Perspectivas indígenas devem informar estudos de comunicação
No 3º Congresso Internacional de Cidadania Digital, Ariene Susui, primeira mestre indígena em Comunicação no Brasil, explicou a importância do jornalismo feito por e para os povos originários
Agradeço aos meus ancestrais que vieram antes de mim. Às mulheres, às avós, aos pajés e às lideranças que se foram em 2020 e 2021 em meio à pandemia. Minha dissertação é sobre comunicação indígena porque era uma necessidade esse olhar nosso para nós. Quando começamos a falar sobre o tema, houve um estranhamento sobre sua definição.
Na academia, existe essa necessidade de nomear: “O que é comunicação indígena? Chama-se etnocomunicação ou comunicação indígena?”. Colocamos a Comunicação em vários quadradinhos, mas a comunicação indígena perpassa para outros espaços que não são apenas da comunicação. Falar sobre comunicação indígena é falar sobre nós.
A comunicação indígena é transversal e multidisciplinar. Perpassa campos do conhecimento como sociologia, filosofia, biologia e arte. Contém grafismos, danças, rituais, fotografia, escrita, a forma como os nossos ancestrais se comunicam. Tudo isso é comunicação.
A minha dissertação é sobre a Rede Wakywai, que significa “nossa notícia” na língua Wapichana, no estado de Roraima. A rede, que é um movimento político, nasceu em meio a um período pandêmico. Quando você olhava os meios de comunicação na época, não se ouvia falar das mortes das lideranças dentro dos territórios. Não se ouvia falar em um plano estratégico para contrapor o que estava ocorrendo dentro dos territórios.
Surgiu uma necessidade de colocar no mundo o que acontecia. Assim nasce essa rede de jovens comunicadores indígenas que usam ferramentas digitais e as transformam em ferramentas de luta. A comunicação salva vidas.
O movimento indígena é um movimento político e nunca vai deixar de ser. Assim como também são políticas nossas ações no ambiente da comunicação, no direito, na saúde, em todos os outros ambientes. Não há separação da comunicadora, da ativista, da política e da jovem.
Durante a pesquisa, pensei nas metodologias que tinha para discutir a comunicação indígena. Não se trata de descolonizar os métodos mas de perguntar: “será que é dessa forma que a comunicação indígena quer ser estudada? É esse o método?”.
Coloco essa questão porque tive dificuldades. Será que queremos encaixar a comunicação indígena em mais uma caixinha dos campos da ciência e da comunicação? Será que estamos querendo novamente dizer “isso aqui é comunicação indígena e isso aqui não é comunicação indígena”?
Nós, pesquisadores, contribuímos, assimilamos e escrevemos sobre comunicação. Nós, indígenas, defendemos que as pesquisas dos saberes tradicionais têm de estar junto dos saberes científicos. Temos de começar a discutir sobre isso, porque, senão, vamos transformar o espaço da comunicação indígena apenas em mais uma caixinha.
A minha dissertação parte de uma proposta metodológica de uma comunicadora indígena dentro da pesquisa, que se propõe a discutir o tema com os outros pesquisadores. Se for [uma pesquisa] apenas para mim, não vai servir. As titulações não importam muito para mim, mas sei que é necessário estar aqui neste espaço, junto com vocês.
Nossas lideranças ancestrais que resistiram até aqui nunca passaram dentro de uma universidade. Foram os que lutaram, foram os que deram oportunidade em diversos âmbitos da educação para que nós, jovens, tivéssemos acesso às universidades. Por isso, nunca devemos nos esquecer da razão de estarmos aqui, de lutar, de falar sobre comunicação. Usamos uma frase muito conhecida: “nada sobre nós sem nós”.
Há muito tempo, temos narrativas sobre nós. Pessoas que ajudaram na construção da comunicação para que nós, indígenas, pudéssemos estar aqui. Tive professores e orientadores que me possibilitaram construir minhas narrativas, que me impulsionaram a dizer “esse método que você usa, essa forma como você diz que comunicação é isso, também é importante”. Não é apenas o que está nos livros de metodologia, mas também o que você constrói em conjunto.