Conheça o trabalho de três jovens indígenas que tentam adiar o fim do mundo

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Cobertura da terceira Marcha de Mulheres Indígenas. Foto: Isaka Huni Kuin.
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Cobertura da terceira Marcha de Mulheres Indígenas. Foto: Isaka Huni Kuin.

Segundo o relatório Estado dos Povos Indígenas no Mundo da Organização das Nações Unidas (ONU), os indígenas representam 5% da população mundial e ocupam 28% da superfície terrestre, que abriga 80% da biodiversidade do planeta. Apesar de estarem em menor número, são responsáveis pela preservação e proteção das florestas. No entanto, só é possível acreditar que isso pode continuar se houver o enfrentamento de ameaças à sobrevivência dessa população.

Devido à exploração desenfreada dos recursos naturais, desmatamento, violências e atividades econômicas predatórias, todo o apoio para que a floresta permaneça de pé tem sido ameaçado.

O escritor indígena Ailton Krenak tem assumido há anos um discurso sobre a importância do fim do mundo ser adiado. Mas que fim é esse? Voltando no tempo, em 1500, quando os portugueses chegaram ao Brasil, não descobriram um território “novo”, pois ele já era uma terra indígena. Porém, negou-se esse direito aos habitantes que aqui estavam.

Desde então, etnias de todo o território brasileiro lutam pela permanência em terras que sempre foram suas. É pensando nesse processo histórico que jovens indígenas têm refletido sobre como podem preservar seus conhecimentos tradicionais e defender seus territórios e comunidades. Assim, essa juventude assume a linha de frente contra o apagamento de sua história e reescreve novos capítulos.

Floresta em pé

Um dos jovens que escreve sobre seu povo de uma maneira diferente é Samuel Arara (22), pertencente aos Shawãdawa. À procura de evidenciar mais sua cultura, ele se divide entre a cidade, devido à faculdade, e a aldeia Terra Indígena Arara/ Igarapé Humaitá, localizada em Cruzeiro do Sul (AC).

O estudante de Engenharia Florestal escolheu um curso que carrega um pouco de sua preocupação enquanto jovem ativista, indígena, ambientalista e comunicador. Desde a infância, ele tem absorvido de seus ancestrais a importância de proteger e preservar a natureza, desenvolvendo uma profunda conexão com a terra e sua comunidade. Isso tem sido sua motivação.

Formação em Comunicação em Orçamento e Direitos para a Juventude Indígena do Norte

Formação em Comunicação em Orçamento e Direitos para a Juventude Indígena do Norte, em Brasília (DF). Foto: DG do Tapajós.

De acordo com Arara, os povos originários são essenciais para a manutenção das florestas em pé, que representam uma riqueza pluricultural e ambiental única. A percepção de sua importância na diversidade da região amazônica, por exemplo, muitas vezes é inadequada, por não haver espaço em termos de direitos. “Nossa sabedoria ancestral desempenha um papel crucial na preservação ambiental, oferecendo práticas sustentáveis e conhecimentos valiosos sobre a biodiversidade da Amazônia. No entanto, a ausência do reconhecimento e respeito por nossas tradições, costumes e crenças contribui para a perpetuação da desigualdade e discriminação dos povos indígenas”, reflete.

Ecoar a mensagem de preservação pelo mundo tem sido a missão de Arara, comunicando nos mais diversos eventos climáticos e de biodiversidade. “Participei de eventos a nível nacional, como a Cúpula da Amazônia, onde tive a oportunidade de contribuir e levar nossa voz enquanto povo indígena, enquanto juventude, sobre o papel que exercemos no cuidado com o planeta. Assim, novas gerações vão conseguir tomar uma água saudável, plantar num solo saudável, ver um animal da floresta”, explica.

Olhares que reflorestam

Carol Puyanawa (24) passou a se engajar na luta indígena há cerca de quatro anos e atua em sua aldeia de forma direta, trabalhando com plantios, bem como participando de eventos nacionais e internacionais como palestrante. Além disso, ela é ciberativista, pois faz uso de suas redes sociais para combater o preconceito e o desconhecimento sobre sua cultura.

Em sua comunidade, a comunicação é bem importante e, dessa maneira, a jovem procura somar na história de seu povo. Um de seus projetos mais ousados envolve plantar 1.000 árvores todos os anos. “Desde muito cedo, fomos motivados a fazer algo pela natureza, seja de forma direta, plantando uma árvore, não poluindo nossos igarapés e rios, ou conscientizando outros acreditam na sustentabilidade. Outra forma é trabalhar em prol do desenvolvimento sustentável”, considera.

Carol Puyanawa com vestimenta tradicional de seu povo. Foto: Elias Souza.

Hoje, Puyanawa é estudante de Tecnologia em Agroecologia, pelo Instituto Federal do Acre (Ifac). Por meio dos conhecimentos que adquiriu no curso, ela desenvolve projetos voltados à soberania alimentar, incentivando a agricultura sustentável.

Uma iniciativa realizada com o apoio do CI-Brasil e o Programa de Mulheres Indígenas Líderes em Soluções Socioambientais da Amazônia tem feito a jovem sonhar com um novo amanhã. Até o momento, mais de 500 árvores frutíferas foram plantadas em áreas que eram consideradas improdutivas. “Trabalhamos para mostrar que podemos produzir sem destruir, queimar ou poluir o ambiente”, explica.

Apesar de entender que ainda há muito pelo que lutar e conquistar, a criadora de conteúdo avalia a situação atual como positiva: “Nos foi dada a oportunidade de atuar em busca de melhorias por nossos territórios, assim como é de nossa responsabilidade defender nossas causas. E com a tecnologia, os jovens indígenas podem se destacar e participar de eventos importantes”

Uma juventude que resiste

Isaka Huni Kuin (25) é comunicador e graduando em Administração. Ele participa de conferências internacionais, como a COP (Conferência Internacional das Partes). O jovem é um dos líderes que acompanha o movimento indígena utilizando-se da comunicação como ferramenta essencial de resistência.

Huni Kuin busca pelo reconhecimento da atuação de lideranças em seus territórios. Com isso, a população indígena continuaria atuando como guardiã das florestas e de seus recursos naturais. “A gente está sempre atuando e pensando em nosso futuro e de nosso território, se fortalecendo para que possamos ver um planeta que não é o de hoje”, relata.

Gravação de depoimento de Isaka Huni Kuin para a Universidade do Canadá. Foto: Arquivo pessoal.

A tecnologia tem ajudado Huni Kuin a conseguir as ferramentas adequadas para atingir maior visibilidade para as pautas que defende. Uma facilidade que seus ancestrais não dispunham. Então a fotografia, a fala e a escrita sobre injustiças tem se somado à sua luta como comunicador indígena.

No governo Lula, houve um fato histórico para o país: a criação do Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sonia Guajajara. No entanto, a representatividade indígena é ínfima. Com 305 etnias, o Brasil negligencia as demandas específicas das comunidades.

Por meio de seu ativismo, comunicando sobre injustiças e discriminações, Huni Kuin acredita que podem surgir mais soluções, inclusive propostas pela juventude. De acordo com ele, a juventude não é o futuro, é o presente. “A gente tem lutado bastante pela nossa demarcação de terras e proteção de nossos territórios. Onde estamos é onde está nossa origem”, afirma.

Quais ideias adiam o fim do mundo?

Em 2023, a elaboração do marco temporal se firmou como um retrocesso aos direitos indígenas no Brasil, com a tese colonizadora de “questionar” o pertencimento dos povos ao lugar onde sempre viveram. Por isso, o movimento indígena foi para as ruas, acampamentos, TV e redes sociais afirmar que a ação era inconstitucional.

As ações contra o marco temporal começaram a ganhar força em 30 de maio de 2023, quando a Câmara dos Deputados aprovou o PL 490/2007. Ele pretendia alterar a lei 6001/73, transferindo para o Congresso Nacional a competência sobre demarcação de terras indígenas. Pouco depois, como estratégia, o PL mudou de nome, mas não de intenção. A iniciativa limitava a demarcação de terras indígenas aos territórios ocupados até a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Para Samuel Arara, é necessário um novo modelo de governo para desconstruir a descriminação racial contra populações originárias do país. “Do ponto de vista governamental, as políticas públicas devem ser desenvolvidas e implementadas levando em consideração as nossas especificidades culturais e sociais, garantindo e respeitando nosso território. É preciso valorizar e promover o entendimento das culturas indígenas. Isso é essencial para uma sociedade mais justa, consciente e enraizada em sua diversidade cultural. E esse feito será possível quando os povos indígenas tiverem seus espaços de direitos garantidos”, explica.

O jovem ativista defende que a consciência sobre as comunidades que vivem na Amazônia deve estar alinhada a um esforço conjunto que envolva ações governamentais, a mídia, bem como uma educação que incorpore uma abordagem que destaque a história, os modos de vida e as contribuições dos povos indígenas. “A mídia desempenha um papel fundamental na formação das opiniões. A promoção de narrativas mais inclusivas pode desconstruir estereótipos prejudiciais e aumentar a compreensão sobre nossas realidades e nossos desafios”, diz Arara.

Produção: Hellen Lirtêz
Revisão: Isabella Galante & Filipe Andretta
Direção: Marcos Colón

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