Vozes da Juventude Amazônica na COP30: escuta global, raiz territorial
Jovens representantes de diferentes territórios amazônicos articulam ações para garantir espaço e voz nos debates climáticos, destacando a diversidade e resistência da região


Jovens da Amazônia em Ação: resistência, saberes e protagonismo rumo à COP30. Foto: Reprodução / Redes Sociais.
Na confluência entre os grandes debates globais e as urgências climáticas, a juventude amazônica grita a plenos pulmões. De Belém às aldeias do Baixo Tapajós, jovens de comunidades periféricas, quilombolas, indígenas, ribeirinhos e extrativistas se organizam para fazer da COP30, marcada para novembro deste ano na capital paraense, um ponto de inflexão em que o mundo finalmente aprenda a debater a Amazônia a partir de quem vive nela.
Mobilizados em redes, coletivos e organizações, eles defendem protagonismo nas decisões, justiça climática e na transição energética, preservação dos biomas e valorização dos conhecimentos ancestrais.
Para esses jovens amazônidas, a crise climática não é um conceito distante: afeta diretamente seus modos de vida, suas comunidades e projetos de futuro. São histórias construídas a partir das margens, das águas, das baixadas, dos saberes populares e dos corpos que resistem todos os dias à crise climática, mostrando que suas práticas e saberes já são parte das soluções.
“A COP30 é global, mas a crise climática começa aqui, nas baixadas”
Waleska Queiroz, mobilizadora ambiental da Rede Jandyras e integrante da Coalizão COP das Baixadas, é uma das vozes que puxa o movimento. A Coalizão articula debates, visando que as comunidades mais afetadas estejam no centro das discussões — dentro e fora da COP30.
A mestranda em Cidades Inteligentes e Sustentáveis reforça que a juventude das periferias amazônicas já está organizada e propondo soluções enraizadas nos territórios. Mais ainda, para ela, debater justiça climática inclui temáticas como saneamento, moradia e transporte digno. Pensar em clima é pensar em cidade.
A COP das Baixadas surge como uma contraproposta às grandes conferências do clima, que, em sua maioria, são construídas sem considerar a participação das populações mais vulnerabilizadas e diretamente impactadas pelas mudanças climáticas — como as juventudes periféricas, majoritariamente negras.”, explica Waleska Queiroz.

Waleska Queiroz, da Coalizão COP das Baixadas, ao lado de jovens que constroem uma agenda climática popular a partir das periferias de Belém. Foto: Acervo pessoal.
Dois projetos são eixos centrais dessa construção: o Observatório das Baixadas, espaço de pesquisa e formação com dados produzidos pelas próprias juventudes locais, e as Yellow Zones, espaços de mobilização que reconhecem bibliotecas comunitárias, casas de cultura, associações de moradores e museus populares como centros legítimos de diálogo climático.
Para a coalizão, a COP30 precisa reconhecer e subsidiar soluções que já existem nos territórios. As demandas incluem financiamento direto para juventudes periféricas e indígenas, políticas públicas com foco em justiça climática, adaptação antirracista e territorializada, e espaços permanentes de participação juvenil.
Qual a cara da Amazônia?

Thalia Silva, 22 anos, ativista climática e educadora ambiental de Parauapebas (PA). Atua na defesa dos direitos humanos e da justiça territorial na Amazônia. Foto: Acervo pessoal.
Por muito tempo se falou na Amazônia sem se ver, de fato, rostos amazônidas. As grandes referências eram de fora, mas a resistência tem lutado para mudar esse quadro. A ausência de planos de adaptação climática em muitos municípios da região, a falta de saneamento, água potável e de áreas verdes são sinais de negligência que entram nas pautas da juventude.
Thalia Silva, ativista climática de 22 anos, chama atenção para aqueles que serão mais atingidos com a piora da crise:
Quem vai sofrer primeiro é a nossa população. E os governantes ainda não tratam isso como prioridade. Agora falam em transição energética sem considerar como isso vai afetar a vida das pessoas. As mulheres, especialmente, vivem em vulnerabilidade extrema […] Clima não é só emissão de carbono. É também a forma como a gente vive, se relaciona, se identifica. E isso passa pela cor da pele, pelo gênero, pelo território”.
Natural de Parauapebas (PA), a ativista atua como educadora ambiental em escolas do interior do Estado, comunicadora e defensora dos direitos humanos. Atualmente, é Coordenadora de Advocacy da Coalizão Nacional da Juventude pelo Clima e Meio Ambiente (CONJUCLIMA). Também integra espaços internacionais de articulação, como o Grupo Focal de Jovens da Lei Anticorrupção (LAC) com a ONU Mulheres.
Ela faz parte de um grupo que se preocupa não apenas em se capacitar, mas em viabilizar a formação de outros jovens, preparando-os para ocupar os espaços de debate sem se permitir intimidar pelas relações de poder.
Sujeitos políticos, não só figurantes na foto

Matheus Oliveira, presidente do Fórum Paraense de Juventudes, defende a participação ativa da juventude amazônica na construção das decisões climáticas. Foto: Acervo Pessoal.
Matheus Oliveira, presidente do Fórum Paraense de Juventudes e um dos organizadores de ações preparatórias para a COP30, segue a mesma linha. No Encontro Regional da Panamazônia de Educação no Campo e a Cúpula dos Curumins, Cunhatãs e Erês, por exemplo, a proposta é pensar e fazer as coisas com crianças e adolescentes, não apenas para elas.
A proposta de inclusão de jovens de diferentes origens e territórios – indígenas, quilombolas, ribeirinhos, de periferias urbanas, do campo, com deficiência – vai ao encontro da ideia de que a participação juvenil é um direito que deve ser garantido em todas as etapas do processo. Por isso, a aposta em metodologias inclusivas, como atividades de arte, brincadeiras e rodas de conversa.
“Futuro com Justiça Climática & Bem Viver só com a nossa participação!”, corrobora Matheus, que também levará essa mensagem à COY20 (Cúpula da Juventude), que antecede a COP30 e busca dialogar com os Eixos de Convergência da Cúpula dos Povos.
“Nosso território não pode ser só o cenário, tem que ser protagonista” — juventude indígena se mobiliza para a COP30
No Baixo Tapajós, oeste paraense, jovens indígenas também se mobilizam. Seca dos rios, queimadas, perda da biodiversidade nos roçados e falta de água potável são realidades cada vez mais presentes no seu cotidiano.
Em 2023, jovens da região elaboraram um documento com propostas de educação ambiental em territórios indígenas, apresentado na COP28, em Dubai. Agora, articulam a realização da RCOY Tapajós, uma reunião regional da juventude sobre mudanças climáticas.
Walter Oliveira, fundador do Coletivo Jovem Tapajônico, atua na formação de lideranças em aldeias e comunidades do Baixo Tapajós, promovendo atividades de educomunicação e educação ambiental para fortalecer o papel da juventude na defesa dos territórios. Ele coordena o Departamento de Jovens Indígenas do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) e tem articulado ações com jovens de outros povos, como os Mimbeigocré do Kayapó.
Para ele, é indispensável que a juventude compreenda que território não é apenas um espaço geográfico. É identidade, luta e resistência. Walter acredita no poder da educomunicação para ampliar vozes indígenas em espaços globais como a COP30.

Walter Oliveira, liderança jovem do Tapajós, atua na formação de lideranças indígenas e comunitárias, promovendo educação ambiental no Coletivo Jovem Tapajônico. Foto: Acervo pessoal.
A liderança do Tapajós chama atenção para a sobrecarga emocional enfrentada pelos jovens e defende que a justiça climática inclua incentivos reais, como empregos verdes e o reconhecimento de saberes populares.
Colocam a gente na linha de frente, cobram ação, mas ninguém olha pro cuidado. Essa juventude segura tudo e não recebe apoio. É preciso valorizar a educação que não tem diploma, mas tem conhecimento. A juventude amazônica já está fazendo algo, já está salvando o mundo, mas precisa ser ouvida, respeitada e apoiada”, conta Walter Oliveira.
Juventude quilombola do Pará pede reconhecimento de territórios
A luta coletiva tem trazido resultados. Hoje, o Pará é o Estado que mais titula territórios coletivos. Uma vitória que resulta da resistência dos movimentos à lentidão do processo por parte dos órgãos competentes.
O processo de titulação, contudo, ainda é desigual e muitas terras ainda aguardam o reconhecimento oficial, sem previsão de recebê-lo. Nesse caso, atuar em prol dos seus direitos nem sempre é uma opção.
Ser ativista muitas vezes pode não ser a escolha de ninguém, mas na nossa perspectiva já nasce com a gente. Todos os dias temos que nos afirmar e nos defender.”, diz Erika Santos.
Erika Santos, jovem da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), reitera que não há como falar em preservação ambiental sem garantir os territórios tradicionais.
Para ela, o acesso ao Ensino Superior é uma forma de garantir que, por meio da educação, essas ações sejam implementadas diretamente no território, apoiando as associações, as famílias comunitárias e os processos de monitoramento e formação.
“Nós somos os maiores detentores dessa floresta viva que o Brasil ainda tem. Graças à nossa maneira de viver que ainda existem muitos territórios a serem protegidos. Mas como que a gente preserva o que todo mundo quer destruir? Para nós, o que é mais fundamental é a garantia do nosso território. Mas não é só sobre preservar o que é nosso — é sobre preservar o que é de todos. A causa já não é só nossa. É uma causa global”, argumenta Erika.

Erika Santos e jovens quilombolas do Pará fortalecem a articulação coletiva em defesa dos territórios e por justiça climática. Foto: Acervo Pessoal.
Vozes que insurgem das margens
A crise climática é global, mas seus impactos não são distribuídos de forma igual. E é justamente das margens, das comunidades tradicionais, ribeirinhas, extrativistas e periféricas, que enfrentam as consequências das mudanças climáticas com maior intensidade e antes de muitos outros, que surgem algumas das vozes mais urgentes e potentes para pensar soluções coerentes com as necessidades reais.

Matheus Azevedo, da Coordenação Estadual de Mobilização de Juventudes Extrativistas do CNS, no Pará. Foto: Acervo Pessoal.
Uma dessas vozes é a de Matheus Azevedo, da Coordenação Estadual de Mobilização de Juventudes Extrativistas do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), no Pará.
O Conselho defende o financiamento climático direto às comunidades de base, que enfrentam uma série de desafios: falta de conectividade, falta de infraestrutura, e de serviços básicos de saúde e educação. O futuro incerto no campo e na floresta causa a evasão de jovens dos territórios.
Uma série de encontros e conferências com juventudes extrativistas estão sendo organizadas pelo CNS. Serão realizadas reuniões em Santarém, Belém e outros municípios da Amazônia, com o objetivo de construir uma carta política sobre mudanças climáticas.
Apesar do crescente engajamento, a linguagem institucional da COP30 ainda é distante da vivência das comunidades. O desafio, portanto, é duplo: traduzir o debate para a base e garantir a sua participação ativa.
Somos nós que vamos ter que enfrentar a crise climática, aprender a conviver e a resistir dentro dos nossos territórios”, explica Matheus Azevedo.
Apesar dos frequentes alagamentos e da luta cotidiana pela dignidade nas baixadas da capital paraense, da falta de planejamento de adaptação climática nos municípios da Amazônia, da morosidade no reconhecimento dos territórios indígenas e quilombolas, a juventude resiste! A COP30 não é o ponto final, mas é um capítulo do qual nenhum desses jovens abre mão do papel que lhes cabe: o de protagonistas de uma história que, ainda, pode ter um final feliz.
Texto: Lucas Duarte
Montagem da Página: Alice Palmeira
Revisão e edição: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón