O semeador de sumaúmas na capital menos arborizada da Amazônia
Com a queda da Sumaúma da Praça Santuário, Belém perdeu uma árvore de dois séculos, mas ganhou um guardião da floresta


Moisés Larrat planta Samaúmas por onde passa. Foto: Elielson Almeida/Amazônia Latitude.
Na madrugada de 06 fevereiro de 2023, uma sumaúma centenária caiu em Belém. Naquele dia, pouca gente se deu conta de que a capital paraense perdia uma das testemunhas mais antigas da história da cidade. Foram mais de dois séculos de vida antes de tombar na frente da Basílica Santuário, no mesmo chão onde todos os anos passam milhares de fiéis durante o Círio de Nazaré.
Para a maioria das pessoas, parecia ser o fim. Mas para Moisés Larrat, “o semeador de sumaúmas”, era uma oportunidade de recomeço. Meses antes da queda, ele recolheu e guardou cerca de 300 sementes da árvore, quase que por intuição. As sementes foram germinadas e armazenadas na sacada do apartamento onde mora com a família. Moisés plantou muda por muda, dando continuidade e multiplicando a vida da árvore-mãe.
Não era o fim, apenas o começo de uma nova história.
Um vazio centenário

Samaumeira no Largo de Nazare – pintura de Giuseppe Leone Righini, de 1867. Fonte: Divulgação/Acervo UFPA/Centro de Memória da Amazônia.
Com a queda da Sumaúma da Praça Santuário, Belém perdeu uma observadora silenciosa. Plantada na esquina da Avenida Generalíssimo Deodoro com a Rua Dom Alberto Gaudêncio, a árvore viu passar diversas gerações de romarias do Círio de Nazaré, inclusive quando a Berlinda ainda era conduzida por carros de boi, antes da introdução da corda puxada por fiéis, em 1855. Um dos registros mais antigos da sua existência é uma pintura de 1867, do artista italiano Giuseppe Leone Righini. No quadro, a Sumaúma já aparece na forma adulta, o que comprova sua longevidade.
Depois de ter presenciado o nascer de bairros inteiros e resistido a dois séculos de transformações, o ciclo da sumaumeira foi encerrado em uma madrugada silenciosa de fevereiro, exatamente às 04h49. A queda foi registrada por uma câmera de monitoramento. Segundos antes da queda, um ciclista chegou a passar pelo local.
A espécie também é conhecida como samaúma, samaumeira, sumaumeria ou simplesmente “Rainha da Floresta”. O nome varia conforme a região do país, mas a imponência é sempre a mesma. Com mais de 25 metros de altura, foram necessários mais de 20 dias para que ela fosse completamente removida da Praça Santuário. A Prefeitura de Belém tentou alternativas para recuperá-la, mas já apresentava sinais de deterioração no seu núcleo.
No local onde esteve durante dois séculos, restou apenas um vazio e a promessa de que uma árvore da mesma espécie seria plantada, o que nunca aconteceu. Parecia ser o fim de uma história recheada de afeto, mas um detalhe escapou à maioria dos olhares: o amor de Moisés Larrat pela “rainha da floresta”.

Moisés com Samaúma na praça Santuário. Foto: Elielson Almeida/Amazônia Latitude.
Era novembro de 2022. Durante uma caminhada despretensiosa pela Praça Santuário, Moisés pegou um fruto da sumaúma, uma cápsula lenhosa que armazena centenas de sementes. Ele não imaginava que essas seriam as últimas daquela linhagem viva.
Quando a árvore caiu, Moisés sentiu como se perdesse uma parente. Mas, por sorte ou por destino, havia guardado suas sementes meses antes. “Foi coincidência… ou não. Quando ela caiu, foi muito doloroso. Mas eu tinha as sementes. Tinha vida guardada”, conta emocionado.
O berçário no quarto andar
Moisés fez da varanda da sua casa, no quarto andar de um prédio residencial, um berçário-verde de sumaúmas improvisado. Ele cultiva as sementes da rainha da floresta com uma rotina cuidadosa: luz, água e muita observação. “Aqui não é uma fazenda, mas é um espaço em que a gente acompanha tudo de perto. A gente percebe o momento exato de transplantar”, conta.
Com o tempo, o que era um experimento virou vocação. Mais de 200 árvores já foram plantadas por ele e sua família em praças, rotatórias e parques da região metropolitana de Belém, além de alguns municípios do interior do Estado.
“Eu já levei muda para Castanhal, Benevides, Santa Izabel… Cada lugar tem uma história. A gente planta e depois volta, acompanha. Vê a transformação da paisagem”, diz.

Moisés regando as mudas de samaúmas em seu apartamento. Foto: Elielson Almeida/Amazônia Latitude.
Apesar da ação, Moisés não atua em nenhuma organização ambiental e não tem formação na área. Ele não se considera um ativista e nem usa termos técnicos como sustentabilidade ou reflorestamento. Seu interesse pela plantação das sumaúmas vem do simples desejo de ver a cidade mais arborizada, com mais áreas verdes para combater o calor e o avanço do concreto.
E essa preocupação tem fundamento. Apesar de estar na Amazônia, Belém é a capital menos arborizada do país, segundo o último censo do IBGE. Apenas 44,65% das ruas tem, pelo menos, uma árvore. O trabalho de Moisés é um esforço individual que aponta para um problema maior: a necessidade urgente de recuperar o verde na cidade.
O cuidado com o meio ambiente vai muito além do ato de plantar
Moisés reforçou que o cuidado com a arborização urbana não se limita ao ato de plantar. Segundo ele, espécies de grande porte devem ser cultivadas apenas em locais adequados, com espaço suficiente para se desenvolverem sem causar riscos à população ou à infraestrutura da cidade.
“Nós não podemos ser inconsequentes ao pegar uma árvore dessa, que cresce até 70m de altura e tem uma circunferência de 6m, e plantar em uma calçada aqui de Belém. Nós temos que colocá-las nos locais mais apropriados”, alerta Moisés.
O engenheiro agrônomo Rômulo Teixeira faz o mesmo alerta. Segundo ele, o plantio de árvores de grande porte na cidade deve considerar fatores como a fiação elétrica, a rede de esgoto e até o tráfego de pedestres. Esses cuidados evitam problemas futuros com podas e custos de manutenção. Ele também lembra que o plantio deve respeitar a legislação ambiental de cada município, escolhendo espécies corretas e, sempre que possível, nativas. “Não podemos plantar qualquer árvore em qualquer lugar. É preciso critério técnico para que a arborização seja um ganho, e não um prejuízo”, afirmou.

Engenheiro agrônomo Rômulo Teixeira. Foto: Reprodução/Redes Sociais.
As leis municipais de Belém também apontam nessa direção. A Lei nº 7.709/1994 reconhece mangueiras e samaumeiras como parte do patrimônio histórico e ambiental da cidade, garantindo proteção especial a exemplares considerados relevantes.
Já o Plano Municipal de Arborização Urbana, instituído pela Lei nº 8.909/2012, estabelece diretrizes para o manejo e a expansão da cobertura verde na capital. Entre as regras estão a exigência de autorização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) para plantios em passeios públicos e a garantia de acessibilidade, com largura mínima para circulação de pedestres.
Em um cenário de evidente colapso ambiental, com o avanço implacável do aquecimento global, a devastação da Amazônia e até mesmo o desmatamento legalizado, a atitude transcende a mera ação. Moisés não vê a sua atitude como um gesto radical. Para ele, é apenas amor pela espécie. “A árvore é vida. É oxigênio. É convivência com o meio ambiente”, diz com a certeza de quem vê o que muitos não enxergam.
Ele sabe que não basta plantar por plantar. As árvores, em especial as Sumaúmas, precisam de cuidado, solo adequado e monitoramento. “Tem que envolver os órgãos públicos, as comunidades. A Sumaúma precisa de espaço, de limpeza, de hidratação. Não é só cavar um buraco e largar a muda. A gente tem que pensar onde ela vai viver. E quem vai viver com ela”, diz.
Plantar como herança
A missão de Moisés não é apenas ecológica, é também familiar. Desde pequeno, seu filho o acompanha nos plantios. “Ele planta comigo desde os dois anos. Um dia, vai ver essa Sumaúma crescendo e vai dizer: ‘Fui eu que plantei com meu pai.’ Isso não tem preço”, diz orgulhoso.
O que ele cultiva é mais do que árvores: é continuidade. Sabe que provavelmente não verá as árvores adultas, pois a Sumaúma pode viver séculos. “Eu planto para os que virão. Meus netos talvez vejam. Quem sabe os filhos deles.”

Filho de Moisés ao lado de um pé de Samaumeira. Foto: Acervo Pessoal.
Um gesto que adia o fim
Mesmo que não reconheça a sua atitude, plantar mais de 200 sumaúmas é mais do que um gesto simbólico. Cada árvore, ao crescer, absorve carbono da atmosfera, ajuda a diminuir o calor e cria um ambiente melhor para animais e plantas na cidade. Juntas, elas contribuem para melhorar o ar, reduzir o impacto das mudanças climáticas e deixar um futuro mais saudável para as próximas gerações.
Hoje, restam apenas quatro mudas daquela Sumaúma-mãe. São as últimas, já prontas para ganhar solo. Moisés as plantou mesmo sem a certeza de que um dia vai vê-las em todo o seu esplendor. Mas o fez sabendo que cada árvore pode atravessar séculos, assim como aquela que caiu. Na grandiosidade do seu gesto, embora faça apenas por amor ao meio ambiente, Moisés faz parte de um seleto grupo de pessoas que ajudam a adiar o fim do mundo.
Texto: Elielson Almeida
Revisão e edição: Juliana Carvalho
Montagem da página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón

 
                     
																			 
																			