“Há muito a se fazer”, avalia Charles Trocate após os Diálogos Amazônicos

Charles Trocate sentado em uma mesa
Charles Trocate. Foto: Governo Federal

Ativista diz que luta contra a mineração e pela manutenção do diálogo do povo com o governo precisa continuar de forma intensa

O envolvimento de Charles Trocate com os movimentos sociais começou bem antes da formação do atual grupo que ele coordena, o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Aos quinze anos, ao lado de sua mãe, o agora filósofo e educador já era ativista pelo Movimento dos Sem Terra (MST). Atualmente, Charles é uma referência dentro do ativismo ambiental paraense.

Nos Diálogos Amazônicos, Trocate participou de diversas mesas e rodas de conversa, com destaque para uma das plenárias principais: “Como pensar a Amazônia para o futuro a partir da ciência, tecnologia, inovação e pesquisa acadêmica e transição energética”.

Durante o evento, Trocate destacou o papel dos movimentos sociais na luta contra a degradação ambiental e cobrou o endurecimento das políticas públicas para a concessão de licenças de exploração mineral.

À Amazônia Latitude, o ativista contou sua trajetória e as expectativas para os próximos eventos que ocorrerão na Amazônia.


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Amazônia Latitude: Como você se envolveu nos movimentos sociais?

Charles Trocate: Eu tinha quinze anos quando eu e minha família, mas sobretudo minha mãe, fomos convencidos de entrar no MST, em 1992. Nós não só entramos no MST, na luta pela terra, mas também obtivemos a nossa parcela de terra. Minha mãe esteve diretamente ligada à organização do movimento. Ajudou a construir a comunidade e, no fim, todos nós viramos de alguma forma militantes do movimento. Durante vinte anos, dediquei meus esforços para construir o MST em nível nacional, mas também no Pará e na Amazônia.

Amazônia Latitude: Estiveste desde o começo na criação do MAM? Como foi que o MAM surgiu?

Charles Trocate: Eu me envolvi com o Movimento pela Soberania Popular na Mineração desde o começo, em 2012. O MAM nasce região de Carajás (PA), durante o conflito que ficou conhecido com o mesmo nome. Apelidamos a organização de Movimento pela Soberania Popular da Mineração, mas óbvio que essa luta já é bem anterior. Temos os campesinos, indígenas, quilombolas lutando desde os anos 70.

Nós nascemos dessa luta concreta, das pessoas que tinham lutado pela terra e vivido a experiência de empatar e perder contra uma empresa mineral. Mas também houve a experiência das pequenas vitórias que nos levou a organizarmos no fim dessa década, no chamado superciclo mineral na América Latina, ou boom das commodities no Brasil.

Organizamos a primeira reunião nacional em abril de 2012, com 36 pessoas de nove estados do Brasil. A análise foi de que a mineração era endêmica, e pela forma pela qual ela leva as cidades à dependência de minério, mata outras formas de economia. A ideia  de que a mineração é progresso e desenvolvimento significa que alguns vivem bem e outros sofrem.

Amazônia Latitude: E o quanto achas que movimento mudou desde quando começou?

Charles Trocate: Conseguimos nacionalizar a questão de que a mineração provoca um atrito ambiental. Tiramos o conforto provisório do modelo mineral, sempre destacando que esse modelo constrói distúrbios ecológicos. Dez anos atrás não tinha, por exemplo, essa formulação da luta por território livre de mineração. Nós iniciamos a compreensão de que o estado não vai decidir onde minerar e onde não minerar; quem deve decidir são as populações que vivem lá.

A segunda coisa que mudou é a nossa identificação de que o calcanhar de Aquiles da mineração no Brasil: um modelo altamente caro para a sociedade, e a renda que ela oferece é muito pequena, considerando que no setor cuja o estado é o grande demandador.

Na maioria das vezes, o setor é organizado de fora para dentro, e uma das características importantes do investimento econômico do estado é ajudar no equilíbrio do balanço comercial, o que acaba não acontecendo. A mineração no Brasil não se paga, além de provocar injustiça ambiental, trabalhista e climática. Não compensa tanto economicamente.

Amazônia Latitude: Como você avalia essa discussão nos Diálogos Amazônicos?

Charles Trocate: A Amazônia é uma região política com uma história que as pessoas geralmente não entendem. Foi um dos pontos que destaquei no evento: o estado brasileiro nasceu sem Amazônia e contra a Amazônia; quando olha para a região, é apenas como fornecedora de matéria-prima.

Nessa perspectiva, os Diálogos funcionam na construção de uma aliança entre os povos, uma escuta e reflexão que pode inventariar possibilidades de lutas e enfrentamentos. Estamos extremamente contentes de ter ajudado nas discussões, ainda que a correlação de força não nos favoreça. A hegemonia na Amazônia é de uma tradição à direita, o que afasta um pouco do governo Lula, mas estamos aqui lutando.

O saldo da programação, do ponto de vista da oficialidade do estado brasileiro, é que se trata de uma tentativa de combater o movimento de extrema-direita, provocando diálogos com as organizações.

É verdade que houve limites na incorporação de muitos temas, que não estavam sendo discutidos, mas nos permitiu indicar o caminho a seguir. É necessário que a institucionalidade dialogue com a sociedade, com os movimentos organizados, mas também com os desorganizados. Penso que foi um aprendizado para o governo.

Amazônia Latitude: Quais os próximos passos? Como fica a expectativa pra essas resoluções?

Charles Trocate: Há muito a se fazer! Precisamos ainda aflorar na sociedade brasileira a percepção de que não somos um país minerador, mas um país minerado. E essa mineração é crescente. Na medida em que produz desigualdade social, a mineração não compensa os danos ambientais, e ela empobrece a população. Estamos tentando até 2026 construir uma conferência popular sobre o modelo mineral brasileiro.

 

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