Equador: o medo como política de Estado

Alberto Acosta, Presidente da Assembleia Constituinte do Equador (2007-2008), em conversa telefônica com Marcos Colón, analisa a atual crise que atinge, sobretudo, os povos indígenas do país andino

No Equador, a guerra contra o crime se converte em guerra contra o povo, enquanto o medo sustenta o avanço de um projeto autoritário e neoliberal. Foto: Pocho Alvarez.
No Equador, a guerra contra o crime se converte em guerra contra o povo, enquanto o medo sustenta o avanço de um projeto autoritário e neoliberal. Foto: Pocho Alvarez.
No Equador, a guerra contra o crime se converte em guerra contra o povo, enquanto o medo sustenta o avanço de um projeto autoritário e neoliberal. Foto: Pocho Alvarez.

No Equador, a guerra contra o crime se converte em guerra contra o povo,
enquanto o medo sustenta o avanço de um projeto autoritário e neoliberal. Foto: Pocho Alvarez.

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O Equador atravessa uma situação complexa em diversos âmbitos: econômico, social, político e, particularmente, no que diz respeito à segurança cidadã. Este país, que aparecia muito tranquilo no contexto latino-americano, se transformou em um dos mais violentos de todo o continente.

Neste contexto, vemos também uma deterioração das condições de vida para a maioria da população. Cinco milhões de habitantes têm uma renda mensal de apenas 90 dólares. Dois milhões de habitantes sobrevivem com 50 dólares por mês. Para ter um ponto de referência, o custo da cesta básica é de mais de 830 dólares e o salário mínimo é de 470 dólares.

A esses elementos, somamos a dura realidade do desemprego: mais de 65% da população economicamente ativa não tem um emprego adequado, e a maioria mal atinge o salário mínimo. Além disso, temos o impacto provocado pela ausência de medicamentos e até mesmo de alimentação nos hospitais públicos. Estas e outras condições explicam por que a atual explosão social encontrou um detonador no aumento do preço do galão de diesel, que passou de 1,80 para 2,80 dólares, como ponto de partida para alinhá-lo aos preços internacionais.

Nesse cenário, é preciso levar em conta o que significa o aumento do preço do diesel, um combustível muito utilizado para o transporte público de pessoas nas cidades e no campo, para o transporte de mercadorias e, certamente, para o trabalho agrícola e para a fabricação de muitas manufaturas.

Já foi decretado, há alguns meses, um aumento do preço da gasolina que atingiu duramente o bolso dos setores mais pobres e das classes médias. Pouco depois, o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) foi elevado em três pontos. Tudo com o objetivo de cumprir as condições impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

O Equador, em definitivo, registra o impacto de uma política econômica neoliberal que busca a qualquer custo reduzir o déficit fiscal: por um lado, aumentando os impostos, que atingem quase sempre de forma brutal os setores populares e as classes médias, elevando o preço dos combustíveis que são básicos para o funcionamento da economia; por outro, reduzindo os investimentos do setor público em infraestrutura rodoviária, em moradia popular, em educação, em saúde, e inclusive, em segurança. Perto de finalizar o ano, a execução dos orçamentos para a força pública não chega a 50%

Este é, então, um cenário no qual a situação se complicou aceleradamente porque, apesar de o governo impulsionar um projeto de guerra contra o narcotráfico, a insegurança aumenta.

Lembremos que, em janeiro de 2024, o governo de Daniel Noboa decretou o conflito interno armado: a guerra contra as máfias e o crime organizado. Este é um ponto muito importante. Esta guerra, que constitui uma espécie de pano de fundo da ação governamental, transformou-se em uma ferramenta de dominação. Serve para manter a população aterrorizada e preocupada, com justa razão, com a insegurança e a violência criminal. Desta maneira, o governo nacional impulsiona para o país um projeto político que responde aos interesses das oligarquias e que busca, entre outros temas, uma mudança na Constituição.

Após várias tentativas de controlar a Corte Constitucional, Noboa convoca uma nova assembleia constituinte, tendo como eixos referenciais a militarização/o disciplinamento da sociedade e a neoliberalização total da economia.

Com a militarização da sociedade, ele pretende impor um projeto autoritário, cada vez mais conservador e repressivo, ampliando, neste ambiente de guerra, o espectro do inimigo interno que sustenta esta ação belicista. Assim, este inimigo interno, considerado como terrorista em termos gerais, inclui aqueles que defendem seus territórios da mineração ou aqueles que, exercendo seu direito constitucional à resistência, protestam e, na prática, defendem a democracia ameaçada pelas intenções ditatoriais do presidente. Adicionalmente, cabe anotar que, neste esforço belicista, Noboa busca apoio de mercenários e pretende que seja permitida novamente a instalação de bases militares norte-americanas no país, inclusive nas Ilhas Galápagos.

Em paralelo, há um processo acelerado de neoliberalização com a privatização dos serviços públicos: a educação, a saúde, a segurança social. Igualmente, busca-se derrubar o controle por parte do Estado do que se conhece como setores estratégicos. Assim, o que se pretende é ampliar cada vez mais a fronteira petrolífera na Amazônia, ao mesmo tempo em que se segue impondo de forma brutal a atividade mineradora, com seus graves impactos sobre o meio ambiente e as comunidades. Neste esforço, a força pública intervém por meio de soldados e policiais que atuam como guarda pretoriana das empresas extrativistas.

Junto a isso, está o empenho de reintroduzir um sistema de contratação laboral por hora, o que representaria um aprofundamento da precarização do trabalho. Há também tentativas para que voltem as arbitragens internacionais para proteger os investimentos estrangeiros.

Noboa, em síntese, está tentando concretizar algo que lhe recomendaram as oligarquias que apoiam este projeto político conservador, restaurador, retrógrado, quando, no início do ano de 2024, exigiam que ele se transformasse em um “Mikele” — um Milei no econômico e um Bukele no político repressivo. Um “Mikele” andino, com suas características próprias, que está em plena sintonia com as renovadas pretensões imperiais de seus pares internacionais.

Neste contexto, quando o presidente não pôde dobrar a corte constitucional, que não lhe permitiu a aprovação de leis inconstitucionais, ele busca, através de uma consulta popular, convocar uma assembleia constituinte para demolir a Constituição de Montecristi, de 2008. Em um país que conta com 20 constituições desde 1830, esta é a única que, após um processo constituinte, foi aprovada nas urnas, ao receber o respaldo majoritário.

Esta é a Constituição dos direitos da natureza, dos direitos humanos em termos amplos e integrais, direitos coletivos, direitos das mulheres, direitos das minorias sexuais, direitos à resistência. É a Constituição das consultas populares, que garantem uma ativa participação democrática desde as bases. E, entre outros temas, é a Constituição da plurinacionalidade, que também está seriamente ameaçada.

Para concluir este breve repasse da realidade deste país andino, cabe anotar que, em meio à greve nacional, as tendências racistas se exacerbam. A terrível repressão desencadeada pelo regime contra o povo, que protesta com justificadas razões, demonstra inclusive o desprezo pela vida daqueles que não comungam com os interesses deste projeto oligárquico de dominação, que conta com o respaldo dos grandes meios de comunicação mercantis.

*Esta transcrição foi levemente editada para maior clareza e concisão.

Alberto Acosta é economista equatoriano, professor universitário, autor, companheiro de luta de movimentos sociais, consultor de temas petroleiros e energéticos, subgerente de comercialização da Corporación Estatal Petrolera Ecuatoriano – CEPE (1982-1983), Ministro de Energia e Minas (2007), Presidente da Assembleia Constituinte (2007-2008) e candidato a presidência da república do Equador em 2012 e 2013.

Montagem da página e tradução: Alice Palmeira
Revisão: Juliana Carvalho
Direção:
 Marcos Colón

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