Rosani Fernandes

Kaingang, educadora, militante em Direitos indígenas, doutora em Antropologia Social e mestra em Direito. Fundadora da Associação dos Professores Indígenas do Sul e Sudeste do Pará.

Nunca mais um Brasil sem nós, grupos sociais discriminados Brasil afora

Representantes populares de diversas origens passaram a faixa ao presidente Lula em seu terceiro mandato como presidente. - Foto: Tânia Rego/Agência Brasil - 1º/jan/2023

Indescritível foram/são a emoção e o choro de alegria, de esperança e de alívio por termos vencido nas urnas o ódio. Vencemos a mentira, os ataques à democracia, o desprezo às diferenças e às diversidades registradas pelo (des)governo entre 2019 e 2022. Resistimos ao anti-indigenismo pois, como “prometido”, nenhum milímetro de terra indígena foi demarcado na gestão do inominável destruidor de vidas e sonhos.

Quando examinamos as imagens do dia 1º de janeiro de 2023 relativas ao cerimonial/ritual de posse do presidente da República democraticamente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, é impossível conter as lágrimas.

Nossas memórias afetivas são afloradas tanto pela simbologia do ato, como pelo respeito à diversidade das gentes que compõem “o cenário e as coxias” que, mesmo invisíveis à primeira vista, integram o Brasil que se quer plural e sem desigualdades.

Ao sair do Congresso Nacional as mudanças se anunciavam aos poucos. Primeiro, a valorização das mulheres ao lado dos dirigentes –e não às costas, como se fossem pessoas menores.

Depois, ao descer do carro oficial, passaram à frente de seus companheiros. Ao se posicionarem para subir a rampa, uma surpresa: Lula ladeado por pessoas do povo que representam o quão diversos somos e como é possível materializar o lugar que a diversidade possui na nova gestão da República.

A presença do cacique Raoni Metuktire, do povo Kayapó, liderança indígena respeitada mundialmente, se reveste política e pedagogicamente de significado ímpar. É importante para nós, indígenas e aliadas(os), mas sobretudo para as(os) brasileiras(os).

Raoni representa a força e a resistência dos povos indígenas ao etnocídio e ao genocídio durante os cinco séculos de políticas colonialistas, marcadas pelo racismo que insiste em nos matar –indígenas e não-indígenas.

Ele simboliza o respeito ao artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e aos demais artigos constitucionais que nos retiraram da lama que os tempos ditatoriais laçaram em nossos rostos; período que custou caro aos movimentos sociais e indígenas.

Raoní e os demais representantes dos grupos sociais discriminados pelo Brasil afora permitem-nos confiar que as pautas indígenas e da diversidade serão prioridades nos próximos anos.

Reflitam conosco. Raoní representa o poder dos povos indígenas, mas Lula e sua equipe deram demonstração de conhecimento político, pois agregaram maior simbolismo à posse ao chamar Aline (33, catadora), Flávio (50, artesão), Francisco (10, estudante), Ivan (24, influencer), Jucimara (45, cozinheira), Murilo (28, professor) e Weslley (36, metalúrgico).

Observem, a multiplicidade de profissionais contempladas, as idades diferenciadas dos participantes e a origem diversa das pessoas. Lula não esqueceu as suas origens e valorizou as(os) aliadas(os). Mulheres e homens indicando ao mundo que o equilíbrio de gênero e a diversidade devem prevalecer na composição das equipes.

Lula é sem sombra de dúvida o maior estadista do Brasil. Destacamos Raoni entre as(os) parceiras(os) do presidente porque o cacique relembra as origens e simboliza a força coletiva dos movimentos indígenas na defesa de direitos, tradições e sobretudo das Amazônias, que é abrigo de centenas de povos tradicionais.

Com seus mais de 90 anos (sua data de nascimento é imprecisa, por volta de 1930), tendo perdido sua esposa em 2020 e vencido a pandemia que devastou famílias, o cacique é ícone da potência da ancestralidade, do protagonismo indígena que insiste em “resistir para existir”.

Raoni luta há quase um século. Respeitá-lo e tomá-lo como exemplo é imprescindível, não apenas por demarcar o lugar dos povos originários, mas por ofertar ao povo brasileiro condições de dizer “nunca mais um Brasil sem nós”, como quer a ministra Sônia Guajajara.

O “nós” possui longo alcance, pois indica o caminho do Brasil ardentemente desejado, enlaçando filhas e filhos com Justiça. Ao viver o momento histórico, nos vimos subindo a rampa do Planalto e bradamos: Democracia sempre!

Rosani de Fátima Fernandes é Kaingang, mãe do Idjarrury e da Tyihaneti e esposa do Ubiratan. Educadora e militante em Direitos Indígenas, é doutora em Antropologia Social, mestra em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e graduada em Pedagogia. Trabalha há cerca de três décadas na educação básica, na formação de educadores indígenas e não indígenas nas temáticas da diversidade, etnicidade e relações étnico-raciais. Reside no estado do Pará desde 2004, onde assessora a Comunidade e a Associação Kyikatêjê Amtàti. É uma das fundadoras e vice-presidenta da Associação dos Professores Indígenas do Sul e Sudeste do Pará (Apisspa), coordena o Grupo de Trabalho de Educação Escolar Indígena (GTEEI) do Fórum Regional de Educação do Campo (Frec). Está em estágio de pós-doutoramento na Clínica de Direitos Humanos da Amazônia (CIDHA/UFPA).
Jane Felipe Beltrão Antropóloga, Docente titular da UFPA e pesquisadora 1B do CNPq.
Colunistas têm liberdade para expressar opiniões pessoais. Este texto não reflete, necessariamente, o posicionamento da Amazônia Latitude.
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