Mura (Recim).
Aliás, praticamente todos os Mura, desde as crianças até os anciões, demonstram uma natural aptidão para as artes, seja com grafismo, artesanato, confecção de cocar, trançados de palha, canto, dança, pintura, fotografia, poesia.
As crianças brincavam de bola, de canoa, corriam, sorriam, como se embaixo delas não houvesse o minério que ameaça seu futuro. Entre os mais velhos, um brilho de nostalgia podia ser visto nos olhos de quem lembrava dos tempos em que todas as aldeias eram unidas e lutavam pela demarcação do território.
Na oportunidade, eles narraram uma outra estratégia de divisão da empresa que estava sendo posta em prática naquele exato momento com o intuito de boicotar a VIII Assembleia do Povo Mura.
A Potássio do Brasil, por meio do Conselho Indígena Mura (CIM), e a prefeitura de Autazes, reativaram o Festival da Cultura Indígena Mura (Fecim), que há anos não era realizado, para acontecer nos mesmos dias da Assembleia, que já estava sendo divulgada há meses.
O Fecim, que era realizado na área urbana de Autazes, dessa vez foi feito na Aldeia Urucurituba, próxima da Aldeia Soares, com o objetivo de esvaziar a Assembleia. O CIM orientou que os tuxauas das 35 aldeias que a instituição representa levassem, pelo menos, 30 pessoas para o evento, prometendo dar premiações para quem levasse mais gente.

O Festival da Cultura Indígena Mura (Fecim) foi reativado com o objetivo de esvaziar a assembleia.
Entre histórias, sorrisos, consagrações de rapé e goles de tarubá (bebida feita a partir da fermentação da mandioca, com um gosto doce que lembra suco de caju), a noite encerrou.
Em cada aldeia, uma luta
A programação do segundo dia começou cedo. Maria Leusa Munduruku iniciou o encontro partilhando suas experiências de luta na região do Alto Tapajós, no Pará: contra projetos extrativistas de mineração, hidrelétricas, extração ilegal de madeira e a ferrovia Ferrogrão, que buscam rasgar a Terra Munduruku.
Os Munduruku foram rivais históricos que travaram violentas batalhas com os Mura no passado. Hoje, se unem para guerrear contra um inimigo em comum que ameaça suas existências: grandes projetos de exploração da Amazônia, como é o caso da Potássio do Brasil.
A continuidade da luta encontra em Maria Leusa uma importante liderança à frente de atitudes mais enérgicas em relação aos invasores do seu território.
Um exemplo é a ocupação feita no canteiro de obras da Usina Hidrelétrica São Manoel, por cerca de 200 indígenas Munduruku, após a empresa retirar 12 urnas funerárias com restos mortais dos ancestrais indígenas de locais sagrados da etnia.
“O empreendimento destruiu nosso lugar sagrado. Falam que é urna, mas nossos pajés falam que ela é a Mãe dos nossos peixes. Elas foram levadas pro Museu de Alta Floresta [em Mato Grosso]. Foi uma semana de rituais durante a viagem. Perguntaram se a gente queria uma indenização por ter destruído o nosso lugar sagrado, ofereceram não sei quantos milhões, que era pra educação e saúde. Falamos que não, que o nosso sagrado não tem preço. O objetivo da nossa vinda foi devolver a Mãe Peixe pro local. Acusaram a gente de ladrão, processaram a gente por ter resgatado as urnas. Mas a gente sabe que é a nossa obrigação devolvê-las pro nosso lugar sagrado”, explica a liderança.
Sagrado profanado
A mineradora canadense também violou um cemitério sagrado dos Mura logo no início do processo, ainda na fase de prospecção e pesquisa mineral. O caso foi citado em uma ação civil pública do MPF de 2016, na qual o órgão já apontava a falta de consulta aos indígenas e recomendava o cancelamento do licenciamento pelo Ipaam. O documento demonstra que, desde 2007, a Potássio do Brasil atua na região da Bacia do Amazonas com o objetivo de explorar uma mina.
A partir de 2010, a empresa mobilizou sondas para realizar pesquisas nas áreas indicadas em estudos da Agência Nacional do Petróleo (ANP), conseguindo identificar jazidas em locais conhecidos como Fazendinha e Arari, próximos aos municípios de Autazes e Nova Olinda do Norte.
No entanto, em 2013, as atividades de prospecção mineral atingiram diretamente áreas tradicionais da Terra Indígena (TI) Jauary, pertencente ao povo Mura.

Ilustração do Projeto Potássio Autazes, com pilha de sal ao fundo. Crédito: Divulgação / Potássio do Brasil.
Segundo uma liderança da comunidade, a violação aconteceu ainda naquele ano, durante o processo de limpeza de uma área para pesquisa na localidade conhecida como Ilha do Amor. Representantes da Aldeia Jauary afirmam que a empresa só parou com as escavações após os indígenas ameaçarem incendiar a balsa usada por ela.
No período em que as prospecções foram realizadas, já havia sido publicado o relatório de identificação e delimitação da TI Jauary, e seus limites prévios já eram conhecidos.
A Coordenação Regional da Funai, em maio de 2013, notificou a Potássio do Brasil para que paralisasse as atividades. Mesmo assim, a empresa insistiu que não havia impedimento legal para os trabalhos e desconsiderou as orientações da Funai e de outros órgãos federais. A mineradora alegava que tinha autorização do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração (ANM), e licença prévia concedida pelo Ipaam para continuar a pesquisa.
Apesar dos relatos de perfurações feitas dentro da TI Jauary, as comunidades indígenas não foram consultadas de forma livre, prévia e informada, como determina a legislação e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
A Funai, por sua vez, em setembro do mesmo ano, alertou formalmente o Ipaam de que caberia ao órgão federal e não ao instituto estadual, avaliar os possíveis impactos sobre as terras indígenas Mura antes da emissão de qualquer licença.

Impacto do projeto no território indígena dos Mura em Autazes. Crédito: Conselho Indigenista Missionário (Cimi) / Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia (ODSDH-UFAM).
A Fundação pediu o cancelamento da licença prévia concedida à empresa e reforçou que o Ibama era o órgão competente para conduzir o processo de licenciamento. O mesmo pedido foi feito em 2023.
Em dezembro, a Funai também solicitou ao DNPM a revogação dos alvarás de pesquisa sobre a TI Jauary ou, ao menos, a exclusão da área dos limites da autorização, mas não obteve resposta.
Na contramão dessas manifestações, a Potássio do Brasil já divulgava publicamente, em novembro de 2013, os resultados das pesquisas, sem qualquer menção às terras indígenas na região ou à participação das comunidades afetadas no processo.
Desafios em meio à crise climática
A Assembleia prosseguiu com uma mesa de debate com o tema “Território e Territorialização: os desafios em meio à crise climática”, que teve como centro das discussões as recentes decisões do TRF1.
Participaram da mesa representantes do MPF, Apib, Apiam, Cimi e o Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia (ODSDH), vinculado à Universidade Federal do Amazonas e que presta assessoria jurídica para os Mura.
O procurador do MPF, Fernando Merloto, esclareceu algumas questões acerca do processo e lembrou que não se pode afirmar que vai haver mineração, já que o julgamento ainda tem muitos agravos para serem analisados.
“Essa decisão [do TRF1] é totalmente inconstitucional, porque eles estão decidindo que pode minerar dentro de terra indígena. Cabem recursos no Supremo Tribunal Federal, no STJ [Superior Tribunal de Justiça] e até, eventualmente, para cortes internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos”, pontua.
Para viabilizar o empreendimento, a empresa argumenta que a aldeia Soares não é Terra Indígena (TI) porque ainda não foi demarcada, mesmo com o processo solicitado desde 2003 e em andamento. A Funai inclusive publicou uma portaria no mesmo ano para definir os limites do território.
Outra violência praticada pela mineradora estrangeira é questionar o histórico de ocupação dos Mura na comunidade, alegando até que não são indígenas.
Um laudo antropológico produzido em 2022 a pedido do MPF comprovou a ocupação do território pelos Mura há pelo menos 200 anos, desde a época da Cabanagem. A etnia foi uma das principais combatentes na revolta popular contra o Império do Brasil, na então província do Grão-Pará.
Desde o século XVIII, relatos de jesuítas registraram a presença dos indígenas ao longo do Rio Madeira, da fronteira com o Peru até o Rio Trombetas, no Pará.
O procurador Fernando Merloto lembra que, mesmo que não se considere a Aldeia Soares como TI, o empreendimento impacta TIs já demarcadas que estão a poucos quilômetros da mina, como a TI Jauary.
A mina subterrânea que a Potássio do Brasil quer explorar coincide em projeção vertical com a TI Jauary, mas essa informação, de caráter altamente relevante, foi ocultada nos estudos de impacto ambiental.
As implicações da coincidência da mina subterrânea abaixo de TIs são múltiplas: desde a mudança do procedimento do licenciamento ambiental para a esfera federal até mesmo a inviabilização de que o empreendimento ocorra.
“Tem terra demarcada aqui do lado [TI Jauary], a três quilômetros do empreendimento. Então, no mínimo, o licenciamento tem que ser pelo Ibama. Isso é reconhecido pelo próprio TRF1 no julgamento que teve da Belo Sun há dois anos atrás. A Belo Sun é a irmã gêmea da Potássio lá em Altamira. Elas são da mesma financiadora, a Forbes & Manhattan, do Canadá. As mesmas violações que vocês estão vivendo aqui, a Belo Sun fez lá. Estamos mapeando como eles fazem a mesma jogada, vai cooptando daqui, paga propina de lá, fala que é tudo lindo e maravilhoso”, afirma Fernando Merloto.
Outro ponto crucial destacado pelo procurador é como a disputa na Aldeia Soares é um dos principais “bois” da boiada antiambientalista da extrema-direita. Caso a mineração ocorra na comunidade, abre-se um precedente para autorizar a mineração em outras terras indígenas.
Ipaam: omissão e silêncio
A advogada Auzerina Makuxi, representante da Coiab, criticou a postura do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, afirmando que ele tem imposto uma série de obstáculos para liberar a íntegra dos documentos de licenciamento.
Segundo ela, o Ipaam chegou a responder à solicitação do Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia (ODSDH), mas entregou apenas os números dos processos administrativos, sem dar um retorno sobre a disponibilização dos documentos na íntegra.
“Uma das coisas que o Ipaam e a Potássio do Brasil colocaram para não nos entregar essas licenças, por exemplo, foi que precisava de uma procuração em nome da comunidade. Isso chegou a ser entregue e, mesmo assim, até agora, nós não tivemos um devido retorno na íntegra — apenas os números dos processos administrativos que tramitam ali no Ipaam”, destaca a advogada.
O Instituto alega que “o processo de licenciamento é público e está disponível para consulta. Representantes do Observatório de Direitos Socioambientais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e de outras entidades já acessaram os autos, inclusive por meios digitais”.
Denúncias de outras aldeias
Ao longo da Assembleia, os representantes de outras aldeias aproveitaram para denunciar investidas de diferentes criminosos ambientais, como fazendeiros e madeireiros, sobre seus territórios, mostrando que as batalhas enfrentadas pelos Mura não são só contra a mineradora, mas também contra um Estado omisso.
O tuxaua da Aldeia Capivara, Ilson Mura, relata as ações dos fazendeiros:
“Estão vindo por trás da nossa aldeia e derrubando tudo. Hoje, a gente sai para ir pegar uma caça no mato, e não encontra mais. Estamos ficando sem terra, já tem bem pouquinha. Eu estou com 45 anos de idade. Desde que nasci, vejo os tuxauas lutando pela demarcação e nunca conseguindo. Aí vem uma empresa [Potássio do Brasil] e estão brigando para fazer ela tirar o minério daqui. Por que é mais fácil eles fazerem isso do que a gente demarcar nosso território?”, indaga Ilson.
Até os territórios que já são demarcados sofrem com pressões de criminosos ambientais. É o que trouxe a representante da Aldeia Jabuti, Ana Cláudia:
“Eu tenho a honra de morar em um território que é demarcado há 37 anos. Mesmo assim, a gente é perseguido de todos os lados. Tem várias invasões de madeireiros e fazendeiros, então não é diferente”.
Mulheres na resistência
A cada dia que passa
Percebo o quão desunidos estamos.
Antes vivíamos em harmonia,
Hoje vivemos em guerra.
Hoje alguns lutam para sumir,
Já outros, para existir.
Esta guerra formada pela ganância
Está afetando o futuro de nossas crianças.
Precisamos nos lembrar de onde viemos
E lutar para que a RESISTÊNCIA
Não se torne a DESISTÊNCIA.
Poema de Rebeka Mura, 15 anos, Aldeia Trincheira, Autazes

Milena Mura, presidente da Organização das Mulheres Indígenas Mura (OMIM). Foto: Rede de Comunicadores Indígenas Mura (Recim).
Milena Mura, presidente da Organização das Mulheres Indígenas Mura (OMIM), é uma das principais lideranças desse povo e conta que sua atuação contra a mineração já lhe rendeu até ameaças de morte.
Em 2022, ela se dirigia à Aldeia Remanso para uma reunião com mulheres na comunidade. Ao parar na conveniência de um posto que abastece embarcações no caminho, na comunidade Rosarinho, um homem suspeito, de capuz e óculos, se aproximou. Aproveitando que estavam a sós, o algoz a imprensou contra a parede e questionou fsobre sua atuação pela demarcação das aldeias Soares e Urucurituba.
“Expliquei para ele que a demarcação é um direito nosso assegurado na Constituição. Ele falou ‘você acabou de salvar sua vida’, levantou a camisa e mostrou uma arma. Eu me tremi toda. Mas falei: ‘eu não vou virar pedra. Se você acha que vai me matar agora, pode matar, mas tem várias testemunhas aqui. Agora, pensa bem, se matar um, vai mexer com muitos Mura’. Aí ele falou: ‘eu só estou te dando um aviso, você não me viu e essa conversa não aconteceu’, e sumiu. Nunca mais vi ele”, relata.
Milena também revelou a atuação intensa do presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, para convencer as comunidades de que o projeto de mineração será benéfico para o povo.
“Quando ele vê que a gente está conseguindo mobilizar mais pessoas, ele arruma algum local em Autazes, coloca painéis e ainda leva uns vidrinhos de potássio para distribuir para as pessoas colocarem nas plantas. Ele pega a fala dessas pessoas para dizer que o veneno ajuda na renda familiar”, conta.
A liderança também falou da dor que foi ver companheiros de luta do CIM serem cooptados pela Potássio do Brasil.
Atualmente, o CIM tem como coordenador Kleber Mura e como vice-coordenador Adinelson Piraca, que viajam com Adriano mundo afora, para o presidente da empresa dizer aos investidores que os indígenas apoiam a mineração.

CIM formaliza apoio à exploração de potássio junto ao governador do Amazonas, Wilson Lima. Foto: Secom / Governo do Amazonas.
Os dias cruciais da cooptação foram 21 e 22 de setembro de 2023, quando ocorreram reuniões entre o presidente da Potássio do Brasil e lideranças do CIM, registradas em ofício.
O documento também aponta que Adriano Espeschit teria solicitado pessoalmente a alteração do Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Mura de Autazes e Careiro da Várzea: Trincheira Yandé Peara Mura, feito e aprovado pela maioria dos indígenas, após quase dois anos de discussões e construção do protocolo. Segue um trecho do ofício:
“Nos dias 21 e 22 de setembro de 2023, as lideranças das regiões Boca da Estrada, Rio Preto, Baixo Madeira e Murutinga, assim como as aldeias Urucurituba e Paracuhuba, tiveram uma reunião com o presidente da empresa Potássio do Brasil, onde ele mesmo relata que tem muitos bens para as aldeias Mura, empregos e benefícios que irão chegar se o empreendimento for aprovado por eles. Tudo isso pode ser comprovado conforme áudio em que o próprio presidente pede para o Protocolo de Consulta ser modificado e pede para as lideranças presentes a aprovação do empreendimento em Terra Indígena. Durante a fala do presidente da Potássio do Brasil, constantemente solicita que as lideranças aprovem o empreendimento, pois este não está sobreposto em Terra Indígena. Agindo de má-fé durante todo o discurso, com informações falsas, prometendo benefícios para as comunidades e descumprindo a decisão judicial que declarou nulos os atos administrativos que incluem o licenciamento ambiental ante o Ipaam.”
A Amazônia Latitude procurou a empresa para questionar sobre as denúncias feitas pelo MPF e pelos Mura e ainda aguarda um retorno.
Em carta emitida pela comissão e o tuxaua da aldeia Ponta das Pedras, em 26 de setembro de 2023, os indígenas afirmam que a posição da comunidade é contrária à instalação do empreendimento.
Eles também criticaram a exclusão, na ata da assembleia, das manifestações contrárias ao projeto da empresa e os apontamentos de que o rito estava em desacordo com o protocolo de consulta.
No mesmo período, os indígenas cooptados se reuniram com o governador para oficializar o apoio do CIM ao projeto de mineração.
“O maior impacto pra gente foi ter esse racha. Foi difícil ver aquelas grandes lideranças do seu lado, que levantavam bandeiras de demarcação e mobilização. A gente fechava a AM, fechava a BR, ia pra Manaus. Eles levaram a ata falsificada deles para o Governo. Foi amplamente divulgado internacionalmente que os indígenas apoiavam a mineração. Quando denunciamos que não houve consulta, os veículos de imprensa abafaram, não colocaram nossas falas contrárias ao empreendimento. Onde quer que a gente vá, somos conhecidos pela nossa resistência. Eles [CIM] estão sendo reconhecidos aqui e lá fora, e até mesmo para o governo, como traidores do povo Mura”, conclui Milena.
Herton Mura, professor e liderança do Careiro da Várzea, lembra que alguns dos indígenas cooptados já foram inspiração para ele quando mais jovem. “Da noite para o dia, simplesmente mudaram seu posicionamento. Isso é entristecedor e decepcionante”.
O professor retoma o passado colonial de opressões contra os povos indígenas para pontuar que a estratégia de dividir os povos originários, na tentativa de enfraquecê-los, é um dos principais métodos dos colonizadores estrangeiros:
“Botar liderança contra liderança, povo contra povo, para que a gente guerreie entre nós e eles consigam nos enfraquecer e depois conquistar espaço. A gente continua aqui como guerreiros, mas não luta mais com arco e arpão: nossa luta é com documentos, articulação política, através da lei”, explica.
A resposta somos nós
No terceiro dia da Assembleia, os Mura continuaram com sua aula de articulação política e organização social, debatendo os principais desafios da etnia e promovendo deliberações para passos futuros.
Os riscos geológicos da exploração da mina subterrânea em Autazes são muitos e, de acordo com o MPF, não são apresentados de forma transparente pela empresa em seu Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima).
Em empreendimentos semelhantes ao redor do mundo, já aconteceram incidentes de colapso do solo, formando crateras que engoliram casas e afetaram comunidades inteiras. O caso recente da Braskem em Maceió, embora com um modelo de exploração distinto, evidencia os danos potenciais desse tipo de atividade.
Uma reportagem da Folha de São Paulo, publicada em maio do ano passado, trouxe a informação de que o projeto de exploração da Potássio do Brasil em Autazes prevê a geração de 78 milhões de metros cúbicos de rejeitos (principalmente sal, salmoura e argila) e a formação de duas pilhas desses resíduos com altura de 25 metros cada uma. O MPF diz que há risco de salinização de nascentes, igarapés e rios da bacia do Amazonas.
Assim, a quantidade de rejeitos é 5,5 vezes maior do que a despejada no rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), em 2019. As pilhas têm tamanho projetado ao equivalente a um prédio de oito andares.
“A gente, na idade que tem, fica nervoso. Essa comunidade aqui vai afundar. De repente, Tupã, que tá lá em cima e criou o céu e a terra, vai sentir o golpe no furo que vão fazer [perfuração da mineradora], botando em risco a nossa vida”, alerta José Duarte Mura, ancião da aldeia Capivara.
Leandro Mura, da Aldeia Murutinga, pontua que a responsabilidade de prover acesso a serviços essenciais, como saúde e educação, é do Governo do Amazonas, não da mineradora:
“A Potássio do Brasil tem um projeto [Plano Bem Viver Mura], para fazer escola, prometendo posto de saúde, rancho e demais coisas. Nós sabemos que o dever de fazer a escola e o posto de saúde é do governo, não deles. Quando esse pessoal vier furar aqui, não vão prejudicar só a aldeia Soares, mas sim a aldeia Murutinga, os pescadores, fazendeiros, todo mundo”, critica.

Leandro Mura, da Aldeia Murutinga, pontua que a responsabilidade de prover acesso a serviços essenciais, como saúde e educação, é do Governo do Amazonas, não da mineradora. Foto: João Felipe Serrão / Amazônia Latitude.
Os indígenas aproveitaram a presença da Funai na Assembleia para criticar a lentidão no processo de demarcação, que vem colocando o povo em risco.
O presidente do Instituto Mura Ajuricaba, Naldo Braga Mura, também denunciou um servidor da Funai local de Autazes visto com frequência andando com funcionários da Potássio do Brasil. Ele vai às aldeias desestimulando a demarcação e defendendo supostos benefícios que a empresa traria para o território.
“O que vai acontecer com esse servidor, senhor Hudson? Qual o procedimento cabível? Não é de hoje que fazemos essa reclamação”, reforça Naldo.
Diego Mura questiona que “Nós sempre estivemos aqui e a empresa vem lá do Canadá dizer que aqui não é terra indígena. Nós tivemos que nos levantar, dizer que aqui tem indígena. Nosso marco não é o temporal, é o marco ancestral”.
O tuxaua da Aldeia Soares, Gabriel Mura, fez um balanço positivo do encontro, destacando a oficialização da Organização Indígena da Resistência Mura (OIRMA).
“Aqui foi um marco histórico. A OIRMA nasce das aldeias que estão do lado da resistência e defendem os povos indígenas”, destaca.
A revista Amazônia Latitude reproduz a seguir um trecho da carta aberta redigida durante a VIII Assembleia do Povo Mura, que expressa a indignação da etnia frente às violências sistemáticas e da omissão do Estado brasileiro em proteger a vida e o território dos Mura.
“Iremos articular a participação presencial de pelo menos 100 lideranças Mura na COP 30, a ser realizada em novembro de 2025, em Belém/PA, expondo as intimidações e investidas da mineradora Potássio do Brasil contra nosso povo. Foi proposto que o IX Encontro Geral do Povo Mura ocorra em Autazes, exatamente no local do canteiro de obras da mineradora”
Civilização ou barbárie
Falar que projetos de destruição em terras indígenas são de “interesse público da União” virou um mantra dos rasgadores da terra.
Para os Mura, os filhos das águas, a verdadeira riqueza é o rio preservado, banzeirando a memória de seus ancestrais que derramaram sangue naqueles rios para que as futuras gerações continuassem o seu modo de vida.
Na encruza do rio, espreita o Mura
Na encruza do tempo
O extermínio, ousada aposta
Engolidores da terra minando o sonho e o futuro
Tornando a noite obscura
Mas eles são os Mura
Não são só resposta
Eles são também a cura.
Texto: João Felipe Serrão
Montagem da Página: Alice Palmeira
Revisão: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón