A questão indígena no Brasil

Artigo reflete sobre como operações no Pará revelam a complexidade da questão indígena e os desafios de preservação ambiental

Operação na área da Terra Indígena Munduruku. Foto: Polícia Federal
Operação na área da Terra Indígena Munduruku. Foto: Polícia Federal
Operação na área da Terra Indígena Munduruku. Foto: Polícia Federal

Operação na área da Terra Indígena Munduruku. Foto: Polícia Federal

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No último mês de novembro duas operações conjuntas realizadas no Pará tentam desmontar a forte infraestrutura criminosa que instalou garimpos ilegais em terras indígenas demarcadas no estado.

As Operação de Desintrusão e as Operações batizadas de “Guardiões e Escudo” agem na área da Terra Indígena Munduruku, localizada nos municípios de Jacareacanga e Itaituba, no Pará. O objetivo é remover invasores que realizam extração ilegal de ouro e garantir que o território permaneça exclusivamente com os povos indígenas locais.

Lideradas pelo Governo Federal e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) com participação de mais de 20 órgãos de fiscalização e de proteção ao meio ambiente, as operações causaram um prejuízo avaliado em R$ 6,39 milhões às atividades ilegais. 

Além disso, destruíram e/ou inutilizaram 44 barcos, 12 máquinas pesadas, sete dragas escariantes, 29 motores, oito geradores, dois tratores, nove motocicletas, 4.300 litros de combustíveis, mais de 200 gramas de mercúrio, além de munições e motosserras. Também foi aplicada uma multa de R$ 20,27 milhões pelo ICMBio e houve o acautelamento de 16 aeronaves pela Agência Nacional de Aviação (Anac).

Esta imensa estrutura de garimpo estava funcionando ilegalmente em uma terra indígena que deveria estar resguardada da ameaça que, além de explorar ilegalmente uma zona protegida, causa imenso dano ambiental com desmatamento e poluição de solo e rios, essenciais para a sobrevivência da sociedade Munduruku.

Crise Yanomami

Essa é uma história que possui inúmeros capítulos. No início de 2023, a crise humanitária do Povo Yanomami na Amazônia chocou o Brasil e todo o mundo. Com relatos de violações de direitos humanos, como a falta de acesso à comida e remédios, fomentados pela negligência estatal que acarretou a morte de muitos, esse caso abre feridas profundas de violência e opressão contra os indígenas. 

O país supostamente amigável e receptivo é, na realidade, lar de um dos mais danosos e perigosos projetos de agressão contra os indígenas e suas culturas. Endossadas pelo governo e por instituições fundamentais da sociedade, essas ameaças ocorrem tanto explicitamente, quanto sutilmente.

Rastro de destruição causada pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami em Roraima em março de 2023. Foto: Dario Kopenawa

Rastro de destruição causada pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami em Roraima em março de 2023. Foto: Dario Kopenawa

Ditadura Militar

A questão indígena remonta ao início da colonização do Brasil. No entanto, foi durante a Ditadura Militar de 1964-1985 que a exploração e o desenvolvimento econômico e urbano da Amazônia alcançaram níveis nunca antes vistos. 

Esse projeto criou uma narrativa de que a floresta e seus habitantes eram inimigos do “crescimento e felicidade da Nação”. Além disso, muitas dessas obras públicas levaram à morte de milhares de membros das comunidades em questão – a construção da Transamazônica sozinha, por exemplo, foi responsável por 8.000. 

A agenda difundida pelo projeto militar criou a ideia no imaginário popular de que a Amazônia é uma terra de oportunidades e suas consequências são altamente perceptíveis nos dias atuais, corroborando a crise Yanomami.

Quem são os inimigos do país?

O agronegócio e as indústrias vêm ameaçando os indígenas desde então, já que, graças a iniciativas governamentais, eles podem tomar decisões importantes a respeito da floresta, favorecendo, na grande maioria das vezes, o lucro em detrimento da proteção dos nativos.

Dessa forma, fica claro que há um conflito entre nativos e agricultores e ainda que o primeiro grupo está em desvantagem. Diante de grande pressão do agronegócio, os povos indígenas tentam resistir aos avanços e proteger seu direito constitucional e ancestral sobre a terra. 

Essas regiões têm, por um lado, um grande valor cultural, tradicional e ambiental para essas comunidades, mas por outro, também possuem um grande potencial agrário e mineral, despertando os interesses de expansão sobre essas áreas por parte de grandes proprietários de terra, industriais e mineradores.

Como relatado por líderes de povos originários, os fazendeiros e mineradores conseguem facilmente ocupar – de forma ilegal – terras indígenas, sem sofrer nenhuma repressão ou consequência alguma, já que eles possuem um grande poder e influência política. 

Sendo assim, os povos não só perdem seus territórios, mas também sofrem muitos outros prejuízos grandes e irreversíveis. Por exemplo, o desmatamento causa alterações ambientais – impactando negativamente seus modos de vidas – e os produtos químicos usados na mineração e na agropecuária poluem as águas dos rios, as mesmas que os nativos usam para sua subsistência, levando à doenças e mortes.

Ademais, ainda há muitas outras nuances circundando a questão indígena. Uma ameaça que é ignorada, mas é igualmente nociva, é a do processo de aculturação e de apagamento de memória. 

Civilizados X selvagens

No século XIX e no início do XX, militares e religiosos visionavam a “integração” dos nativos. A ideia de integração por si só já é problemática, una vez que visava “civilizar” os “bons selvagens” para salvá-los da “extinção” – seguindo a teoria de Jean-Jacques Rousseau sobre os indivíduos primitivos, tal como os nativos, que não foram corrompidos pela sociedade. 

Inicialmente, isso até pode parecer altruísta, mas, ao analisarmos mais de perto, conseguimos ver um resultado diferente: os membros da Igreja e do Exército ensinavam aos indígenas os “valores e modos brasileiros”, para assimilá-los à sociedade do país. 

Porém, isso acarretou um processo de perda em massa de identidade, com culturas originárias sendo apagadas e substituídas por tradições ocidentais – o que é conhecido como aculturação – e seus efeitos podem ser notados nos dias atuais.

Outrossim, a indústria do entretenimento foi usada como meio de sustentação dessa operação institucional. Olhando para o século XIX, o romance clássico de José de Alencar O Guarani é um bom exemplo de tentativa de aculturação e apagamento da memória indígena. 

Visando construir uma identidade nacional para o país recém-independente, o autor criou um herói nativo, chamado Peri, estabelecendo o “padrão brasileiro”, uma figura que incorporava os elementos de coragem do “bom selvagem”, mas que colocava as características europeias no lugar das tradições dos povos originários. 

Esse ideal serviu ao seu propósito, já que ajudou a unificação dos habitantes do Brasil e foi a base e arquétipo buscado no processo de “civilização, educação e integração” dos nativos por padres e pelo Exército.

Fome, aculturação, violência e morte

Desse modo, a crise Yanomami é apenas uma das caras de anos de opressão contra nativos. A morte de 600 crianças indígenas, fome, perda de tradições e territórios e falta de assistência governamental que chocaram o mundo todo é apenas um dos casos de violência física e simbólica contra os povos originários que vêm ocorrendo desde o início da colonização do Brasil. 

As tentativas de assassinato e apoio médico ineficiente, que acarretou a disseminação de doenças, contra os Guarani-Kaiowá, em 2022, no Mato Grosso do Sul e o genocídio contra o povo Nambiquara, no Mato Grosso, usando o desfolhante químico Agente Laranja durante os anos 1970 são só mais alguns exemplos de agressão, muitas vezes institucionalizada, contra os indígenas.

A questão indígena é extremamente complexa e combater esse problema requer não só ações governamentais, mas também mudanças sistemáticas em toda sociedade.

Muito mais que um capítulo importante mas já encerrado da história do Brasil – um conceito errôneo difundido entre brasileiros -, os povos originários são uma parte fundamental do presente e do futuro do país. 

Mulher Yanomami carrega bebê após a invasão de seu território em Roraima. Foto: Marcos Colón / Arquivo Pessoal

Mulher Yanomami carrega bebê após a invasão de seu território em Roraima. Foto: Marcos Colón / Arquivo Pessoal

Importância indígena para a Amazônia, para o Brasil e para o planeta

Traços da influência deles podem ser vistos no dia-a-dia da população: muitas palavras indígenas, por exemplo, foram incorporadas ao vocabulário nacional e a culinária desses povos é consumida e elogiada por muitos. 

É seguro dizer que eles também desempenham um papel fundamental na preservação ambiental, já que possuem meios de subsistência notavelmente sustentável, atendendo suas necessidades e não machucando o meio ambiente – vale ressaltar que as terras demarcadas estão entre as mais preservadas do mundo. 

Além disso, eles têm um conhecimento ancestral sobre a floresta, com seus modos de vida e tradições, podendo ser a receita para a mitigação das mudanças climáticas e para proteção da biodiversidade – elementos extremamente importantes no mundo atual – que, por sua vez, pode ter aplicações médicas e científicas. 

As contribuições dessas comunidades são muito valorizadas por todo planeta e, apesar disso ser considerado positivo na maioria das vezes, gera também ameaças, alimentadas pela ganância, contra essas comunidades por parte de grandes corporações, que visam ter ganhos financeiros em cima da sabedoria deles

De forma geral, os povos indígenas são essenciais para o entendimento da sociedade brasileira e podem contribuir fortemente no esforço global de combate aos desafios climáticos e ambientais crescentes.

Frederico Aversa é um estudante do Ensino Médio de 17 anos, nascido e criado no Rio de Janeiro. Um ávido estudante de história, literatura e estudos sociais, sua pesquisa sobre as comunidades indígenas nasceu de suas curiosidades acadêmicas, crescendo ao ponto do apoio à defesa dos direitos desses grupos.

Texto: Frederico Aversa
Montagem da Página e Acabamento: Alice Palmeira
Edição e Revisão:
 Glauce Monteiro
Direção: Marcos Colón

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