Defensor de terras indígenas é morto no Equador durante repressão do governo a ativistas ambientais e de direitos humanos

Efraín Fueres foi baleado e morto no domingo, 28, enquanto marchava em protesto contra o alto custo de vida e a repressão governamental que inclui o congelamento das contas bancárias de ativistas e a suspensão de uma organização de mídia

Efraín Fueres, defensor indígena da terra, foi morto a tiros no Equador no domingo. Foto: Marcos Colón/Amazônia Latitude.
Efraín Fueres, defensor indígena da terra, foi morto a tiros no Equador no domingo. Foto: Marcos Colón/Amazônia Latitude.
Efraín Fueres, defensor indígena da terra, foi morto a tiros no Equador no domingo. Foto: Marcos Colón/Amazônia Latitude.

Efraín Fueres, indigena defensor de terra, foi morto a tiros no Equador no domingo. Foto: Marcos Colón/Amazônia Latitude.

Inglês Inglês Espanhol Espanhol

 

Um indígena defensor de terras foi baleado e morto no domingo, 28, em Cotacachi, Equador, enquanto marchava em protesto contra o alto custo de vida e a repressão governamental a ativistas indígenas e ambientalistas.

Efraín Fueres, 46, um líder comunitário, foi um dos milhares de equatorianos que saíram às ruas nas últimas duas semanas em meio a uma onda de medidas autoritárias do governo, incluindo o congelamento de contas bancárias de ativistas e a suspensão de uma organização de mídia. A federação indígena Kichwa Chijallta FICI, à qual Fueres pertencia, divulgou um comunicado condenando seu assassinato e atribuindo a culpa a “balas militares”.

Chijallta FICI denuncia com profunda dor e indignação o assassinato do nosso irmão e respeitado líder comunitário”, diz o comunicado, chamando o assassinato de “a prova mais dolorosa de que o Governo optou pela guerra e pelo sangue em vez de ouvir as justas reivindicações do povo”.

Vídeos publicados nas redes sociais mostram Fueres marchando por volta das 6h30 da manhã quando é baleado. Em seguida, um veículo militar se aproxima dele, que estava caído na rua com um companheiro ajoelhado sobre seu corpo. Oficiais armados então cercaram os homens e começaram a chutar repetidamente o companheiro.

O Consulado Equatoriano em Washington, D.C., não respondeu aos pedidos de esclarecimento. Mas o Ministério Público equatoriano disse em uma publicação nas redes sociais que estava iniciando uma investigação.

Separadamente, o exército equatoriano postou ainda no domingo que 12 soldados ficaram feridos em Cotacachi enquanto protegiam um comboio de ajuda alimentar.

As pessoas que marcharam nas últimas semanas, lideradas por grupos indígenas, condenaram um decreto governamental de 12 de setembro que removeu os subsídios aos combustíveis, elevando os preços da gasolina em mais de 50%. Defensores dizem que a política prejudica milhões de equatorianos pobres que vivem com menos de $100 por mês (aproximadamente R$531,73).

O Presidente equatoriano Daniel Noboa, um aliado do Presidente dos EUA, Donald Trump, instituiu um estado de emergência em 16 de setembro em províncias por todo o país, dando ao governo o poder de limitar viagens públicas, impor toques de recolher e restringir outras liberdades. Ele também se mobilizou para reescrever a Constituição, que atualmente inclui fortes proteções para o meio ambiente e para os povos indígenas.

Noboa alegou, sem apresentar provas, que organizações criminosas transnacionais, incluindo o Tren de Aragua, estavam financiando os protestos liderados por indígenas.

A maior organização indígena do país, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), negou essa acusação e disse que os protestos são impulsionados por um amplo conjunto de demandas: a revogação do aumento do preço da gasolina, o cumprimento pelo governo de um referendo nacional para encerrar a produção de petróleo em uma parte da floresta amazônica e o fim da criminalização de ativistas indígenas e ambientais.

Membros da CONAIE fazem um minuto de silêncio em homenagem a Efraín Fueres nesta segunda-feira, em Quito, Equador. Foto: Franklin Jacome/Agencia Press South via Getty Images.

Membros da CONAIE fazem um minuto de silêncio em homenagem a Efraín Fueres nesta segunda-feira, em Quito, Equador. Foto: Franklin Jacome/Agencia Press South via Getty Images.

A organização também está pedindo um freio no modelo econômico extrativista do Equador, exigindo que o governo revogue as licenças para três projetos de mineração no país.

Sisa Inés Cotacachi, vice-presidente da Chijallta FICI, disse no domingo que comunidades em toda a província de Imbabura, onde Fueres foi morto, também estavam protestando contra uma série de decretos do governo nacional que retrocederam as proteções ambientais e de direitos humanos.

Em agosto, o governo equatoriano retirou as responsabilidades do Ministério do Meio Ambiente, Água e Transição Ecológica, transferindo suas funções – incluindo licenciamento e fiscalização ambiental – para o Ministério de Energia e Minas.

No mesmo mês, ele aprovou uma lei para “promover a transparência e a responsabilização em organizações sociais sem fins lucrativos”, embora os críticos argumentem que ela visa restringir a capacidade da sociedade civil de monitorar violações de direitos e buscar responsabilização em um momento de expansão da extração de petróleo e mineração.

Uma coalizão de advogados, cientistas e ativistas de direitos humanos afirma que está divulgando esta semana um apelo para que organizações assinem uma carta aberta a especialistas em direitos humanos das Nações Unidas condenando as duas leis e acusando o governo de “Mobilizar forças militares em torno de locais de extração e criminalizar o protesto ambiental.”

Inés Cotacachi disse que Fueres foi baleado três vezes. “Condenamos este ataque brutal à resistência organizada”, pontua ela. “Se o governo reprimir o povo, eles só serão forçados a se levantar para exigir seus direitos”.

Contas bancárias congeladas

A morte de Fueres, pai de dois filhos, ocorreu depois que o governo visou dezenas de proeminentes defensores ambientais e líderes e organizações indígenas nas últimas semanas. A administração Noboa prendeu ou deteve alguns e congelou as contas bancárias de outros.

Entre os impactados estão líderes de um poderoso movimento antimineração na cidade andina de Cuenca. Em 16 de setembro, cerca de 100 mil pessoas foram às ruas exigir o fim de uma mina canadense, gritando: “A água vale mais do que tudo!”

Manifestantes participam de um ato contra um projeto de mineração canadense em 16 de setembro, em Cuenca, Equador. Foto: Galo Paguay/AFP via Getty Images.

Manifestantes participam de um ato contra um projeto de mineração canadense em 16 de setembro, em Cuenca, Equador. Foto: Galo Paguay/AFP via Getty Images.

David Fajardo, um advogado que ajudou a organizar a resistência, descobriu na semana passada, quando tentou sacar fundos, que suas contas bancárias estavam congeladas. Ele disse que não recebeu aviso, explicação e nem informações sobre como resolver o problema.

“É um abuso absoluto de poder”, disse Fajardo, que tinha alguns milhares de dólares de poupança em suas contas.

Outros atingidos pelos congelamentos ou investigações sobre suas finanças são os líderes da CONAIE, o presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana, o presidente da Frente Nacional Anti-Mineração, um representante da Aliança das Nascentes Sagradas da Amazônia e o presidente da Fundação Pachamama, uma organização sem fins lucrativos de direitos indígenas.

Especialistas que monitoram ataques a defensores ambientais – pessoas que agem pacificamente para proteger a natureza – dizem que os governos estão usando cada vez mais essas táticas para desacreditar os defensores e dificultar sua capacidade de trabalhar. Ataques não físicos muitas vezes precedem agressões físicas, de acordo com pesquisadores.

Ano passado, uma média de três defensores ambientais foram mortos por semana, muitos dos quais se opuseram a projetos de mineração. No Equador, quase 9.000 milhas quadradas de concessões de mineração se sobrepõem a áreas protegidas e territórios indígenas.

“Condenamos categoricamente a criminalização sistemática exercida contra aqueles que defendem a vida, o território e os direitos da Natureza no Equador”, afirma uma declaração escrita da Coordenação Equatoriana de Organizações para a Defesa da Natureza e do Meio Ambiente, uma coalizão de mais de 80 organizações ambientais equatorianas.

A declaração também disse que as alegações do governo de que a presidente da Fundação Pachamama, Belén Páez, enriqueceu injustamente carecem de uma “base factual ou legal” e são uma “estratégia deliberada” para intimidar e retaliar o trabalho legítimo de defesa ambiental. Páez também divulgou um comunicado negando as alegações do governo.

“Esta é a perseguição mais grave contra líderes ambientais e indígenas na história democrática do Equador. Não é coincidência que todos sejam vozes críticas contra o modelo extrativista e defensores dos direitos da natureza e dos povos”, aponta o comunicado da coalizão.

Fajardo afirma que não está claro qual autoridade legal o governo está usando para congelar contas bancárias, mas ele acredita que as autoridades podem estar usando a lei promulgada no final de agosto, que visa atingir fluxos financeiros para organizações sem fins lucrativos.

“A verdadeira intenção da lei não é controlar o capital ilícito”, explica Fajardo, “mas controlar as organizações sociais, especialmente aquelas envolvidas na defesa dos direitos humanos, da natureza e dos territórios contra o extrativismo.”

A pressão para mudar a Constituição

Desde que quantidades comerciais de petróleo foram descobertas na floresta amazônica do Equador em meados do século 20, a economia do país tem sido dominada pelas exportações do recurso, grande parte delas para o estado da Califórnia, nos EUA.
Em 2021, o governo tomou medidas para dobrar a produção de petróleo e agilizar o licenciamento para mineração.

Mesmo assim, os fortes movimentos indígenas e ambientais do Equador têm recorrido a seus direitos constitucionais para obter vitórias arduamente conquistadas que impedem esses planos.

Em 2019, por exemplo, comunidades indígenas Waorani derrotaram os planos do governo de leiloar direitos de petróleo em suas terras, citando uma violação de seu direito à consulta livre, prévia e informada.

Em 2023, os eleitores optaram por encerrar a produção de petróleo em um dos lugares ecologicamente mais diversos da Terra, fazendo um referendo nacional possibilitado por um direito constitucional a iniciativas cidadãs. O governo, no entanto, tem repetidamente atrasado a implementação, uma medida condenada por especialistas em direitos humanos.

Em março, grupos e ativistas indígenas obtiveram uma decisão histórica de um tribunal regional de direitos humanos contra o governo equatoriano envolvendo os direitos de povos indígenas não contatados, que têm estado sob crescente pressão de uma indústria petrolífera em expansão, apesar das proteções constitucionais explícitas.

Conta, membro dos grupos indígenas Tagaeri e Baihuaeri Waorani, comparece à Corte Interamericana de Direitos Humanos por meio de um vídeo pré-gravado em 23 de agosto de 2022. Foto: Cortesia da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Conta, membro dos grupos indígenas Tagaeri e Baihuaeri Waorani, comparece à Corte Interamericana de Direitos Humanos por meio de um vídeo pré-gravado em 23 de agosto de 2022. Foto: Cortesia da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Constituição do Equador de 2008 é também a primeira e única no mundo a reconhecer que a natureza tem direitos intrínsecos. Advogados como Fajardo, comunidades indígenas e ativistas ganharam dezenas de casos que reivindicam os direitos dos ecossistemas de existir e manter seus ciclos naturais.

Tudo isso está agora sob ameaça.

No início deste mês, um conselho eleitoral aprovou o pedido de Noboa para realizar um referendo perguntando aos eleitores se dão permissão para reescrever a Constituição. Essa votação será em 16 de novembro.

Noboa alega que uma nova constituição daria ao governo as ferramentas de que precisa para combater os cartéis de tráfico de drogas que têm inundado o país nos últimos anos.

Defensores ambientais e de direitos humanos descrevem a medida como uma desculpa para reverter o devido processo legal e as liberdades civis, centralizar o poder e abrir caminho para empresas de mineração e petróleo.

Alguns também veem isso como um eco das políticas do Presidente dos EUA, Donald Trump, para desmantelar as proteções ambientais e reprimir grupos de esquerda, o que sua administração afirma também estar sendo feito por razões de segurança nacional. Em abril, Noboa disse que o Equador acolheria a assistência militar norte-americana para combater grupos transnacionais de tráfico de drogas, incluindo a possibilidade de instalar bases militares permanentes dos EUA no país.

Alberto Acosta, economista equatoriano e ex-chefe do Ministério de Energia e Minas, afirmou em um comunicado escrito que o governo de Noboa se encontra em uma “encruzilhada”, com o aumento do desemprego e da pobreza, queda na popularidade e “protestos populares mais do que justificados, aos quais ele está respondendo com violência sem precedentes”.

“Agora, incapaz de controlar totalmente o Tribunal Constitucional”, acrescentou Acosta, “ele está optando por disparar o que parece ser, por enquanto, seu último tiro: a Assembleia Constituinte… um tiro que pode muito bem sair pela culatra”.

Uma repressão crescente

Governos equatorianos sucessivos tentaram silenciar ativistas indígenas e ambientais, mas isso se intensificou desde que Noboa assumiu o cargo, em novembro de 2023.

Em 2024, promotores apresentaram acusações de terrorismo contra mais de 70 defensores ambientais e de direitos humanos em Palo Quemado, lar de oito comunidades indígenas, após protestos contra outro projeto de mineração canadense. O governo mobilizou centenas de policiais e militares, levando a confrontos onde os oficiais dispararam balas de borracha e liberaram gás lacrimogêneo, deixando pelo menos 15 membros da comunidade feridos, de acordo com um comunicado divulgado por uma coalizão de organizações de direitos humanos e ambientais.

Na região de Las Naves, naquele ano, o governo sentenciou seis defensores de direitos humanos à prisão e os ordenou a pagar centenas de dólares em multas a outra empresa de mineração canadense por supostamente conspirar para danificar a propriedade da empresa, acusações que os defensores negaram. Grupos de direitos humanos criticaram as ações judiciais, alegando que o governo excluiu evidências importantes e bimpediu observadores independentes de monitorar o julgamento.
As tensões aumentaram nas últimas semanas.

Em 22 de setembro, forças de segurança atiraram balas de borracha e gás lacrimogêneo em manifestações pacíficas indígenas na província de Imbabura, onde Fueres foi morto no domingo, de acordo com um comunicado do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas.

Manifestantes no Equador carregam um cartaz com os dizeres “Não somos terroristas, somos um povo organizado”, no sábado. Foto: Cortesia da CONAIE.

Manifestantes no Equador carregam um cartaz com os dizeres “Não somos terroristas, somos um povo organizado”, no sábado. Foto: Cortesia da CONAIE.

Pelo menos 13 manifestantes indígenas, membros do povo Kichwa Otavalo, foram detidos e acusados de crimes relacionados ao terrorismo que as organizações indígenas chamaram de “arbitrários”, disse o comunicado da ONU.

Os detidos foram transferidos para uma das prisões de segurança máxima do Equador, conhecida por encarcerar membros violentos de grupos criminosos transnacionais. A federação Chijallta FICI disse que outras pessoas que resistiram à repressão governamental ficaram feridas e precisaram de assistência médica.

O governo também tem visado jornalistas.

Na quarta-feira, a administração de Noboa suspendeu as operações de uma organização de mídia indígena e comunitária conhecida como TV MICC, citando preocupações de segurança nacional.

No domingo, o grupo equatoriano de direitos humanos Inredh e a CONAIE disseram que moradores locais na província de Imbabura, onde Fueres foi morto, relataram que suas conexões de internet e telefone haviam sido cortadas.

Astrid Puentes Riaño, relatora especial das Nações Unidas sobre direitos humanos e meio ambiente, classificou os ataques como “preocupantes” e defendeu que os governos “têm a obrigação de garantir um ambiente seguro para os defensores e garantir seus direitos humanos”.

Ela e outros especialistas em direitos humanos disseram que estão revisando a situação.
Enquanto isso, Fajardo alerta temer que o Equador esteja prestes a entrar em uma era de repressão violenta contra defensores indígenas, sociais e ambientais.

“Eu sou uma pessoa muito normal, um advogado pobre. E não sei o que vou fazer”, constatou o advogado.

 

Este texto foi publicado em colaboração com Inside Climate News. Clique aqui para acessar a versão em espanhol.

Texto: Katie Surma e Marcos Colón
Tradução e revisão: Juliana Carvalho
Montagem da página e acabamento: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón

Você pode gostar...

Acesse gratuitamente

Deixe seu e-mail para receber gratuitamente a versão digital do livro e ampliar sua leitura crítica sobre a Amazônia e o Brasil.

Download Livro

Este conteúdo é parte do compromisso da Amazônia Latitude de tornar visíveis debates e pesquisas sobre a Amazônia e o Brasil. Continue explorando conteúdos no site e redes sociais e, se quiser fortalecer esse trabalho independente, considere apoiar via pix: amazonialatitude@gmail.com.

Translate »