Para proteger povos isolados, Equador é condenado a parar exploração de petróleo

A Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que o governo equatoriano violou os direitos dos povos indígenas isolados que vivem na Floresta Amazônica

Conta, membro dos grupos indígenas Tagaeri e Baihuaeri Waorani, comparece à Corte Interamericana de Direitos Humanos por meio de um vídeo pré-gravado em 23 de agosto de 2022. Foto: Cortesia da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Conta, membro dos grupos indígenas Tagaeri e Baihuaeri Waorani, comparece à Corte Interamericana de Direitos Humanos por meio de um vídeo pré-gravado em 23 de agosto de 2022. Foto: Cortesia da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Conta, membro dos grupos indígenas Tagaeri e Baihuaeri Waorani, comparece à Corte Interamericana de Direitos Humanos por meio de um vídeo pré-gravado em 23 de agosto de 2022. Foto: Cortesia da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Conta, membro dos grupos indígenas Tagaeri e Baihuaeri Waorani, comparece à Corte Interamericana de Direitos Humanos
por meio de um vídeo pré-gravado em 23 de agosto de 2022. Foto: Cortesia da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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Povos que vivem isolados na Amazônia equatoriana celebram uma decisão inédita: pela primeira vez um tribunal internacional questionou se um governo realmente está fazendo o possível para proteger povos que vivem isolados em florestas e selvas do mundo.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu na última quinta-feira, 13 de março, que o Equador violou os direitos dos povos indígenas isolados que vivem na floresta amazônica, um resultado histórico que atinge a poderosa indústria petrolífera do país.

O tribunal, com sede na Costa Rica, decretou que o governo equatoriano tome as medidas necessárias para garantir que qualquer futura expansão ou renovação das operações petrolíferas não afete comunidades indígenas que vivem em isolamento voluntário, um termo usado para descrever os povos originários que rejeitam ou não tiveram contacto com o mundo exterior.

Na Amazônia equatoriana existem pelo menos três grupos: os Tagaeris, os Taromenanes e os Dugakaeris. O tribunal decidiu que o governo equatoriano violou os direitos destes grupos ao permitir a perfuração de poços em regiões do Parque Nacional Yasuní onde se sabe que vivem grupos isolados.

Parque Nacional Yasuní. Foto: Fernanda LeMarie / Cancillería del Ecuador / Wikimedia Commons.

Parque Nacional Yasuní. Foto: Fernanda LeMarie / Cancillería del Ecuador / Wikimedia Commons.

Segundo a decisão, o Equador deve respeitar os resultados do referendo realizado em 2023, no qual a população optou por interromper indefinidamente as operações petrolíferas naquela região.

Os juízes enfatizaram que os povos indígenas que vivem em isolamento voluntário são especialmente vulneráveis ​​aos impactos no seu ambiente. Portanto, qualquer atividade que possa afetar os seus territórios, como a prospecção de petróleo, deve ser cuidadosamente avaliada.

O tribunal decidiu que o governo equatoriano aplique o “princípio da precaução” ao tomar decisões sobre futuras operações petrolíferas:

Mesmo na ausência de certeza científica sobre o impacto do seu território por projetos de exploração e exploração de petróleo, devem ser adotadas medidas eficazes para prevenir danos graves ou irreversíveis, que neste caso seriam o contacto destas populações isoladas”.

Esta é a primeira vez que um tribunal internacional questiona se um governo fez o suficiente para proteger os direitos das pessoas que vivem em isolamento voluntário, reconhecendo não apenas os direitos aos seus territórios físicos, mas também à preservação da sua identidade cultural, saúde, segurança alimentar, habitação e ambiente necessários à preservação de uma vida digna.

O tribunal também decidiu que o Governo do Equador tome medidas para evitar que terceiros – como madeireiros ilegais – invadam terras indígenas e ponham em risco o direito destes grupamentos humanos em permanecer isolados, reconhecido por vários tratados internacionais.

Para fazer isso, ele sugere que o Equador expanda uma área de floresta tropical de 6.000 quilômetros quadrados e sua “zona tampão circundante”, ou seja, uma área de 10 quilômetros de circunferência em volta dos territórios onde vivem povos isolados e onde deve ser proibida qualquer atividade, mesmo as extrativistas.  

De acordo com a decisão, houve vários avistamentos de grupos isolados deslocando-se para fora desta área, chamada Zona Intangível Tagaeri-Taromenane (ZITT), e, ainda assim, as operações petrolíferas estão cada vez próximas desta área que deveria ser resguardada.

A Procuradoria-Geral do Estado do Equador, que defendeu o governo equatoriano no caso, não respondeu aos nossos pedidos de comentários.

Os Dugakeri, Tagaeri e Taromenane são os últimos povos indígenas não contatados que restam no Equador. Os três grupos são considerados clãs do povo Waorani. Eles, junto com os Waorani recentemente contatados, vivem dentro e ao redor da Zona Intangível do Equador, uma área de conservação estabelecida para proteger os não contatados. Fonte: Markusquit / Wikimedia Commons.

Os Dugakeri, Tagaeri e Taromenane são os últimos povos indígenas não contatados que restam no Equador. Os três grupos são considerados clãs do povo Waorani. Eles, junto com os Waorani recentemente contatados, vivem dentro e ao redor da Zona Intangível do Equador, uma área de conservação estabelecida para proteger os não contatados. Fonte: Markusquit / Wikimedia Commons.

Meninas indígenas atacadas

O tribunal observou que o governo do Equador violou múltiplos direitos de duas meninas isoladas que sobreviveram a um ataque violento à sua comunidade em 2013. Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a integridade pessoal das vítimas, a preservação da identidade cultural, a oferta de cuidados de saúde adequados e a garantia de participação nas decisões que as afetam são alguns dos direitos que foram violados.

Além disso, diante do caso de contato forçado e violento, segue a decisão, o estado do Equador não teria agido a contento para proteger as vítimas e suas comunidades.

A decisão também afeta outros grupos indígenas, isolados ou recentemente contatados, que partilham territórios com os Tagaeris, Taromenanes e Dugakaeris.

É o caso dos dos Baihuaeris de Bameno, um subgrupo do povo Huaorani, que compartilham o mesmo idioma e cultura com povos isolados da região e cujo território ancestral está localizado na Zona Intangível.

O líder tradicional dos Baihuaeris, Penti Baihua, exigiu que o governo se reunisse com as comunidades Huaorani recentemente contactadas e as incluísse nos debates sobre a proteção da floresta e dos povos indígenas ainda isolados.

As políticas governamentais que afetam a região, diz Baihua, devem respeitar os direitos e a cultura de todos os Huaorani.

“O governo diz maravilhas sobre a proteção do território, mas o que ele vai fazer para obedecer de verdade essa decisão? O Governo continua a permitir que as empresas petrolíferas se aprofundem cada vez mais na floresta. Nós também vivemos aqui. A floresta está aqui porque nós a temos protegido durante várias gerações”.

As Nações Unidas estimam que cerca de 200 comunidades indígenas vivam em isolamento voluntário em pelo menos nove países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Índia, Indonésia, Papua Nova Guiné, Peru e Venezuela.

Missionários e petroleira expulsaram povos isolados

Todos os Huaorani viveram isolados na Amazônia equatoriana até o final da década de 1950, quando missionários cristãos americanos começaram a forçar o contato para evangelizá-los.

Alguns anos mais tarde, a empresa petroleira Texaco colaborou com os missionários para acelerar a sua campanha de contato forçado e expulsar os povos indígenas das suas terras ricas em petróleo.

Desde então, as operações da indústria petrolífera penetraram mais profundamente nos territórios dos povos indígenas, deslocando algumas comunidades e expulsando os isolados e os recém-contatados para uma área cada vez menor de floresta partilhada.

Isto colocou uma enorme pressão sobre as comunidades Huaorani, que precisam de grandes territórios para sobreviver e ter acesso à sua cultura, que depende em grande parte da existência da floresta e de rios e fontes de água limpos.

A indústria petrolífera, incluindo a Texaco (agora Chevron), despejou intencionalmente enormes quantidades de poluição no ar, na água e no solo da região, de acordo com documentos judiciais e vários relatórios.

Ela também abriu estradas que penetram em regiões anteriormente inacessíveis à colonização e a outras atividades extrativas, como a exploração madeireira e a mineração ilegal.

Penti Baihua, um indígena waorani, comparece à Corte Interamericana de Direitos Humanos em 23 de agosto de 2022 para uma audiência no primeiro caso judicial sobre os direitos dos povos indígenas não contatados. Crédito: Cortesia da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Penti Baihua, um indígena waorani, comparece à Corte Interamericana de Direitos Humanos em 23 de agosto de 2022 para uma audiência no primeiro caso judicial sobre os direitos dos povos indígenas não contatados. Crédito: Cortesia da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Armas X lanças: a guerra desigual

Desde 2003, ocorreram vários assassinatos cometidos por madeireiros ilegais, que utilizam armas de fogo contra indígenas isolados que defendem seus territórios com lanças.

Em 2006, os activistas Fernando Ponce Villacís, Raúl Moscoso, Juan Guevara e Patricio Asimbaya apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos alegando que o governo equatoriano tinha violado os direitos dos Tagaeris e Taromenanes ao não salvaguardar os seus territórios.

A comissão, com sede em Washington, é um órgão independente da Organização dos Estados Americanos que investiga queixas apresentadas contra os seus Estados membros. Portanto, ajuda os governos a cumprir as suas obrigações em matéria de direitos humanos.

Ela também pode encaminhar casos para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que admite casos movidos contra governos que reconheceram sua jurisdição contenciosa. O Equador é um dos 20 países da América que o fizeram.

Em resposta à petição, a comissão exigiu que o governo equatoriano implementasse medidas para proteger as vidas e os territórios dos Tagaeris e dos Taromenanos e, em 2007, demarcou a Zona Intangível, uma extensão de floresta tropical fechada às atividades extrativas em benefício de grupos isolados.

O governo também montou um posto de controle em um rio usado para acessar áreas remotas da floresta amazônica.

Especialistas em direitos humanos criticaram as medidas tomadas, dizendo que elas foram concebidas para agradar à indústria petrolífera.

Sabe-se que grupos isolados, por exemplo, se deslocam para fora da Zona Intangível, mas as autoridades não a expandiram para refletir essa realidade.

Em 2013, o governo equatoriano ajustou discretamente os mapas oficiais que designavam para onde se sabia que os grupos isolados se moviam.

Os novos mapas indicavam, sem justificativa, que não passavam mais por uma área rica em petróleo bruto, onde estão localizados os campos petrolíferos de Ishpingo, Tambococha e Tiputini. O governo anunciou então que começaria a perfurar esses campos.

Nesse mesmo ano, ocorreram dois outros ataques violentos contra grupos isolados, incluindo um massacre de cerca de 30 pessoas. As duas meninas sobreviventes mencionadas na decisão da última quinta-feira, que tinham então cerca de 2 e 6 anos de idade, vivem agora em diferentes partes da Amazônia equatoriana.

Em 2020, a Comissão Interamericana remeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja decisão foi proferida na última quinta-feira.A entidade ainda solicitou que o governo equatoriano a mantenha informada sobre as medidas que tomará para cumprir a decisão da corte internacional.

 

Este texto foi publicado em colaboração com Inside Climate News. Clique aqui para acessar a versão em espanhol.

Katie Surma é repórter do Inside Climate News, focando em direito e justiça ambiental internacional. Antes de se juntar ao ICN, ela exerceu a advocacia, especializando-se em litígios comerciais. Ela também escreveu para diversas publicações, e suas histórias apareceram no Washington Post, USA Today, Chicago Tribune, Seattle Times e The Associated Press, entre outros. Katie tem um mestrado em jornalismo investigativo da Escola de Jornalismo Walter Cronkite da Universidade Estadual do Arizona, um LLM em direito internacional e segurança da Faculdade de Direito Sandra Day O’Connor da mesma universidade, um JD da Universidade de Duquesne, e foi licenciada em História da Arte e Arquitetura na Universidade de Pittsburgh. Katie vive em Pittsburgh, Pensilvânia, com seu marido, Jim Crowell.

Tradução: Glauce Monteiro
Montagem da página e acabamento: Alice Palmeira
Revisão: Glauce Monteiro
Direção: Marcos Colón

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