Cientistas mapeiam ponto em que ecossistemas serão afetados de forma irreversível por mudanças climáticas
Ecossistemas como recifes de corais e a Amazônia podem atingir ponto de ruptura nas próximas décadas segundo estudo publicado na 'Reviews of Geophysics'
Foto: Marcos Colón / Amazônia Latitude – jun/2022
- Há possibilidade de mudanças irreversíveis nas próximas décadas em ecossistemas impactados por mudanças climáticas, como Amazônia e recifes de corais
- Tais mudanças podem gerar um efeito cascata sobre outros sistemas terrestres, agravando a condição climática
- Ainda é possível agir rapidamente e minimizar o risco de mudanças irreversíveis, especialmente ao reduzir emissões de combustíveis fósseis
Ecossistemas importantes à vida na Terra, como as camadas de gelo, recifes de corais ou a floresta amazônica podem atingir pontos de ruptura nas próximas décadas, com alterações irreversíveis e catastróficas caso as mudanças climáticas não sejam atenuadas nos próximos anos. É o que observam doze pesquisadores do Brasil, Canadá, China, Estados Unidos e Reino Unido que mapearam as evidências científicas atuais acerca de pontos de não retorno para dez elementos, descrevendo mecanismos, riscos humanos e ecossistêmicos. Ao atingir o ponto de ruptura, tais elementos passam por mudanças drásticas em relação ao seu estado original, que podem iniciar um efeito cascata sobre outros sistemas terrestres, como aponta o estudo publicado na revista internacional “Reviews of Geophysics”.
O artigo de revisão considerou dez elementos com risco de ruptura, incluindo:
- Mudanças em correntes oceânicas
- Liberação de metano do assoalho marinho
- Perda de grandes camadas de gelo
- Liberação de carbono de camadas congeladas do solo
- Mudanças na floresta boreal
- Alterações em ventos de monções
- Dispersão de nuvens estrato cumulus
- Perda do gelo do Ártico no verão
- Transformações na floresta amazônica
- Branqueamento de corais de águas rasas
Tais aspectos permitem prever riscos atuais e futuros, direcionando as ações da sociedade para o combate às alterações climáticas.
Sobre a perda do recife de coral das águas rasas tropicais, por exemplo, temos nível de entendimento científico muito alto, com uma condição muito boa de prevê-los. Este limiar mostra que se a temperatura aumentar mais que 1.5ºC, os impactos serão dramáticos e severos em uma escala de décadas.
Liana Anderson, coautora e pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)
A Amazônia também enfrentará mudanças severas em décadas caso não haja mitigação das mudanças climáticas. Ameaçada pelo estresse climático e pela ação humana, secas extremas, desmatamento, corte seletivo e queimadas levariam à falta da umidade necessária para sua manutenção, em um ciclo de menos chuvas e maior mortalidade de espécies.
A floresta teria esse ponto de não retorno, em que fica pequena o suficiente para não conseguir sustentar sua umidade e vai se transformando em outro tipo de floresta, tendo uma degradação climática, porque não consegue se manter, e não haveria uma forma de voltar ao estado original, ao menos na escala de séculos
Liana Anderson
Por sua vez, a degradação da floresta amazônica influencia os padrões climáticos ao redor do mundo, mas Liana Anderson acrescenta que ainda há um baixo conhecimento científico sobre o efeito cascata provocado pelas conexões entre estes processos. Porém, sabe-se que seus impactos podem ser duradouros, perdurando por séculos ou milênios, e que ainda é possível minimizar o risco da ruptura, como através de atitudes e políticas públicas para reduzir tanto a pressão por degradação que impactam localmente e na escala regional a floresta quanto as emissões de combustíveis fósseis, que atuam em extremos climáticos e colocam ainda mais pressão nesse ecossistema.
“Essas mudanças podem passar de um determinado limiar em que não vão voltar, e isso vai impactar de modos sem precedentes talvez a nossa geração, mas seguramente a de nossos filhos e netos. Então é uma responsabilidade muito grande que a gente precisa incorporar como sociedade e como prática diária, de repensar nossas ações, nossas decisões, e isso inclui em quem vamos votar, porque são os representantes políticos em última instância que realmente movimentam e direcionam em grande escala as decisões nacionais”, conclui a especialista.