Equador e a maldição dos recursos naturais
Equador atravessa maré política marcada pelo autoritarismo e a subordinação ao poder corporativo. O economista Alberto Acosta analisa o que se oculta por trás dos resultados eleitorais e do novo mandato de Daniel Noboa


O Equador enfrenta momento político marcado pelo avanço do militarismo, do roubo e da repressão. Foto: Salgado Albán / Entre Pueblos.

No Equador, chegou ao fim um processo eleitoral sem precedentes. Em 2023, a “morte cruzada”, marcada pela dissolução da Assembleia Nacional, forçou a antecipação das eleições presidenciais e legislativas, convocadas para cumprir o restante do mandato. O processo caminhou para um novo pleito para o início de 2025.
No primeiro turno, em 9 de fevereiro, o presidente interino Daniel Noboa — herdeiro de uma das maiores fortunas do país — e Luisa González, representante do campo progressista, conseguiram 88% dos votos. Esse domínio também se refletiu no Parlamento: correístas1Pessoa ou grupo político que apoia ou faz parte do projeto liderado por Rafael Correa, presidente do Equador entre 2007 e 2017. O correísmo defende forte intervencionismo estatal e programas sociais que reduziram a pobreza e melhoraram saúde, educação e infraestrutura. e noboístas somam 133 das 151 cadeiras (67 e 66, respectivamente). No segundo turno, em 13 de abril, Noboa venceu por uma margem de 11%, levando 19 das 24 províncias.
A lista de erros da candidatura correísta é extensa, tão grande quanto o número de abusos e ilegalidades praticadas pelo candidato presidencial. A manipulação do medo, alimentado com o apoio da grande mídia, estimulou o conservadorismo em grandes segmentos da população. Por sua vez, o progressismo, em sua prepotência, demonstrou sua incapacidade de fazer uma autocrítica e corrigir os rumos. Uma análise detalhada do ocorrido permitiria compreender melhor as razões desse resultado surpreendente.
Ressaltando a inaptidão de ambos os candidatos de propor um projeto nacional esperançoso, é fundamental levar em conta a grave crise que o Equador atravessa. O gerenciamento falho da pandemia de COVID-19, assim como a política econômica dos últimos anos — que busca reduzir o tamanho do Estado — e o avanço do tráfico de drogas deram celeridade à deterioração. Em pouco tempo, o país se transformou em uma forte base do crime organizado, alcançando os maiores níveis de violência da região.
Além disso, a austeridade causada pelo neoliberalismo impacta quase todos os aspectos da vida nacional. A um cenário de mais pobreza e desemprego, com uma crescente concentração da riqueza, somam-se os estragos causados por uma temporada de chuvas atípicas. Acrescenta-se, ainda, o impacto da militarização da sociedade decretada pelo presidente Noboa no início de 2024, que avança com inúmeras violações de Direitos Humanos; acompanhado de um populismo penal exacerbado, que conta com amplo apoio social.
Neste contexto, com a economia em colapso, impostos e preços de combustíveis nas alturas, racionamento de energia agressivo e evitável, uma política repressiva que já levou a mais de vinte desaparecimentos, uma violência criminal fora de controle e uma sistemática violação das normas jurídicas, é surpreendente o apoio que Noboa conquistou nas urnas. Impressiona também a fraqueza de González que, mesmo após firmar alianças com a cúpula do Pachakutik, partido indígena, e outros grupos de esquerda, foi incapaz de propor respostas unificadoras para enfrentar o poder oligárquico.

Em 13 de abril de 2025, um total de 189.654 equatorianos residentes na Espanha estavam habilitados para exercer seu direito ao voto no segundo turno das Eleições Gerais do Equador, para escolher a chapa presidencial da legislatura 2025-2029. Fotografia: Salgado Albán / Entre Pueblos.
Não há dúvida de que o jogo foi manipulado, como em tantas outras ocasiões na história recente. Mas há um longo caminho até aceitar, sem critérios, a suspeita de ‘megafraude’ levantada pela chapa derrotada. A manipulação fraudulenta das atas eleitorais precisa ser comprovada, não apenas afirmada. Embora possa-se afirmar que a fraude é de outro tipo.
No processo eleitoral, Noboa desrespeitou sistematicamente a Constituição e a Lei — por exemplo, não transferiu a Presidência para a vice — contando com a cumplicidade de uma instituição eleitoral totalmente submissa. Criou um ambiente ainda mais hostil recorrendo a novos estados de exceção. Abusando dos recursos públicos, “comprou votos”, seja por meio de bônus, bolsas, subsídios de eletricidade ou doação de alimentos.
Leituras simplistas de um confronto de “direita vs. esquerda” não se aplicam aqui. Sem negar o perfil de direita autoritária do presidente reeleito, é fundamental entender que as duas forças políticas, apesar terem alguns discursos e posições divergentes, estão no mesmo trem rumo à modernização do capitalismo. Definitivamente, não basta caminhar em direções opostas nos corredores do trem, acreditando que isso trará mudanças revolucionárias.
Em meio a uma campanha marcada por agressões e ataques pessoais, com propostas praticamente ausentes, as semelhanças se evidenciaram. Ambos os candidatos assinaram um documento anti direitos, ao mesmo tempo em que aderiram a posições contrárias às demandas dos movimentos feministas e das minorias sexuais; e propuseram uma Assembleia Constituinte, ameaçando os avanços constitucionais de 2008. Da mesma forma, para enfrentar a crescente onda de insegurança, os dois candidatos concordaram em usar a mão pesada e, até mesmo, optaram por recorrer a pessoas ligadas a práticas mercenárias – ele com um norte-americano; ela, que propôs a Trump expulsar os venezuelanos, com um equatoriano.
Economicamente, os dois se baseiam fortemente no extrativismo. Embora pareça surpreendente, os grandes grupos de poder econômico alinharam-se a ambos os lados do tabuleiro eleitoral — seja porque lucraram durante o governo Correa e têm receio da ganância desmedida do atual mandatário e de sua família, seja porque estão confiantes de que se beneficiarão de um governo abertamente pró-mercado. Os dois concorrentes defenderam a dolarização, que se transformou no grande totem da economia equatoriana. Um ponto bastante explorado na campanha de Noboa, que usou o lema “Luisa vai desdolarizar”, lembrando que alguns líderes correístas foram críticos ferrenhos dessa medida monetária.
Um aspecto chave a ser considerado, tendo em conta que esta é a primeira eleição presidencial na América Latina na recente era Trump, é a postura abertamente subserviente de Noboa em relação ao gigante do norte. No início de sua gestão, ele tentou entregar armas de origem russa e ucraniana aos EUA — que supostamente as enviariam para a Ucrânia — em troca de novas armas norte-americanas. Negou com veemência reconhecer o governo de Nicolás Maduro, na Venezuela — país que pairou pela campanha como um fantasma criado pela direita — e apoiou o governo Netanyahu. Acima de tudo, Noboa está determinado a permitir o envio de tropas americanas para território equatoriano sob o pretexto de combater o narcotráfico.
Em suma, o neoliberalismo, que anda de mãos dadas com a militarização, atua como um freio que afeta a democracia. Nesse contexto, os movimentos populares não encontram trégua para enfrentar a ganância dos poderosos. Tarefa que exige unidade, clareza e criatividade.
Este texto foi publicado em colaboração com o portal Entre Pueblos.
Alberto Acosta é economista equatoriano e foi presidente da Assembleia Constituinte do Equador.
Montagem da página, tradução e finalização: Alice Palmeira
Revisão: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón