Entenda as propostas ambientais de Marina Silva para Lula

Marina Silva, de terninho branco, coque alto e óculos, discursa em microfone.
Pontos da carta de Marina e do plano de Lula dão pistas sobre caminho a ser seguido para combater a crise climática e os problemas ambientais do Brasil (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
Ex-ministra do Meio Ambiente durante o governo do petista publicou carta de compromissos socioambientais, que complementa e provoca o plano de governo do candidato à presidência

Passada mais de uma década desde a sua saída do Ministério do Meio Ambiente e da desfiliação do Partido dos Trabalhadores (PT), a ex-senadora Marina Silva (Rede Sustentabilidade), em nome da defesa da democracia, sublimou as dificuldades sofridas com o PT e declarou, na última segunda-feira (12), seu apoio programático e político ao petista nas eleições. O posicionamento está atrelado à agenda ambiental do candidato, e Marina publicou um documento que conversa – e faz exigências – às propostas de seu plano de governo.

Na carta intitulada “Compromissos de Resgate Atualizado da Agenda Socioambiental Brasileira Perdida”, divulgada também na última segunda-feira, a ex-ministra do Meio Ambiente defende que falar da agenda socioambiental é falar de justiça social, “proteção ao interesse de todos, hoje e no futuro”. A discussão também está atrelada, para ela, a uma ideia nova de desenvolvimento do país e distribuição correta e equitativa dos bens da natureza.

Nesta toada, o texto defende uma “transição justa” para uma economia de carbono neutro, em que haja alinhamento das políticas públicas – em especial nas áreas de economia, energia, agropecuária e infraestrutura – aos objetivos gerais do Acordo de Paris, compromisso internacional para limitar o aquecimento global em 1,5ºC-2ºC acima dos níveis pré-industriais.

O presidente (e também candidato) Jair Bolsonaro, do PSL, afirmou em mais de uma ocasião ao longo do mandato a intenção de tirar o Brasil do Acordo. Embora não o tenha feito, seu governo deixou o Brasil mais longe de cumprir suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), metas específicas de cada nação no compromisso.

A principal Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil é reduzir as suas emissões de gases do efeito estufa em 37% até 2025 e em 50% até 2030. Outras metas são reduzir o desmatamento, melhorar a infraestrutura dos transportes, intensificar o uso de fontes alternativas de energia, reflorestar até 12 milhões de hectares e aumentar a participação de bioenergias na matriz energética brasileira para 18% até 2030.

Neste ponto, o plano de governo do candidato Lula conversa com a carta de Marina Silva.

“Nosso compromisso será cumprir, de fato, as metas de redução de emissão de gás carbono que o país assumiu na Conferência de 2015 em Paris e ir além, garantindo a transição energética; a transformação das atividades produtivas para um paradigma de sustentabilidade em suas dimensões ambiental, social e econômica; a recuperação de terras degradadas por atividades predatórias; reflorestamento das áreas devastadas; e um amplo processo de conservação da biodiversidade e dos ecossistemas brasileiros”, diz o texto do plano.

O plano de governo descreve que os custos de não enfrentar o problema climático são “inaceitáveis”, com projeções de forte redução do PIB, perdas expressivas na produção nacional no médio prazo e, principalmente, a perda de vidas e o sofrimento humano, somado às constantes tragédias ambientais.

Segundo uma pesquisa global conduzida pelo Instituto de Integridade Política da escola de direito da Universidade de Nova York, no longo prazo, os danos econômicos do aquecimento global chegarão a US$ 1,7 trilhão por ano até 2025 e, após isso, cerca de US$ 30 trilhões anualmente até 2075. Enquanto isso, proteger o futuro da humanidade do aquecimento global custaria U$ 4,4 trilhões anuais até 2050, segundo a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês).

No custo humano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta que, entre 2030 e 2050, as mudanças climáticas devem causar 250.000 mortes adicionais por ano, por desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico. Já o Banco Mundial concluiu que o clima pode forçar pelo menos 216 milhões de pessoas a migrarem dentro de seus países até 2050.

Tanto a carta de Marina quanto o plano de governo de Lula não detalham especificamente como atingir seus objetivos ambiciosos – seja pela inadequação das plataformas, pela complexidade do tema ou negociatas ainda por vir. No entanto, alguns pontos de ambos os textos dão pistas sobre o caminho a ser seguido para combater a crise climática e os problemas ambientais do Brasil.

1) Fortalecimento dos órgãos ambientais

O Compromisso de Resgate Ambiental de Marina Silva propõe incrementar o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), estrutura para a gestão ambiental no Brasil que objetiva melhorar e recuperar a qualidade ambiental. Sua estrutura é constituída pelos órgãos e entidades na União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e pelas fundações do Poder Público.

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia declarou durante o julgamento da chamada Pauta Verde que, no governo atual, “estamos vendo o estabelecimento de procedimentos que, soltos, não levariam a um quadro tão patente de descumprimento da Constituição e de seus tratados internacionais, mas que, no seu conjunto, demonstra que foram apenas táticas utilizadas para se impedir que visualizasse com segurança a quebra do tratamento constitucional, do cuidado democrático com as instituições”, referindo-se ao sucateamento dos órgãos ambientais.

De acordo com o plano de Lula, o fortalecimento do Sisnama e da Fundação Nacional do Índio (Funai) serve para combater o uso predatório dos recursos naturais e estimular as atividades econômicas com menor impacto ecológico.

“Reafirmamos o nosso compromisso com as instituições federais, que foram desrespeitadas e sucateadas por práticas recorrentes de assédio moral e institucional”, afirma o texto.

Em seu compromisso com a agenda socioambiental, Marina Silva também propõe criar a Autoridade Nacional de Segurança Climática. O órgão seria responsável pelo estabelecimento de metas e verificação da implementação das ações para a redução das emissões de gases de efeito estufa, aumento de resiliência e preparação para adaptação às mudanças climáticas

2) Prevenção e controle do desmatamento

O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi criado em 2004, com objetivo de reduzir o desmatamento e criar as condições para a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal. O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado (PPCerrado) foi instituído anos depois, em 2010, com intuito semelhante. Só que ambos os programas foram descontinuados, em parte, e estão desatualizados.

O Brasil pode reduzir suas emissões em quase 80% até 2030 se de fato acabar com o desmatamento nesse prazo, conforme se comprometeu numa declaração assinada junto com mais de cem países durante a COP26, a Conferência do Clima das Nações Unidas, no ano passado. O cálculo é do engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do SEEG, um sistema que calcula as emissões anuais do Brasil de gases do efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global.

Apesar disso, a meta voluntária de corte de emissões que o país apresentou na conferência é de apenas 50%.

Marina Silva defende retomar e atualizar o PPCDAm e o PPCerrado e estabelecer planos similares para os demais biomas brasileiros, integrando todos os ministérios relacionados com o tema, sob a coordenação política do mais alto nível de governo, para alcançar o desmatamento zero.

Criado durante o período em que ela ocupou o Ministério do Meio Ambiente, o PPCDAm reduziu o desmatamento na Amazônia em 80% de 2004 a 2012. O organismo era cultivado por 13 ministérios e dezenas de órgãos vinculados, estruturando-o em três eixos: ordenamento fundiário e territorial, monitoramento e controle ambiental e fomento às atividades produtivas sustentáveis.

Um dos primeiros atos do ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, contudo, foi seu extinguir a secretaria à qual o plano era vinculado. O PPCDAm ficou órfão e foi para a gaveta.

O candidato à presidência Lula diz que é “imperativo” defender a Amazônia da política de devastação posta em prática pelo atual governo. Ele lembrou do compromisso com o meio ambiente de seus mandatos, representado inclusive pela queda no desmatamento, e afirma estar pronto para renovar o compromisso.

“Combateremos o crime ambiental promovido por milícias, grileiros, madeireiros e qualquer organização econômica que aja ao arrepio da lei. Nosso compromisso é com o combate implacável ao desmatamento ilegal e promoção do desmatamento líquido zero, ou seja, com recomposição de áreas degradadas e reflorestamento dos biomas”, propõe para o próximo governo.

Não fica claro em que ano deverá ser atingida a meta de desmatamento líquido zero, nem como dar continuidade à proposta com alternância de governos.

3) Produção agropecuária responsável e sustentável

Marina Silva propõe concluir a implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) até 2025, validando os cadastros, tornando-o público e transparente e suspendendo a validade dos cadastros incidentes sobre terras públicas, nos termos previstos no regramento legal. O sistema é uma forma de compliance, para garantir que os produtores rurais possam ser cobrados.

O Sistema Nacional de Rastreabilidade de Produção Agropecuária é outro instrumento de compliance que aparece na carta, para a promoção da legalidade da cadeia produtiva e o reposicionamento do Brasil nos mercados internacionais.

A ex-ministra do Meio Ambiente também deseja elevar o Brasil aos padrões internacionais de controle de uso de agroquímicos. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pelo menos 37 agrotóxicos registrados desde 2019 são proibidos nos Estados Unidos e na União Europeia por causa da toxicidade à saúde. Quando se considera os ingredientes ativos, o número cresce: 44% dos 475 agrotóxicos registrados no Brasil em 2019 foram banidos nos países europeus, segundo um relatório do Greenpeace.

Segundo o plano de Lula, “o fortalecimento da produção agrícola, nas frentes da agricultura familiar, agricultura tradicional e do agronegócio sustentável, é estratégico para repensar o padrão de produção e consumo e a matriz produtiva nacional, com vistas a oferecer alimentação saudável para a população”.

Embora o plano não descreva como realizar esse fortalecimento – nem o que é, exatamente, uma “alimentação saudável” –, Marina complementa a ideia com uma proposta de Política Nacional de Bioeconomia, com instrumentos financeiros e tributários para o fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação.

4) Uso da terra

O compromisso de Marina Silva fala em acelerar “de forma diligente” a conclusão da demarcação das terras indígenas e territórios quilombolas em todo o país, assim como concluir a destinação dos cerca de 57 milhões de hectares de terras públicas não destinadas na Amazônia, com prioridade para as demandas de povos indígenas.

Enquanto isso, Lula deixa claro seu compromisso com a proteção dos direitos e dos territórios de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais.

“Temos o dever de assegurar a posse de suas terras, impedindo atividades predatórias, que prejudiquem seus direitos. É fundamental implementar políticas que lhes assegurem vida digna e cidadania, respeitando e valorizando sua cultura, tradições, modo de vida e conhecimentos tradicionais”, diz seu plano de governo.

Só que, novamente, essas políticas fundamentais não são descritas em detalhes – nem em relação aos povos indígenas, nem em relação à reforma agrária de modo geral. O candidato do PT defende o “estímulo à economia solidária, à economia criativa e à economia verde inclusiva, baseada na conservação, na restauração e no uso sustentável da nossa biodiversidade”, sem muita especificidade.

O plano, no entanto, faz uma ressalva que pode ser perigosa, ao dizer que o Brasil é um grande produtor mineral e a atividade minerária deve ser estimulada por meio de maiores encadeamentos industriais internos. Embora declare compromisso com a proteção ao meio ambiente, direitos dos trabalhadores e respeito às comunidades locais e rechaço à mineração ilegal, particularmente na Amazônia, o tema requer vigilância.

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