O silenciamento dos guardiões da floresta na sede da COP30

Nas vésperas da COP30, ambientalistas são perseguidos a menos de 3 KM do local que vai sediar o evento

Ambientalista Pedro Paulo ficou desaparecido por duas semanas após receber agressões e ameaças de morte. Foto: Reprodução / Redes Sociais.
Ambientalista Pedro Paulo ficou desaparecido por duas semanas após receber agressões e ameaças de morte. Foto: Reprodução / Redes Sociais.
Ambientalista Pedro Paulo ficou desaparecido por duas semanas após receber agressões e ameaças de morte. Foto: Reprodução / Redes Sociais.

Ambientalista Pedro Paulo ficou desaparecido por duas semanas após ser vítima de agressões e ameaças de morte. Foto: Reprodução / Redes Sociais.

O silêncio também pode ser uma forma de violência. Por mais de duas semanas, a mata amanheceu sem Pedro Paulo. Aos 63 anos, o ambientalista nunca foi uma pessoa de levantar a voz, mas sua presença incomoda aqueles que desejam fazer da destruição do Meio Ambiente um estilo de vida. Guardião de uma Área de Proteção Ambiental ameaçada por interesses imobiliários, ele foi espancado e ameaçado por grupos que não veem a floresta como um ser vivo, mas sim como um simples recurso a ser explorado. Nesta reportagem, escutamos a ausência de Pedro Paulo e ouvimos, através dela, o ruído insistente da motosserra que se aproxima como um presságio sombrio de uma das poucas áreas verdes de Belém.

Agressão, ameaças e a fuga de Pedro Paulo

O Conjunto Bela Vista, em Belém, foi fundado na década de 1970, através da compra de um grupo de praças e civis da aeronáutica. A área é cortada por um grande tapete verde, com mais de 44 hectares de extensão: o Parque Gunnar Vingren. Há cerca de 15 anos, o local tem sido alvo de inúmeras tentativas de apropriação, ocasionando conflitos entre os invasores e ativistas ligados à causa ambiental.

Mapa do Parque Ambiental de Belém. Foto: Prefeitura de Belém.

Mapa do Parque Ambiental de Belém. Foto: Prefeitura de Belém.

No último dia 03 de maio, um novo episódio de violência aconteceu no local. Segundo o Boletim de Ocorrência registrado na Polícia Civil do Pará, o ambientalista Pedro Paulo, diretor da ONG Guardiões e Amigos dos Parques Ecológicos de Belém (GAPE), realizava atividades no Conjunto quando foi agredido por um grupo de pessoas.

Os agressores proferiram ameaças a Pedro Paulo, que teria passado mal e se sentado no chão para receber ajuda. Neste momento, o ambientalista foi golpeado com chutes no braço direito. Segundo testemunhas, o grupo era formado por pessoas que adquiriram lotes vendidos ilegalmente no parque urbano.

“O Thiago [agressor] chegou por trás e deu um chute no Pedro Paulo. Ele caiu e bateu com a cabeça no chão. Nós fomos ajudar e eles apareceram com uma barra de ferro para agredir a gente. Não houve confronto, só houve a agressão da parte deles”, relatou Marcos Moraes, integrante do GAPE.

O ambientalista foi socorrido e encaminhado para o Hospital Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti (PSM), onde ficou na sala vermelha da Unidade de Saúde, área destinada a pacientes com condições clínicas mais graves, que necessitam de cuidados imediatos para estabilização. O prontuário médico aponta que Pedro Paulo chegou ao local com trauma no membro superior direito, além de uma possível contusão ou lesão muscular.

Pedro Paulo no PSM após agressões. Foto: Reprodução / Redes Sociais.

Pedro Paulo no PSM após agressões. Foto: Reprodução / Redes Sociais.

Após receber atendimento médico, Pedro Paulo retornou para casa. Em silêncio, deu início a uma fuga planejada. A única pista deixada foi um recado escrito à mão, encontrado por amigos, em que denunciava estar sendo ameaçado. Depois disso, nenhum sinal. O desaparecimento mobilizou a comunidade local e acendeu um alerta sobre os riscos enfrentados por quem protege a floresta.

Bilhete deixado por Pedro Paulo no dia da fuga. Foto: Reprodução / Redes Sociais.

Bilhete deixado por Pedro Paulo no dia da fuga. Foto: Reprodução / Redes Sociais.

Pedro Paulo reapareceu somente após duas semanas, quando alegou ter ido buscar socorro no Estado do Amazonas. Em um áudio compartilhado nas redes sociais, o ambientalista pede ajuda para continuar vivo, tornando público o drama que se desenrola longe dos holofotes da COP30.

“Estou, hoje, refugiado político e ambiental no Estado do Amazonas. Estou aqui para pedir garantia de vida ao Governo local e à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Amazonas, em virtude de ter sido agredido fisicamente e ameaçado de morte”, pontua na mensagem.

O diretor do GAPE teme por sua vida e não quer revelar seu paradeiro. Ele fugiu porque entendeu que permanecer em Belém seria assinar sua própria sentença de morte. “Me manterei em endereço oculto, até que eu possa realmente ter certeza da minha integridade física. E o meu breve retorno, seguro, ao meu Estado de nascimento”, concluiu o ambientalista.

Violência processual e omissão da OAB-PA

O autor da agressão ao ambientalista foi identificado como Thiago José Sousa dos Santos, advogado de defesa das pessoas que compraram ilegalmente lotes no Parque Urbano. Segundo o Artigo II do Estatuto da Advocacia, a imunidade de advogado não se estende a casos de agressões. Ainda de acordo com a legislação, advogados que cometem agressão podem ser responsabilizados civil e criminalmente, além de sofrer sanções éticas perante a Ordem de Advogados do Brasil, que pode suspender ou caçar o registro profissional do envolvido na agressão.

A Revista Amazônia Latitude entrou em contato com a OAB-PA para saber as providências cabíveis no caso. Foram duas tentativas, mas a assessoria de comunicação preferiu não se manifestar.

Clima de tensão e medo no Parque Urbano nas vésperas da COP30

Os protetores do meio ambiente garantem que não foi o primeiro caso de violência. No dia 07 de maio, cerca de 25 pessoas invadiram a sede da Associação do Conjunto Bela Vista (ASCBV) e depredaram o local. Na quadra de esportes, o gramado sintético foi arrancado. As traves e as redes foram rasgadas. O registro de energia elétrica que abastece a instituição também foi destruído.

Segundo membros da Associação e do GAPE, as cenas de vandalismo foram presenciadas por três viaturas da Polícia Militar, mas nenhum agente de segurança interviu. Eles relatam que os militares ficaram parados observando a destruição. Ainda de acordo com os ambientalistas, quando questionados se não iriam fazer nada, os policiais sugeriram ir até a delegacia para prestar boletim de ocorrência, mesmo com o flagrante de depredação e vandalismo acontecendo bem diante dos olhos deles, como consta no Artigo 163 do Código Penal Brasileiro.

“Essa luta se arrasta há mais de dez anos e olha a proporção que isso chegou. Essa não foi a primeira vez que eles vieram nos atacar. A justiça está esperando que alguém morra pra eles fazerem alguma coisa? É essa a impressão que nós temos. Eu não entendo isso.”, desabafou Marcelo Trindade.

A Revista Amazônia Latitude questionou a Polícia Militar sobre a conduta dos PMs durante a ação. Em nota, a Polícia informou apenas que o caso é investigado pela Corregedoria da instituição.

Denúncia de Flávio Marcelo dos Santos para a ALEPA. Foto: Acervo pessoal da ASBVC.

Denúncia de Flávio Marcelo dos Santos para a ALEPA. Foto: Acervo pessoal da ASBVC.

À medida que a COP30 se aproxima, trazendo líderes mundiais para discutir soluções climáticas, o cenário local é marcado por tensão, ameaças e violência contra aqueles que protegem a floresta por décadas. A menos de três quilômetros do centro do evento, ativistas enfrentam ataques violentos, um contraste entre o discurso global de preservação e a realidade de Belém.

A área envolvida no conflito fica a 2,7 km do Parque da Cidade (centro das discussões da Conferência) e 1,9 km do aeroporto internacional da capital paraense. Para a Associação, existe um interesse comercial de ocupar o entorno, visando o lucro com o evento climático.

No meio do caminho tinha um Parque…

O Parque Ambiental de Belém foi criado em 1991, através da Lei Municipal Nº 7.539. O espaço verde conta com mais de 38 hectares. A área foi doada ao município pela Associação do Conjunto Médici (AME) e pela Associação do Conjunto Bela Vista, que repassaram ao Poder Público as responsabilidades de cuidar do local. Entre as atribuições do município, destacam-se a manutenção, restauração e realização de pesquisas para a preservação do Parque.

Certidão de doação do terreno do Parque. Foto: Acervo pessoal da ASBVC.

Certidão de doação do terreno do Parque. Foto: Acervo pessoal da ASBVC.

Segundo o documento, o parque foi fundado com o objetivo de preservar a área verde na capital paraense. No entanto, cerca de 20 anos após a fundação do espaço, veio o primeiro grande golpe. Em 2010, o Governo do Pará, na gestão da então Governadora Ana Júlia Carepa (PT), lançou o projeto “Ação Metrópole Belém”, alegando a necessidade de integrar a capital do Estado com o município de Ananindeua por meio de uma via, a Avenida Centenário.

Para que o projeto fosse executado, havia um obstáculo a ser superado, ou melhor, um Parque. Apesar da pressão popular e da luta dos ambientalistas do GAPE, o Governo do Pará conseguiu dar continuidade à obra e a Avenida dividiu o Parque de Belém em dois.

Avenida cortando o Parque de Belém ao meio. Foto: Prefeitura de Belém

Avenida cortando o Parque de Belém ao meio. Foto: Prefeitura de Belém.

A obra, que gerou polêmica na época, foi defendida como “uma forma do Governo do Estado homenagear o centenário da Assembleia de Deus no Pará”. Além de batizar a Avenida com uma menção ao aniversário de 100 anos da igreja, também foi construído um elevado que recebeu o nome de “Daniel Berg”, um dos fundadores da congregação. A partir daquele ano, o Parque Urbano de Belém foi rebatizado como “Parque Gunnar Vingren”, completando, dessa forma, a homenagem à dupla de irmãos responsáveis por trazer a Assembleia de Deus ao Pará.

Grilagem de terras na capital da COP

Além dos danos ambientais, a passagem da via pelo Parque Urbano trouxe outro problema: o conflito de terra. A Associação de Moradores do Conjunto Bela Vista denuncia que a antiga gestão da entidade vendeu irregularmente lotes dentro da Área de Proteção Ambiental.

“De uma hora pra outra, com a passagem da Avenida, os terrenos no conjunto começaram a ser extremamente valorizados. Mas, esses lotes vendidos ilegalmente só não foram construídos porque nós acionamos a justiça. E como se trata de área de interesse ambiental, o juiz indeferiu via liminar a construção desses lotes”, explica Thiago Benjamin, presidente da ASCBV.

O caso é acompanhado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA. O órgão afirma que o conflito é antigo e teria sido motivado pela venda ilegal em Área de Proteção Ambiental. “A situação se torna séria e grave a partir do momento em que um conjunto de situações anteriores levam a situação atual. Não dá pra gente separar o conflito que está acontecendo no Bela Vista com a venda ilegal dessas áreas”, explica a advogada, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA, Rosemary de Oliveira.

Mapa apontando áreas vendidas ilegalmente. Foto: Acervo pessoal da ASBVC.

Mapa apontando áreas vendidas ilegalmente. Foto: Acervo pessoal da ASBVC.

Após derrota judicial, a direção remanescente, acusada de ter vendido as terras ilegalmente, fez uma nova tentativa de golpe. Em 2023, o grupo se reuniu e aprovou uma ata destituindo a diretoria da Associação em exercício. Para os associados, foi mais uma tentativa de regularizar as vendas ilegais realizadas em 2010.

“Quem comprou, quer os seus terrenos. E quem vendeu, já gastou o dinheiro. Com a chegada da COP30 e com a valorização desses terrenos, eles começaram a pressionar quem vendeu para entregarem os lotes. Eles acreditam que quem atrapalha isso é a Associação, mas não somos nós, é a Lei”, ponderou Thiago Benjamim.

Inquérito policial identificando fraude na ata da reunião. Foto: Acervo pessoal da ASBVC.

Inquérito policial identificando fraude na ata da reunião. Foto: Acervo pessoal da ASBVC.

O conflito voltou a ser caso de polícia. Após três meses de investigações, a Polícia Civil do Pará identificou a fraude na ata de reunião. Ao todo, 20 pessoas foram indiciadas por crimes como falsidade ideológica, associação criminosa, falsificação de documento particular e esbulho processual.

“São loteamentos clandestinos, não são nem irregulares, porque o que é irregular pode ser regularizado. E segundo a justiça, não é o caso das vendas desses lotes porque a venda foi efetivada dentro de uma área de escrita como Área de Proteção Ambiental e foi feita sem obedecer a lei de uso e conservação de solo urbano”, afirmou o presidente da ASBVC.

Decisão do Ministério Público referente a clandestinidade dos lotes vendidos. Foto: Acervo pessoal da ASBVC.

Decisão do Ministério Público referente a clandestinidade dos lotes vendidos. Foto: Acervo pessoal da ASBVC.

Reforma do Parque não sai do papel

Em julho de 2024, a Prefeitura de Belém anunciou a assinatura da Ordem de Serviço para as obras de restauração do Parque de Belém. A obra foi orçada em mais de 31 milhões de reais. Quase um ano depois, os serviços nunca começaram e o local permanece fechado.

Prefeitura de Belém anuncia reforma no Parque. Foto: Prefeitura de Belém

Prefeitura de Belém anuncia reforma no Parque. Foto: Prefeitura de Belém.

Esta não foi a primeira promessa de melhorias no local. Em 2020, a prefeitura já havia anunciado uma reforma no Parque, avaliada em mais de 900 mil reais. A obra, que aconteceria com o apoio do Governo Federal, nunca saiu do papel.

Enquanto o Poder Público faz vista grossa e a reforma segue sem previsão de começar, ativistas do GAPE, a maioria idosos assim como Pedro Paulo, seguem sendo a única barreira que protege o Parque da exploração predatória.

“Eles denunciavam o abandono do Parque. E isso não é de hoje, é de muito tempo. A área verde foi toda loteada e vendida ilegalmente, só não construíram nada por conta da nossa luta”, assevera Marcos Moraes.

A luta que Marcos se refere, muitas vezes é silenciada pela violência escancarada, que encontra respaldo naqueles que deveriam defender a vida e o Meio Ambiente. Um levantamento da Global Witness registrou 25 assassinatos de ambientalistas no Brasil somente no ano de 2023.

A criminalização e a intimidação daqueles que lutam pela terra segue diante dos olhos que as inviabilizam. Resistem, porém, os que sabem que a “Floresta não engole gente”. Quando um ambientalista desaparece, é sinal de que a ameaça não está entre as árvores, mas sim entre os homens.

Texto: Elielson Almeida
Montagem da página: Alice Palmeira
Revisão e edição: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón

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