O pior ar do planeta está na Amazônia

Cidade às margens do Rio Tapajós registra poluição do ar 48 vezes acima do recomendado pela OMS, levando multidão às unidades de pronto atendimento

Santarém sob fumaça. Foto: Agência Pará
Santarém sob fumaça. Foto: Agência Pará
Santarém sob fumaça. Foto: Agência Pará

Santarém sob fumaça em dezembro de 2024. Foto: Agência Pará

A Amazônia está sufocando. O lugar que já foi (erroneamente) conhecido como “pulmão do mundo”, mal consegue respirar. 

A maior floresta tropical do planeta está sob ameaça de queimadas que, além de destruir a biodiversidade da região, produz uma fumaça tóxica que encobre a área. Ela afeta o desenvolvimento de animais e de plantas tanto quanto ameaça a saúde de milhões de pessoas. 

De acordo com o MPF, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o estado paraense lidera o ranking nacional de focos de incêndio  já que 43,3% das queimadas registradas no mês de novembro foram nesta parte da Amazônia. 

Ao longo de 2024, foram 51,3 mil focos de incêndios registrados, número maior que o de outros 14 estados juntos.

Enquanto o fogo consome a floresta, a fumaça das queimadas se aproxima das áreas habitadas.  

Santarém, 24 de novembro de 2024

A cidade de Santarém, no Oeste do Pará, vem registrando péssimos Índices de Qualidade do Ar (IQar). Exatos 581 (IQar) foram alcançados em 24 de novembro.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que este índice se mantenha entre 0 e 50, portanto, a cidade conhecida como “Pérola do Tapajós” superou em 42,8 vezes o valor de poluição do ar tolerável para a saúde humana. 

Pela primeira vez na história, Santarém foi o lugar do planeta onde era mais difícil respirar. Ao ultrapassar a marca dos 500 µg/m³, a população amazônica foi exposta a um ar considerado perigoso.

Gráfico de Qualidade do Ar. Fonte: Ministério Público Federal

Gráfico de Qualidade do Ar em Santarém em 24 de novembro de 2024. Fonte: Ministério Público Federal

Isso fez com que o MPF recomendasse que as autoridades tomassem medidas urgentes sobre a questão. 

Foi quando o prefeito de Santarém decretou situação de emergência, entretanto, disse que a fumaça vinha “principalmente das cidades vizinhas”. Enquanto isso, o governo do Estado enviou mais viaturas e bombeiros para a área e reforçou duas operações, a Curupira e a Fênix, que há quase dois meses lutam contra o fogo.  

Até o dia que deveria ser ser de festa em homenagem à Nossa Senhora da Conceição, padroeira do município, amanheceu com uma densa nuvem de fumaça. 

O Círio de Santarém, celebrado no último domingo do mês de novembro, tem um percurso com pouco mais de sete quilômetros. É assim há exatos 106 anos. Entretanto, inesperadamente, desta vez, ele precisou ser encerrado antes do previsto devido o elevado nível de poluição do ar. 

Santarém, 29 de novembro de 2024

O aeroporto de Santarém precisou ser fechado por conta da baixa visibilidade causada pela fumaça. Se tornou perigoso demais autorizar que aviões decolassem ou aterrissagem no local. A empresa administradora do aeroporto informou que a baixa visibilidade piorou ainda na madrugada do dia 29 de novembro. 

O aeroporto Maestro Wilson Fonseca tem a capacidade receber, anualmente, 1,8 milhão de passageiros. Cerca de 10 voos nacionais partem diariamente do município. Apesar disso, o dia 29 de novembro de 2024 foi diferente.

Devido à fumaça, a situação se tornou ainda mais crítica ao longo da manhã, por isso, a empresa decidiu suspender todos os voos até que a visibilidade voltasse aos padrões de segurança recomendados pela legislação brasileira.

Longe dos olhos e do coração?

A criadora de conteúdo, a santarena Mariana Vieira, conhecida por produzir conteúdo sobre a vivência de uma nortista na cidade de São Paulo, repercutiu o assunto nas redes sociais. 

Para Mariana, o fato de uma cidade registrar um dos piores índices de qualidade do ar do planeta e ter seu aeroporto fechado por causa da fumaça seria o suficiente para uma grande cobertura jornalística ou debate público sobre o problema. Entretanto, como o fato aconteceu em Santarém, uma cidade da Amazônia, o cenário de calamidade do município está sendo invisibilizado.

Também nas redes sociais, o médico neurocirurgião Erik Jennings publicou um vídeo denunciando o problema. Segundo Jennings:

A gente sempre se orgulhou de viver na Amazônia e respirar um ar puro. Hoje, a gente se aproxima de uma realidade parecida com a China e com São Paulo, que, até então, era impensável”. 

A publicação alcançou mais de 400 mil visualizações. Nos comentários, internautas confirmaram o cenário preocupante exposto pelo médico. 

“Essa fumaça tem partículas pequenas, que são inaláveis pelos nossos pulmões e vão até a corrente sanguínea. Isso causa doenças cerebrais vasculares, como AVC; doenças pulmonares e câncer”, alerta Jennings.

Para o neurocirurgião, a população não está sendo alertada sobre os perigos aos quais está sendo exposta. 

“Seria interessante, diante dessas situações, que as próprias instituições de saúde brasileiras pudessem ter esse monitoramento diário diante dessa estação de estiagem e de fumaça. E que esse monitoramento pudesse ser falado e, a todo momento, esclarecido e orientado diante daquela situação de fumaça no dia”.

Erik Jennings continua:

Já que a gente não está sendo capaz de controlar o que está acontecendo no meio ambiente, que pelo menos a gente informe e esclareça as pessoas de como o ar está e como cuidar da própria saúde para minimizar o estrago que já foi feito”.

Santarém, 02 de dezembro de 2024

Cansados de esperar uma atuação mais efetiva do poder público, centenas de Santarenos tomaram conta das ruas da cidade em protesto pelos impactos das queimadas e para exigir ações urgentes para mitigar o problema.

Eles se concentraram no Centro Regional de Governo do Oeste do Pará e caminharam pelas ruas do município com cartazes de protesto em mãos. Os manifestantes exigiam mais celeridade nas operações de combate a incêndios florestais.

A manifestação foi realizada no mesmo dia em que a prefeitura de Santarém divulgou um dado assustador: mais de seis mil atendimentos por sintomas respiratórios foram registrados em Santarém, entre setembro e novembro de 2024.

Intitulada de Marcha Pelo Clima, a manifestação reuniu mais de 20 movimentos sociais. Fotos: Redes Sociais

Intitulada de Marcha Pelo Clima, a manifestação reuniu mais de 20 movimentos sociais. Fotos: Redes Sociais

Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24 Horas foram realizados 5.180 atendimentos, enquanto nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) 1.902 pacientes foram atendidos, de acordo com a Secretária de Saúde do Município.

De repente, uma multidão com tosse, febre, congestão nasal, dor de cabeça, coriza, dor de garganta, dor muscular, fadiga e falta de ar invadiu o Sistema Público de Saúde (SUS).

Em todo o caso, os dados oficiais reforçam um dos gritos de protesto da Marcha Pelo Clima: a Amazônia está sufocando.

Texto: Elielson Almeida
Montagem de Página: Alice Palmeira
Edição e revisão: Glauce Monteiro
Direção: Marcos Colón

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