O extinto lixão de Altamira: promessas e gritos de resistência de uma tragédia anunciada
Na terceira parte da fotorreportagem sobre Belo Monte, Anderson Barbosa documenta um lixão em Altamira, mostrando as pessoas que trabalhavam lá e a realidade enfrentada
Altamira (PA) passou por um acelerado processo de crescimento populacional devido às obras da hidrelétrica de Belo Monte iniciadas em junho de 2011. Apenas 11 meses após o início das construções, a cidade saltou de 45 mil para 140 mil habitantes, segundo dados da prefeitura da cidade. Com o crescimento, o surgimento de adversidades sociais e estruturais tornaram-se inevitáveis.
Problemas incluíam o abastecimento de energia, o qual não foi adaptado para atender o aumento populacional da cidade; tráfego intenso de veículos; aumento no preço de alimentos e de aluguéis, que saltou quase 400%; além do tráfico, consumo de drogas e pequenos furtos que começaram a ser corriqueiros na cidade.
Para justificar a construção da usina, o Consórcio Construtor Belo Monte e a Norte Energia argumentaram que a obra foi assimilada por boa parte da população local e que seriam atraídos investimentos e, consequentemente, mais desenvolvimento. No entanto, o cenário atual é de falta de estrutura de um povo que mantém vivo o desejo da abertura da rodovia Transamazônica, uma obra iniciada na década de 1970, quando Altamira era considerada a capital da rodovia.
A cidade não abriu vagas suficientes no mercado de trabalho para o cidadão local poder sobreviver na cidade. A maioria dos trabalhadores que atuaram na construção de Belo Monte eram de outros estados. Conhecidos como barrageiros, os trabalhadores vieram de outras hidrelétricas e grandes construções pesadas. Um estudo do Ministério Público Federal do Pará apontou que apenas 40% da mão de obra era local; 60% vinha de mão de obra migratória. O impacto na economia local não foi capaz de suprir a necessidade dos trabalhadores da região. Somado ao histórico de abandono, muitas famílias viviam da coleta de material reciclável, preferencialmente retirados do lixão da cidade, que esteve ativo por cerca de 30 anos.
O fotojornalista Anderson Barbosa conheceu a história de Irene, que diariamente retirava do lixão latinhas de alumínio e embalagens plásticas que lhe garantiam renda. Irene, na época, vivia sozinha em uma pequena casa no bairro da Liberdade, próximo a 15 minutos do lixão, em uma casa alugada por R$80,00 mensais. Mãe de 8 filhos, 7 homens e 1 mulher, todos casados, Irene trabalhava na lavoura de cacau na cidade de Senador José Porfírio (PA). Ela foi embora porque não aguentava mais o marido que sempre chegava alcoolizado em casa e a agredia. Seus filhos ainda trabalham na coleta de cacau em fazendas da região. A filha, na época, vivia em Vitória do Xingu e era casada e trabalhava como diarista.
Em julho de 2012, a Norte Energia havia iniciado um curso de capacitação para todas as pessoas que trabalham no lixão, que contava com noções de cooperativa e administração e operação de máquinas prensa para fazer os fardos com o material recolhido e todo selecionado, devidamente separados.
Algumas pessoas tinham receio deste curso porque não confiavam nas propostas da empresa e que poderiam ganhar menos no final do mês, devido aos custos que acarretam o funcionamento de uma cooperativa. No lixão de Altamira, cada um administrava sua própria produção e como vendia. Há alguns casos em que duas famílias trabalham juntas e dividem o lucro. Como não tinha gastos, o lucro era praticamente bruto e dividido 50% para cada.
O curso oferecido pela Norte Energia não seguiu adiante por um tempo devido a desconfiança dos catadores, desconfiança esta que foi abalada com os protestos de pescadores, indígenas que ocuparam por 2 vezes os canteiros de obra da usina reivindicando o atendimento que havia sido firmado entre o consórcio, Ibama e Funai para o início das obras e depois com a greve dos operários que culminou em três dias que quebradeiras dentro de dois dos 3 principais canteiros de obra, Belo Monte e Sitio Pimental, causando enormes danos ao consórcio, com alojamentos destruídos e maquinário incendiado.
Devido a estes protestos, os trabalhadores do lixão se sentiram desmotivados a continuar o curso, temendo que o consórcio não atenderia tudo o que era oferecido. Tempos depois, a cooperativa foi firmada, em parceria entre a prefeitura de Altamira, Norte Energia, oferecendo cursos de capacitação administrativa e operação de empilhadeira para os trabalhadores.
Dona Irene estava entre as que não seguiram o curso por desconfiança e preferiu seguir trabalhando sozinha, no máximo com a ajuda dos outros companheiros do lixão. Em janeiro de 2014, ela havia passado a trabalhar numa tradicional feira da cidade, vendendo cosméticos aos finais de semana e durante a semana, no mercado do produtor, na região central da cidade, trabalhando para um feirante de legumes.
O lixão de Altamira fechou em 2013, após prazo final do Ministério do Meio Ambiente, para que todas as cidades desativassem os lixões em todo país.
No final de 2019, a última turbina de Belo Monte teve autorização para funcionamento, o evento teve a presença de Jair Bolsonaro e um imenso aparato de segurança. À margem da festa das megaobras de infraestrutura, uma série de condicionantes não foram cumpridas, como o saneamento básico e fornecimento de água tratada e, cerca de 400 famílias do bairro Independente I, que seguem na luta para serem reconhecidas como atingidas pelas obras , reivindicando o atendimento pela Norte Energia.
Veja as outras fotorreportagens:
Belo Monte pelas lentes de Anderson Barbosa
A relação do ribeirinho com os rios que cortam Altamira