Marcos Frederico Krüger e a crítica literária no Amazonas

No segundo episódio especial do Pensando a Amazônia pela Literatura, Marcos Frederico Krüger conta a sua trajetória como crítico literário ao mesmo tempo em que revela a história da literatura no Amazonas.

No primeiro episódio da série o escritor paraense Edyr Augusto Proença compartilhou um pouco de seu processo de criação de histórias sobre a capital do Pará, Belém.

Krüger é formado em Direito, especialista em Fundamentos da Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira pela UFRJ e Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Professor aposentado da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e docente na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Krüger é titular da cadeira de número 30 na Academia Amazonense de Letras. É autor de dezessete livros sobre análise e história literária, entre os quais está “Amazônia: mito e literatura”, sua tese de doutorado.

Ouça a entrevista completa:

Amazônia Latitude: Quem é o Marcos Frederico Krüger Aleixo? Como surgiu esse interesse pela literatura?

Marcos Frederico Krüger: Vem desde a infância. Eu sempre gostei de histórias. Minha mãe me contava sempre, antes de dormir, algumas histórias. Mas o que eu lia era literatura de cordel, aquelas pequenas histórias infantis, não as de hoje, claro.

E um dia eu estava no hospital no Rio de Janeiro para me operar não me lembro nem de quê, e a minha madrinha que morava lá me deu de presente um livro chamado “Caçadas de Pedrinho”, do Monteiro Lobato. Eu li aquilo com tanto prazer, me empolguei tanto, li e reli, que eu pedi para a minha mãe comprar outros do mesmo autor – e na medida do possível, porque nós éramos de classe média muito baixa digamos assim. E na medida do possível ela ia comprando os livros para mim, os livros de Monteiro Lobato.

Depois, eu comecei a ler outras coisas, tive grandes emoções na minha vida, como quando eu li A Metamorfose, do [Franz] Kafka, que é um livro supra. Nunca ninguém, em tão poucas páginas, deu uma dimensão verdadeira da tragédia humana. Também li As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, que também me causou imenso prazer. Não é uma história, no original, para crianças. Depois é que foi adaptado.

Vieram outros atores depois. Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos. De Portugal, teve uma fase em que eu gostei muito do Eça [de Queiroz], [tiveram] outros franceses, eu li Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust. Então eu sempre fui um leitor de literatura, mais das fontes do que da própria crítica.

Quando eu fui fazer o mestrado na [Universidade] Federal do Rio de Janeiro, eu queria fazer a minha dissertação sobre o Guimarães Rosa, mas a Federal do Rio tinha um projeto [em que] todos aqueles que eram de fora eram direcionados para fazer sobre a literatura do seu estado, principalmente os do norte e do nordeste. Porque havia pretensão da federal do Rio em mapear toda a literatura brasileira e não se restringir apenas àquele cânone do Rio, de São Paulo, um pouco de Minas, um pouco do Rio Grande do Sul. Então eu fui direcionado a estudar a poesia no Amazonas e comecei a enveredar pelos estudos amazônicos. Depois, eu comecei a estudar a teoria.

Amazônia Latitude: Sabemos que você começou como advogado, no Direito. Como foi esse distanciamento do Direito e essa aproximação da Literatura?

Marcos Frederico Krüger: Meu pai queria que eu fosse médico, mas eu não tinha a menor tendência para aquilo, eu não suporto ver sangue, então seria, para mim, muito inconveniente. Fui fazer, então, Direito, que tinha melhores perspectivas profissionais. Depois, ainda como estudante de Direito, eu fiz um concurso para a Justiça Federal do Amazonas e eu trabalhava lá. Só havia uma Justiça Federal, uma sessão, e até as causas trabalhistas iam para lá. Eu dava andamento e batalhava naquelas ações trabalhistas, citando as empresas quando os funcionários se queixavam.

Me formei, mas não fui trabalhar em Direito, porque eu não tinha condição de montar um escritório de advocacia. Foi quando o juiz federal no Amazonas com quem eu trabalhava, que era o Aderson Dutra, foi ser reitor da Universidade Federal do Amazonas e me convidou a ir com ele. Então eu aceitei. Eu estava lá, trabalhava com ele, mas sempre militei no meio literário, sempre me dava com escritores.

Um dia, havia um português chamado Lino que estava refugiado no Brasil, fugido da Revolução dos Cravos, e dava [a disciplina de] Literatura Portuguesa. Foi colocado lá por ingerência da Ditadura Militar, com certeza. Quando ele pôde voltar, ele voltou. Então a Literatura Portuguesa ficou desguarnecida, e o Carlos Gomes, então chefe do departamento de Língua Portuguesa, entrou em contato com o doutor Aderson Dutra pedindo que eu fosse para lá dar aula. Era o lugar do Lino em caráter emergencial. Eu fui e me saí bem. Depois eu fui contratado pela Federal para dar aulas lá no curso de Letras. Eu nunca fiz o curso de Letras, propriamente.

Amazônia Latitude: Marcos, qual é a história do nascimento da Universidade Federal do Amazonas, a UFAM, durante o período da ditadura? Foi um momento importante na história do Amazonas.

Marcos Frederico Krüger: Foi criada, durante o Ciclo da Borracha, a Universidade de Manaus, acho que é esse o nome, ou Universidade Livre de Manaus. Mas acabou o Ciclo da Borracha e os cursos foram extintos, ficando só o de Direito. Então o curso de Direito é o embrião da Universidade Federal do Amazonas. A Universidade Federal não tem, realmente, os mais de 100 anos. A não ser que se considere o curso de Direito como embrião, porque ele foi fundado em 1909.

Havia uma faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e, ainda, uma escola de Serviço Social. Eram três instituições de ensino superior independentes. E então as três foram agrupadas e deram início à Universidade Federal do Amazonas, que no início se chamava só UA, Universidade do Amazonas. Era uma fundação. Não sei como está esse estatuto jurídico agora. Era a Fundação Universidade do Amazonas, FUA. Atualmente, a sigla é UFAM e foram sendo criados novos cursos.

No início da década de 1980, foi feito o câmpus, com aquele propósito pelo qual todos os campi foram feitos, de isolar os estudantes para não haver, durante a Ditadura, aglomeração na cidade, assim os estudantes já estariam segregados, digamos assim.

O nosso câmpus – digo “nosso” porque me sinto ainda parte da UFAM – tem uma peculiaridade: é um câmpus de selva. A mata virgem ainda está ali, bastante preservada, sem que pesem algumas construções que foram feitas depois.

Amazônia Latitude: O Clube da Madrugada foi a gênesis de uma nova maneira de pensar a literatura na região. Como foi esse teu início no Clube da Madrugada? E qual a importância do Clube para o atual cenário da literatura na região?

Marcos Frederico Krüger: O Clube da Madrugada foi aquele clube que criou um marco na história, um marco divisor na nossa literatura. Meu contato com o Clube da Madrugada, na minha adolescência, era aos domingos. Quando chegava o jornal, meu pai ia ao mercado, trazia o jornal e ali tinha a página do Clube da Madrugada. Eu lia tudo, alguns poemas me intrigavam.

E o Clube da Madrugada foi tão importante que criaram-se vários clubes epígonos. Houve o Clube Gregório de Matos, houve o Clube do Arrebol, que é um pastiche deslavado do Madrugada, houve a Padaria Espiritual, que é uma imitação do mesmo grupo do Ceará e outros clubes assim.

Me lembro que eu participei, quando eu estava no antigo curso secundário no Plasse, do Clube Mário de Andrade, que era outro epígono do Madrugada. O Madrugada se reunia na Praça da Polícia debaixo do mulateiro, e nós nos reunimos também na Praça da Polícia num banco bem perto dessa árvore do mulateiro. Mas o Clube Mário de Andrade teve vida efêmera. O duradouro foi o Clube da Madrugada. Na verdade, eu nunca pertenci ao Clube da Madrugada.

O Clube da Madrugada, atualmente, acabou, não existe mais. Morreram os seus fundadores, os da segunda geração quase todos. Ele perdeu aquela significância que ele tinha. Não perdeu a sua importância histórica de forma nenhuma.

Eu comecei na minha crítica literária depois que foi lançado o livro Sol de Feira, do Luiz Bacellar, de 1973 a primeira edição. Eu comprei esse livro e resolvi escrever sobre ele, sem muita teoria porque na época eu conhecia muito pouco. Eu escrevi e mostrei para um amigo meu que era dono de um jornal chamado Folha da Semana junto com Márcio Souza e Aldisio Filgueiras. Ele disse “ah, eu vou publicar esse artigo”. Eu não queria, [mas ele] publicou e aquilo fez um sucesso muito grande. Mesmo no Clube da Madrugada, me lembro que o Arthur Engrácio foi me procurar e me parabenizar pelo artigo. Eu sempre continuei escrevendo, nem sempre publicando, mas tenho vários artigos sobre crítica literária, inclusive sobre o Luiz Bacellar.

Amazônia Latitude: Como crítico literário, você se tornou uma pessoa muito sensível para pensar a literatura na região. Eu queria falar um pouco sobre a história da literatura no Amazonas. Eu penso, por exemplo, no livro do Djalma Batista, de 1938, “Letras da Amazônia”, na edição “Histórias da Amazônia”, do Peregrino Júnior, que foca mais na coletânea de contos de tradição oral, penso, nos anos 1970, no Mário Ypiranga Monteiro, que escreveu “Fatos da literatura amazonense”. São todas contribuições relevantes para pensarmos a literatura da região. Como você vê o atual movimento da literatura amazonense de um modo geral?

Marcos Frederico Krüger: Prefiro dizer “a literatura no Amazonas”, porque não há literatura amazonense. Há a literatura como fenômeno universal e a maneira como ela se realizou aqui no Amazonas. Como o Amazonas teve e ainda tem uma baixa densidade populacional – felizmente, por causa da floresta –, nossos autores do passado são muito esparsos.

Nós tivemos o início com um militar português, Henrique João Wilkens, que escreveu um poema épico chamado “Muhuraida”, mandou para Portugal e só foi publicado 34 anos depois, em 1819. No romantismo, nós tivemos um baiano que andou por aqui e escreveu o romance “Simá”, tivemos um português que também veio para cá, o Francisco Gomes de Amorim, que escreveu “Os selvagens”

Do Amazonas, nós tivemos o Torquato Tapajós que foi poeta e depois abandonou a poesia e enveredou pela engenharia. Depois vai se acelerando, vem o Ciclo da Borracha, então a literatura tem um pequeno apogeu com os poetas que vieram de fora. Quintino Cunha, Th. Vaz, Inácio Xavier de Carvalho e o contista que tem relativa fama, Alberto Rangel. Depois, não parou mais. Mas a eclosão mesmo foi durante o Ciclo da Borracha.

Eu quero salientar, chamar a atenção para um fato preocupante, que a literatura do Amazonas é considerada uma literatura à margem, ela não é vista no resto do Brasil. Claro, porque nós somos uma periferia, apesar de sermos uma cidade “rica”, mas com grandes níveis de pobreza, nós não somos considerados no restante do Brasil.

Poucos autores romperam isso. O Jonas da Silva, do Ciclo da Borracha, estudava odontologia no Rio de Janeiro e fez um poema que se tornou conhecido, que era “Coração”. Mas depois sumiu, voltou para o Amazonas e foi esquecido. Depois dele, temos o Thiago de Melo, que foi quem rompeu esse ciclo de isolamento. E depois dele, o Márcio Souza, que fez muito sucesso com “Galvez – Imperador do Acre” e “Mad Maria” e, atualmente, o Milton Hatoum.

Quanto às expressões regionais daqui, é isso, nós temos vários que pertencem ao cânone, vários que são tidos “marginais”, praticam a literatura marginal, e algumas moças que fazem poema. Ana Célia Ossame lançou só um livro de poemas, “Imaginei assim”, mas que é muito bom, e agora vai ter um livro de literatura infantil publicado pela [Editora] Valer.

Desses poetas tidos como “marginais”, o melhor de todos é Simão Pessoa, que nem tem mais publicado poesia. Mas o que ele publicou é excelente. O primeiro deles foi “Porandubas” e depois “Matou, baixou e foi ao cinema”.

Amazônia Latitude: Logo no início da tua tese, “Amazônia, Mito e Literatura”, publicada pela Editora Valer, você diz que o Mário de Andrade te inspirou. Qual foi a importância dessa inspiração na construção da tua narrativa e para a tua descoberta da cultura do Rio Negro? Inclusive da literatura Rio Negrina.

Marcos Frederico Krüger: Eu queria fazer sobre o teatro indígena de Márcio Souza, mas, ao ler a literatura, eu senti a necessidade de pesquisar as fontes. E a fonte principal foi exatamente o livro “Antes o mundo não existia”, dos dois Dessanas, o pai e o filho, o Luís Lana, e o pai, Firmiano Lana. Só que eu não entendi muito o livro. Então comecei a estudar a Teoria do Mito, e as chaves eu encontrei em um livro de Lévi-Strauss chamado “A oleira ciumenta”.

Conversando com o professor Renan a respeito das minhas agruras na tese, ele disse “acho que tem um livro que vai te ajudar, que é ‘A oleira ciumenta’”, me deu e, realmente, a partir daquilo, eu pude fazer uma leitura coerente dos mitos dessanas. Aquilo foi o ponto de partida.

Continuando as pesquisas, há dois mitos do Macunaíma no Nunes Pereira, que ele coletou entre os indígenas Uitoto, e Taurepang e Macuxi do Rio Branco. E as coisas foram se entrelaçando. Vi como o Mário de Andrade utilizou o Macunaíma – que seria Macunaima segundo dizem os roraimenses, e no Nunes Pereira está Macunaíma também. Dois mitos sobre o Macunaíma: Macunaíma, o desobediente, que aparece como um menino imaturo, vítima de um mitema; e Macunaíma e as mulheres curiosas, em que ele aparece como um patriarca.

Então eu coloquei o “Macunaíma”, o livro do Mário de Andrade, como introdução, e na primeira parte eu faço a leitura do livro dos Dessanas, “Antes o mundo não existia”. Na segunda parte, três peças do Márcio Souza que são “Jurupari, a Guerra dos Sexos”, depois vem “A maravilhosa história do sapo Tarô Bequê”, que tem um caráter infantojuvenil, e “A Paixão de Ajuricaba”, onde ficaria o folclore regional.

Eu coloco o folclore no meio. Já que o folclore é a expressão do homem caboclo da região e o caboclo é a fusão do indígena e do branco, ele é o intermediário. Então, o folclore, que é típico das populações ribeirinhas aqui na Amazônia, fica no meio. E tem a estrutura. Eu procurei imitar a estrutura tribal, que seria aquela narrativa do “Poranduba amazonense”, do João Barbosa Rodrigues, não no centro gráfico, mas no centro divisor das duas partes da minha tese.

Amazônia Latitude: Marcos, qual parte da literatura do Rio Negro merece mais atenção?

Marcos Frederico Krüger: Eu não sei como estão as coisas agora, foram lançados outros livros posteriormente. Mas à época em que eu lancei, havia mitologia Tariana que tem pontos de contato com a mitologia Dessana, já que ambos são povos irmãos, vieram no bucho da Cobra Grande.

Há uma falta de pesquisa sobre as outras tribos, por exemplo, sobre os Manaus. “A Paixão de Ajuricaba”, que é a tragédia do Márcio [Souza], era um indígena Manau.

Além da mitologia das etnias do Rio Negro, pode-se ver o folclore.

E, também, os Macus. Não sei se já foi feito, é muita coisa para acompanhar. Mas os Macus são um povo discriminado pelos outros indígenas, porque eles não vieram na barriga da Cobra Grande. Eles não são considerados irmãos. Como eu falo na minha tese, os casamentos são exogâmicos – não casam dentro da mesma tribo, só com tribos que eles consideram irmãs. E todos se tratam de “cunhado” porque, em potencial, eles podem casar com as irmãs uns dos outros.

Amazônia Latitude: O processo de educação em Manaus tem sido muito complicado. Parece que existe um vácuo local de conhecimento dos autores sobre o que é a região e sobre a própria literatura da região. Como você vê essa ausência de conhecimento dos autores da região sobre a literatura do Amazonas? Até mesmo em contraponto com o imaginário que é construído fora dela.

Marcos Frederico Krüger: De fato existe isso. Alguns professores, eu sei, levam autores nossos para sala de aula para discutir com os alunos. Alguns levaram, que eu sei, a Vera Do Val, que ganhou o prêmio Jabuti com “Contos [Histórias] do Rio Negro”, que é um livro muito interessante.

Quando eu voltei do mestrado e tinha essa minha dissertação sobre introdução à poesia no Amazonas, havia um estudo de literatura amazonense na UFAM e nela se estudava a literatura de cordel, a literatura popular oral e a literatura amazonense. Isso era muito pouco. Eu consegui, então, mudar a ementa só para a literatura no Amazonas. Mas aquilo, mesmo logo no início, achavam que não tinha muita importância. Porque não havia praticamente ninguém do cânone, a não ser o Thiago de Mello e o Márcio Souza, [que] já naquela época tinha despontado.

E quando eu atuei no mestrado do Programa de Pós-graduação Sociedade e Cultura no Amazonas, da UFAM, eu sempre conduzi os meus orientandos para que eles fizessem sobre a literatura regional, a literatura no Amazonas, com a intenção de criar uma bibliografia.

Quando eles se propunham a estudar um autor, eles pediam livros, que eu indicasse leituras, e havia informações escassas sobre os autores, mas estudos específicos não. Eu dizia “mas é melhor porque você vai criar”. Eu fiz várias dissertações assim, conduzi vários alunos sobre a literatura no Amazonas de um modo geral, de tal maneira que isso, hoje em dia, é um fato comum lá na UFAM e, de certa forma, também na UEA. Pelo menos nos TCCs, Trabalhos de Conclusão de Curso, há essa abundância de trabalhos sobre literatura regional.

Talvez os alunos pensem que é porque ainda não há muita bibliografia e que é mais fácil do que esse discurso em estudar um autor do cânone. Mas depois eles veem que aquilo dá muito trabalho. Então, sem querer me envaidecer, eu diria que eu é que dei o empurrão para que a literatura no Amazonas se tornasse um fato comum nos estudos literários daqui.

Amazônia Latitude: Uma das razões para decidirmos criar essa edição especial, “Pensando a Amazônia pela literatura”, foi justamente para ter um contraponto. Quando a gente fala da Amazônia, a gente sempre fala de violência ambiental, crimes, desgraça – que são situações que ocorrem diariamente na região –, mas a literatura tem o papel, também, de nos ajudar a refletir, a repensar criticamente sobre a região. Como você vê o papel social da literatura nesse processo de repensar a sociedade, inclusive pensando no futuro das próximas gerações?

Marcos Frederico Krüger: Eu acho que a literatura vai continuar a ter o papel que sempre teve, de ser crítica em relação à sociedade. Ela sofre concorrências, não é? A televisão é uma concorrente muito forte. Mas eu vejo que a literatura não vai perder a sua importância. Ela vai continuar a existir, talvez não como um objeto físico, livro, mas na tela do computador ou do celulares. Mas a palavra escrita vai continuar a existir, vai cumprir o seu papel.

Quem dela se aproxima tem maior capacidade crítica do que aqueles que nunca se abeberam em sua fonte. Eu acho, então, que é fundamental estimular jovens que estão surgindo, inclusive em clubes literários surgidos nas faculdades de letras. Há um clube literário – que não é epígono do Madrugada, porque surgiu muito tempo depois – que se chama CLAM, Clube Literário do Amazonas. Esse Clube Literário do Amazonas tem bons poetas. Embora o nome seja literário, a gente encontra mais poetas. [Eles] já lançaram duas antologias saídas da pena deles.

Amazônia Latitude: No momento em que vivemos parece, que não existe a devida valorização dos críticos literários na formação de novos pensadores, de novos críticos e de pesquisadores na Amazônia. Os críticos sudestinos, por exemplo, muitas vezes não possuem o conhecimento da região que os críticos locais possuem. Como você vê o posicionamento da crítica literária na região em contraponto a outras correntes literárias brasileiras?

Marcos Frederico Krüger: Os críticos sempre foram mal considerados ao meu ver. Parecem um pelotão de segunda linha, porque sempre se valoriza mais o romancista, o poeta, o contista. Os críticos seriam como os gramáticos em relação à língua, aqueles que põe defeitos, que estabelecem normas. O crítico sempre vai levar isso sobre as suas costas.

Aqui no Amazonas, fora do meio acadêmico não há divulgação para os críticos. Eu vejo assim, algumas críticas têm sido feitas. E o Márcio Souza, para mim, é um grande livro, é o melhor livro já escrito sobre cultura no Amazonas. Não é só sobre a literatura, ele coloca outras questões, como a pintura e o teatro. E também tivemos o Engrácio, que era outro crítico do Clube da Madrugada, além de ser ficcionista. O Engrácio era muito vigoroso, trabalhava muito. Não tinham essas teorias atuais. Ele era muito impressionista, digamos assim. E, na atualidade, tem essa produção acadêmica.

Mas fora do meio universitário, meio acadêmico, como a gente diz, ninguém lê os críticos, a não ser por exceção, ninguém lê. O que é uma pena, porque no meu ponto de vista o crítico é um criador também, ele estabelece normas, ele diz o que é bom, aponta os defeitos. Junto com os historiadores, eles estabelecem o cânone. Eu sei que se discute, atualmente, muito o cânone, mas se o Cânone for modificado, sempre haverá um outro cânone. E quem vai fazer isso? Os críticos e, no caso brasileiro, os historiadores.

Amazônia Latitude: Recentemente, teve um fenômeno muito interessante, que é a Verenilde Pereira. O livro dela chama-se “O rio sem fim”, e um crítico literário pegou o livro, leu, ficou encantado, escreveu uma crítica literária, e agora o livro vai ser reeditado pela Companhia das Letras, o que mostra a relevância do papel do crítico literário. Está tendo todo um boom, talvez, descobrindo a própria literatura afro na Amazônia dessa autora, que até então era desconhecida.

Marcos Frederico Krüger: É o que eu estou dizendo. O crítico tem um papel muito relevante. Foi o Mário de Andrade, como crítico, que trouxe para a literatura brasileira a figura do Manuel Antônio de Almeida e o seu romance “Memórias de um Sargento de Milícias”. O crítico ampliando o cânone literário no Amazonas.

Amazônia Latitude: Eu sei que é complicado a gente tentar colocar um gesso, definições herméticas, mas o que define um bom trabalho de literatura? Quais são os critérios usados na avaliação de um trabalho literário de excelência?

Marcos Frederico Krüger: Na poesia, é o uso de uma linguagem não cotidiana, uma linguagem que se afaste do senso comum, mas que não seja hermética. Essa é minha posição. No romance, tem a construção de personagens, eu não diria ação, porque há muitos contos bons que praticamente não tem ação e romances. É aquilo que quebra as expectativas, que dá uma nova dimensão do homem, da sociedade, da vida, e que não se omite de criticar as mazelas sociais. Daí que, em geral, as grandes obras terminam em tragédias ou não tem aquele final feliz que o romantismo pregava e usava e fazia.

É difícil dizer “é isso, é isso, é isso”, porque estaríamos estabelecendo uma receita, e não há receita para a criação. O livro tem que ser atraente, tem que emocionar, tem que nos prender.

Amazônia Latitude: Qual o papel do simbolismo e da alegoria dentro de uma construção literária? E como ela fortalece nossa visão e nossa profundidade de pensar, de entender a condição humana?

Marcos Frederico Krüger: O simbolismo é a raiz, é a origem do próprio modernismo. Os grandes poetas do século XIX estão aí, os grandes poetas franceses. O parnasianismo não é muito considerado, porque ele usa uma linguagem direta que era um chamariz na sua época, porque todo mundo entendia, ao contrário do simbolismo. Mas no simbolismo está a proposta coerente de poesia.

E a alegoria também é isso. As figuras de comparação, como a metáfora, a alegoria, elas estão aí, elas propõem a nova visão das coisas ao colocar em confronto duas coisas díspares, uma expressando a outra. Então isso é fugir à linguagem cotidiana. E mesmo nos romances a alegoria pode funcionar muito bem por esse motivo. Leva o leitor a pensar, a perceber que há algo além daquilo que foi dito.

 

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