A lacuna da ciência amazônica: o que os pesquisadores esperam da COP30?

De memórias da floresta à ciência: pesquisadores compartilham suas expectativas para a Cúpula do Clima em Belém

Pesquisadores contam sua visão sobre as heranças da COP30 para a Amazônia. Fotos: Acervo Pessoal; Lucas Lacaz/SECOM EBC; Alexandre Moraes/Amazônia Latitude; Mateus Botanica/Wikimedia Commons.
Pesquisadores contam sua visão sobre as heranças da COP30 para a Amazônia. Fotos: Acervo Pessoal; Lucas Lacaz/SECOM EBC; Alexandre Moraes/Amazônia Latitude; Mateus Botanica/Wikimedia Commons.
Pesquisadores contam sua visão sobre as heranças da COP30 para a Amazônia. Fotos: Acervo Pessoal; Lucas Lacaz/SECOM EBC; Alexandre Moraes/Amazônia Latitude; Mateus Botanica/Wikimedia Commons.

Pesquisadores contam sua visão sobre as heranças da COP30 para a Amazônia. Fotos: Acervo Pessoal; Lucas Lacaz/SECOM EBC;
Alexandre Moraes/Amazônia Latitude; Mateus Botanica/Wikimedia Commons.

Na garupa da bicicleta da mãe, o pequeno Gildo Feitoza atravessava a Ponte dos Macuxis, em Boa Vista (RR), rumo à comunidade no município de Cantá. Do alto, o brilho do Rio Branco e o verde da floresta pareciam anunciar uma aventura. “Eu achava muito bonito ver o sol batendo no rio, parecia mágico”, lembra.

Pertencente ao povo Makuxi, hoje doutorando em Botânica no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Gildo guarda com nitidez os cenários da infância: os tamanduás-bandeira correndo pelo lavrado, abraçados aos formigueiros; os pés de murici carregados de flores e frutos; o cheiro da terra molhada no caminho.

Mas o tempo trouxe mudanças amargas. “Hoje não vejo mais tamanduás correndo. Já encontrei alguns atropelados. Aquela abundância de vida que eu via quando criança não existe mais da mesma forma.” A saudade virou combustível para a ciência e não demorou muito para que Gildo nutrisse o cuidado pela pesquisa.

Esse instinto poderia tê-lo levado à veterinária ou à zootecnia. Mas o caminho foi outro. Durante a graduação em Biologia, uma nova paixão floresceu: as plantas. Chegou a trabalhar com matas ciliares do Rio Branco e agora estuda Igapó de Água Petra da Amazônia Central e já adiantou que quer seguir na carreira de pesquisador.

Para Gildo, o mais fascinante é perceber como o saber científico se encontra com o conhecimento indígena, que há séculos observa e aprende com a floresta. “Esse outro lado, acadêmico, científico, conversa muito com os conhecimentos práticos, empíricos, que os povos indígenas têm. Acredito que eles se complementam. Um lado tem muito a aprender com o outro. Mas trabalhar junto ainda é a melhor opção”.

COP é um espaço fundamental, mas limitado

Para além do campo científico, Feitoza também olha com atenção para o debate político que envolve a Amazônia. Ele vê a COP30 (30ª Cúpula do Clima das Nações Unidas) como um espaço fundamental, mas com limitações.

“Ao mesmo tempo em que a COP é aberta para o diálogo, várias decisões foram tomadas antes do evento e vão ser tomadas depois. E uma coisa que me deixa um pouco triste, é em relação a COP acontecer na Amazônia, ser uma COP tão importante, mas não levar em conta os povos indígenas”, afirma.

Segundo ele, esse é um ponto central, já que grande parte da Amazônia está em território brasileiro e concentra uma enorme diversidade de povos, culturas, línguas e conhecimentos. Gildo ressalta que uma medida efetiva de mitigação climática seria a demarcação dos territórios indígenas e o respeito à gestão tradicional feita por eles.

Um estudo recente realizado pela Universidade de São Paulo (USP), Univeridade Estadual de Campinas (Unicamp) e Charles University, na República Tcheca, revelou que as pesquisas no campo das ciências humanas sobre a Amazônia são as menos produzidas e financiadas. A análise das tendências das publicações científicas sobre a região, entre 1977 e 2024, mostrou um cenário preocupante.

Os pesquisadores identificaram um aumento nos estudos sobre a Amazônia a partir dos anos 2000, impulsionado pelo interesse no desmatamento e pela criação de políticas públicas de incentivo. Embora os temas estudados tenham se expandido, incluindo políticas públicas, as ciências duras, que estudam o mundo natural, como a física, a química, a biologia e a astronomia, ainda são o foco principal.

O pesquisador e padre Justino Sarmento Rezende, do povo Ʉtãpinopona (Filhos-da-Cobra-de-Pedra), conhecidos por Tuyuka, segue uma linha de pensamento parecida com a de Feitoza. Nascido na aldeia Onça-Igarapé, em São Gabriel da Cachoeira (AM), o município mais indígena do Brasil, Rezende cresceu cercado por águas e árvores que logo despertaram curiosidade e moldaram o seu pensar científico.

Hoje, como pós-doutor em Antropologia Social, considera que, embora a COP aborde uma ampla gama de assuntos, as diferentes linguagens utilizadas fazem com que certos grupos da sociedade continuem de fora. “Muitos conhecimentos não serão levados em conta. Nosso interesse é defesa e proteção do meio ambiente, algo que não desperta muito interesse por parte dos governantes, mas que está sendo pautado por grupos científicos”, explicou.

Além da integração entre saberes, a pesquisadora Maria Gracimar Pacheco de Araújo, com mais de três décadas de experiência em Botânica e especialista em Anatomia Vegetal, também faz uma reflexão sobre os rumos do debate climático.

“A impressão que eu tenho é que a COP30 será mais uma conferência com as mesmas falas repetidas. Todas as lideranças são essenciais, mas vejo pouquíssimas vozes falando sobre o comportamento humano contemporâneo, o consumismo exagerado e a falta de empatia.” Para ela, a mudança começa pela espécie humana.

O debate sobre mudanças climáticas na Conferência também ganha força com a visão de Carlos Nobre, pesquisador brasileiro renomado por seu trabalho sobre alterações climáticas e por ter participado da elaboração de relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.

Ele ressalta que o planeta vive a maior emergência ambiental desde a civilização, com 2024 sendo o ano mais quente da história e o primeiro a ultrapassar 1,5ºC de aumento na temperatura média da Terra em relação aos níveis pré-industriais, motivo pelo qual a COP30 deve ser considerada a mais importante de todas.

“A COP30 tem que acelerar demais, tem que ser a mais importante das COPs. Estudos mostraram que é preciso criar um fundo verde para o clima muito maior do que aquele que foi proposto na COP em 2010 e que foi criado em 2020, de apenas 100 bilhões de dólares por ano para ajudar os países a fazerem a transição energética e reduzir as emissões”, alerta Nobre.

O meteorologista destaca: “Se a COP30 não for nessa linha de acelerar as resoluções ambientais e climáticas nós vamos entrar cada vez na emergência climática, prejudicando bilhões e bilhões de pessoas e quem sabe em 2100 para frente, vamos tornar uma grande parte do planeta Terra inabitável”.

Já a pesquisadora Cintia Cornelius, Professora no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que acompanha há anos o desmatamento avançando, acredita que a COP30 deve seguir nas negociações climáticas internacionais e estabelecer novas metas para combater o aquecimento global com a Amazônia.

“Os chefes de Estado na COP30 devem continuar com a luta de chegar a zero desmatamento ilegal até 2030 e zero desmatamento como um todo no futuro na Amazônia e no Brasil todo. Mas até chegarmos a esse patamar de zero desmatamento, ainda ocorrerá desmatamento legal e o planejamento do território e uso de solo é essencial para poder evitar a fragmentação da floresta que resta”, pontua.

A especialista ressalta que a Conferência tem potencial para responder aos desafios apontados, efetivando as negociações voltadas à diminuição das emissões de gases de efeito estufa. “Isso porque se a temperatura continuar subindo a floresta não irá mais persistir da forma que a conhecemos hoje. Também precisa ser discutido um modelo econômico que não degrade o meio ambiente como o modelo econômico atual, essa é a raiz do problema”, complementa.

Cintia Cornelius, Professora no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Foto: Acervo Pessoal.

Cintia Cornelius, Professora no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Foto: Acervo Pessoal.

Carta estratégica ao governo

As visões dos cientistas chegam dias depois de pesquisadores da Amazônia entregarem uma carta estratégica ao presidente da COP30, André Corrêa de Lago, e à primeira-dama Janja da Silva em evento na UFAM. A COP30 será realizada em 2025, em Belém (PA), de 10 a 21 de novembro.

Na carta, os autores afirmam que é urgente alinhar educação, inovação e políticas públicas. O texto ainda ressalta barreiras como escassez de orçamento, infraestrutura precária, entraves legais e pouca valorização do conhecimento tradicional.

O documento reforça que a Amazônia ocupa posição de protagonismo no combate global às mudanças climáticas e sustenta que a política climática do Brasil deve ser implementada sob a liderança de suas comunidades e instituições.

Questionada sobre a presença e o papel dos pesquisadores da Amazônia na COP30, a assessoria do evento não se posicionou até o fechamento da reportagem. A expectativa é que, em Belém, a ciência não apenas reforce alertas, mas também proponha soluções já citadas anteriormente. Para os pesquisadores, reconhecer os povos da floresta como protagonistas e garantir espaço às instituições locais será determinante para que a COP30, de fato, converta as negociações em ações reais.

Texto: Elanny Vlaxio
Montagem da página: Alice Palmeira
Edição e revisão: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón

Você pode gostar...

Translate »