Fotogaleria: Nadando entre botos – sedução e meio ambiente em rios amazônicos

Grupo de pesquisa monitora saúde de mamíferos aquáticos e estudos tentam entender narrativas sobre metamorfose de botos em homens

Na orla de Mocajuba, moradores e turistas convivem com botos. Foto: Agência Pará.
Na orla de Mocajuba, moradores e turistas convivem com botos. Foto: Agência Pará.
Na orla de Mocajuba, moradores e turistas convivem com botos. Foto: Agência Pará.

Na orla de Mocajuba, moradores e turistas convivem com botos. Foto: Agência Pará.

Um homem charmoso com chapéu e todo vestido de branco que, em noites de festa à beira do rio, seduz e engravida jovens na Amazônia e um “golfinho” fluvial que brinca nas orlas paraenses podem ser o mesmo ser. 

O Boto – assim com “B” maiúsculo mesmo – é uma das narrativas mais comum no Pará, de acordo com dados do projeto “O imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense” (IFNOPAP) que, desde o início dos anos de 1994, coletou mais de cinco mil narrativas de populações amazônidas. É o que aponta a fundadora das pesquisas que resultaram na publicação de vários livros da série “Pará Conta”, Socorro Simões. 

Não temos um levantamento estatístico sobre quantas destas narrativas são sobre o boto ou quantas versões da lenda existem, pois ainda estamos analisando muitas delas, mas, apenas na região do Médio e Baixo Amazonas, das 38 histórias diferentes coletadas, um terço é sobre os botos”.

A pesquisadora explicava que os mitos e lendas amazônicas são mais comuns e diversas conforme o relacionamento mais íntimo que a comunidade mantém com os rios. Na Amazônia, a cultura, a ancestralidade e a relação com a natureza moldam uma relação íntima e familiar com os botos. 

Eles são sim mamíferos aquáticos que vivem nos rios da região, mas também são parte de uma cosmologia pautada pela metamorfose, ou seja, visão de mundo em que os seres se modificam e plantas, animais e humanos podem ser apenas “versões” de uma mesma entidade. 

O antropólogo Romero Ximenes conta que os contatos entre jovens e os botos e os chamados “filhos de boto” só podem ser compreendidos a partir da cultura de comunidades tradicionais da Amazônia. 

Essa cultura parte do pressuposto de que homens, animais e plantas possuem uma mesma natureza. É como se o mundo fosse um baile à fantasia. Neste momento, posso estar fantasiado de homem, esta planta está fantasiada de açaí e aquele ser correndo na beira do rio está vestido de capivara. Mas, como uma roupa, é possível mudar e se transformar em outra coisa. É possível, assim, se metamorfosear”.

Essa perspectiva influencia as relações estabelecidas entre o homem e a natureza e permite que humanos se relacionem romanticamente com animais e sejam, ora um, ora outro.

Por isso não é um escândalo ou irreal ter um filho de boto ou ser filho do boto, da mandioca, da capivara, da cobra-grande. Isso porque a lógica que fundamenta a cultura ocidental é diferente da perspectiva cultural das populações tradicionais, caboclas e indígenas da Amazônia. Se no Ocidente o homem é diferente dos animais e superior a eles, na cultural regional todos os seres vivos estão interligados e possuem a mesma essência”.

O antropólogo explica ainda que nos mitos da Amazônia co-existem a dimensão mágica e real dos seres. “Conta-se a história do boto e se mostra o animal, o que prova sua existência e, de certa perspectiva, torna sua existência e atributos mágicos irrefutáveis”.

Perigos e travessuras de um “golfinho” amazônico

Em pesquisa durante sua tese a bióloga, Angélica Rodrigues, do Instituto Bioma, analisou como crianças e jovens estabelecem relações com mamíferos aquáticos amazônicos e o que isso pode significar para a preservação das espécies. 

Seja na transmissão de conhecimentos e relatos mágicos sobre botos, seja no ato de nadar com os mamíferos aquáticos em cidades paraenses como Santarém, Cametá ou Mocajuba, a relação cultural com os animais pode ajudar a protegê-los. 

O Bioma em parceria com a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) monitora as condições de saúde e pesquisa um grupo de botos-do-araguaia (Inia araguaiaensis), espécie que vive na bacia Araguaia-Tocantins entre os estados do Pará, Tocantins, Maranhão, Goiás e Mato Grosso. Os animais estão na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. Isso significa que podem desaparecer da natureza. 

A bióloga explica que entre as ameaças à espécie estão a pesca e também o comércio ilegal de subprodutos místicos. Vários animais de Mocajuba, por exemplo, apresentam ferimentos feitos ao ficarem presos em redes de pesca e a caça deles ainda ocorre principalmente para abastecer uma demanda por partes do corpo dos animais usadas em rituais.

A mística que paira no universo das lendas ainda influencia muito, ainda tem muita demanda pela compra de produtos. Tanto na capital quanto no interior do estado é possível encontrar venda de pele, unguentos pra fins medicinais, amuletos. São produtos que não ficam tão à mostra, para evitar fiscalização, mas ainda existe muita procura. Os botos sempre estão ameaçados”.

Em Mocajuba, cidade que fica a 236 quilômetros da capital do estado, Belém, os botos-do-araguaia vivem próximos ao Mercado da cidade. A oferta de alimentos atrai o grupo para lá. No local, um mirante foi erguido o que facilitou o contato tradicional e também turístico com os mamíferos.

É nessa área que os pesquisadores do Bioma e da UFRA fazem exames e monitoram a saúde dos botos. O trabalho é realizado desde 2013 e nos últimos anos, pelo menos nove filhotes nasceram no grupo que é monitorado. 

Segundo a pesquisadora Angélica Rodrigues, em Mocajuba a relação é bem diferente da maioria das comunidades onde esses animais ocorrem.

No caso de Mocajuba são os botos que atraem o turismo e ajudam os pescadores nos paredões de pesca”.

A preservação desses animais impacta diretamente no equilíbrio do meio ambiente. “Eles têm um papel importantíssimo na natureza, porque são sentinelas ambientais, a partir deles conseguimos mapear a saúde de um rio. São animais topos de cadeia, importantes para o equilíbrio da cadeia trófica do rios, além disso são sentinelas importantes apontando as fragilidades dos ecossistemas fluviais”, diz a pesquisadora.

Conheça mais sobre os botos-do-araguaia que presenteiam turistas e moradores de Mocajuba, no Pará, com sua presença na Fotogaleria da Amazônia Latitude

Çairé (ou Sairé) é um festival realizado em Santarém onde os botos Tucuxi e Cor de Rosa duelam em apresentações culturais.. Foto: Agência Pará.

Çairé (ou Sairé) é um festival realizado em Santarém onde os botos Tucuxi e Cor de Rosa duelam em apresentações culturais. Foto: Agência Pará.

Lenda fala que homem vestido de branco seduz jovens em festas e, depois, volta à sua forma animal e some nos rios da Amazônia. Foto: Agência Pará.

Lenda conta que homem vestido de branco seduz jovens em noites de festas e, depois, volta à sua forma animal e some nos rios da Amazônia. Foto: Agência Pará.

Boto-do-araguaia foi descoberto em 2014 e já está na lista de espécies ameaçadas. foto: Agência Pará.

Boto-do-araguaia foi descoberto em 2014 e já está na lista de espécies ameaçadas. foto: Agência Pará.

Ao menos nove filhotes nasceram no grupo de botos monitorados pelo Instituto Bioma e pela UFRA desde 2013. Foto: Instituto Bioma.

Ao menos nove filhotes nasceram no grupo de botos monitorados pelo Instituto Bioma e pela UFRA desde 2013. Foto: Instituto Bioma.

Principais ameaças às espécies de botos na Amazônia são a pesca e o comércio ilegal de itens magico-religiosos. Foto: Agência Pará.

Principais ameaças às espécies de botos na Amazônia são a pesca e o comércio ilegal de itens magico-religiosos. Foto: Agência Pará.

Pesquisadores monitoram saúde e bem-estar de grupo de botos que frequenta a orla de Mocajuba, no Pará. Foto: Instituto Bioma.

Pesquisadores monitoram saúde e bem-estar de grupo de botos que frequenta a orla de Mocajuba, no Pará. Foto: Instituto Bioma.

Exames avaliam saúde de botos que convivem com humanos na Orla de Mocajuba no Pará. Foto: Instituto Bioma.

Exames avaliam saúde de botos que convivem com humanos na Orla de Mocajuba no Pará. Foto: Instituto Bioma.

Sociáveis, botos viraram atração turística na orla de Mocajuba. Foto: Agência Pará.

Sociáveis, botos viraram atração turística na orla de Mocajuba. Foto: Agência Pará.

Grupo de Pesquisa estuda sons, hábitos e interação de grupo de boto-do-araguaia com humanos na orla de Mocajuba. Foto: Instituto Bioma.

Grupo de Pesquisa estuda sons, hábitos e interação de grupo de boto-do-araguaia com humanos na orla de Mocajuba. Foto: Instituto Bioma.

Moradores e turistas chegam a alimentar botos na orla de Mocajuba. Foto: Agência Pará.

Moradores e turistas chegam a alimentar botos na orla de Mocajuba. Foto: Agência Pará.

Ultrassonografias ajudam a avaliar fêmeas, inclusive as que gestam filhotes. Foto: Instituto Bioma.

Ultrassonografias ajudam a avaliar fêmeas, inclusive as que gestam filhotes. Foto: Instituto Bioma.

Famílias frequentam orla de Mocajuba e interagem com botos. Foto: Agência Pará.

Famílias frequentam orla de Mocajuba e interagem com botos. Foto: Agência Pará.

Fotos: Agência Pará e Instituto Bioma
Texto: Glauce Monteiro
Montagem de Página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón

Você pode gostar...

Translate »