Por que a cidade que recebe 90 mil turistas no Círio enfrenta desafios para acomodar 50 mil na COP?

Apesar da experiência em eventos de grande porte, Belém precisa de soluções para a diversidade de público da Conferência do Clima

Círio 2024, na Av. Visconde de Souza Franco. Foto: Marcelo Souza /Ag.Pará
Círio 2024, na Av. Visconde de Souza Franco. Foto: Marcelo Souza /Ag.Pará
Círio 2024, na Av. Visconde de Souza Franco. Foto: Marcelo Souza /Ag.Pará

Círio 2024, na Av. Visconde de Souza Franco. Foto: Marcelo Souza /Ag.Pará

Pelo menos 140 países já confirmaram a presença na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP, que acontece de 10 a 21 de novembro em Belém, no Pará. De acordo com o Governo Federal, outras 47 nações avisaram que estão em tratativas para viabilizar sua participação. A expectativa é que 196 países e 50 mil pessoas, entre chefes de Estado, diplomatas, cientistas, empresários, ativistas e representantes da sociedade civil, estejam no evento.

A lista de nações confirmadas inclui países como Japão, Espanha, Noruega, Portugal, Arábia Saudita, Egito, Singapura, República Democrática do Congo, Panamá, Bahrein e Omã. Além disso, a Secretaria de Organização da Conferência das Partes (SECOP) tem dado suporte a 72 delegações de Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS) e dos Países Menos Desenvolvidos (LDCs).

A diretora-executiva da COP30, Ana Toni, defendeu durante a Rio Climate Action Week que uma força-tarefa criada pelo Governo Federal e do Estado do Pará tem funcionado. Segundo ela, as confirmações de presença e as negociações de hospedagem “melhoraram bastante” em pouco mais de uma semana.

Leitos de sobra

São 53 mil leitos disponíveis em Belém, sendo 14.547 em hotéis e na rede de hospedagem localizada na região metropolitana, de acordo com a organização da COP30. Segundo o Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Pará, ainda há hospedagens disponíveis. Outros empreendimentos estão em construção ou reforma.

Existem mais de 10 mil vagas ofertadas por temporada em residências e mais 22.452 vagas via Airbnb. Outras 6 mil estarão disponíveis em navios que serão ancorados no Porto de Outeiro, distrito de Belém.

Multidão do Círio. Foto: Agência Pará

Multidão do Círio. Foto: Agência Pará

Do Círio à COP 30

Considerado o portal para a Amazônia Brasileira e já sob influência da COP30, o Pará recebeu apenas em 2024 mais de 1,2 milhão de turistas, de acordo com dados do Observatório do Turismo do Pará, divulgado pela Secretaria de Estado de Turismo (Setur). O número foi 15,4% maior que o ano anterior. O turismo paraense arrecadou, em 2024, cerca de R$870 mil, um crescimento de 16,2% em relação a 2023.

Como então uma cidade, acostumada a esse fluxo de turistas e a receber anualmente quase 90 mil pessoas para o Círio de Nazaré, poderia ter problemas para acomodar 50 mil pessoas durante a COP?

Para o pesquisador Juliano Ximenes, do Observatório das Metrópoles – Núcleo Belém, sediado no Laboratório Cidades na Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA), a diferença é a natureza de cada evento. Enquanto a Conferência das Partes reúne turistas internacionais representando instituições e Governos, no Círio há uma “forte vinculação familiar”.

“São pessoas que têm amigos e parentes na cidade e que vêm já com local certo para ficar. E essa acomodação pode ser uma sacada, uma rede, um sofá-cama, etc. No bairro do Guamá – o mais populoso da capital paraense, com mais de 100 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – já se nota a efervescência do Círio. Feiras mais lotadas, uma vitalidade que toma conta das ruas”, explica.

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE-PA), as principais formas de acomodação de turistas durante o Círio de Nazaré são a casa de parentes e amigos (para 33,1% dos turistas) e a rede hoteleira (39,3%).

“É o único período do ano em que os hotéis ficam com capacidade plena, totalmente ocupados. E, sim, nestes períodos há um aumento dos preços das diárias, devido ao aumento da procura, mas como é algo corriqueiro e já faz parte da dinâmica do Círio e da cidade, é algo que raramente chama a atenção, inclusive da imprensa”, argumenta Juliano Ximenes, urbanista da UFPA. “Fenômeno que acontece também em outros locais e momentos, como o Ano Novo nas praias cariocas ou durante o Natal no Sul do Brasil”, complementa.

A festividade do Círio está prevista para começar no dia 8 de outubro e terminar no dia 27, menos de duas semanas antes da COP. Segundo o DIEESE, porém, 88% dos turistas devem voltar para suas casas em até 10 dias. Apenas 0,7% permanecem em Belém por mais de 20.

De graça na COP

Entre soluções possíveis para a sociedade civil que não conseguirá pagar por uma acomodação, um grupo de igrejas de origem cristã criou uma plataforma para disponibilizar hospedagem gratuitamente. De acordo com o Hospitalidade com propósito, a meta é reunir mais de 250 espaços que podem receber visitantes com mais de 800 vagas distribuídas em 25 bairros da Região Metropolitana de Belém.

De outro jeito, João Paulo Souza, comunicador popular e repórter do Tapajós de Fato, meio de comunicação sediado em Santarém, a 1.218 km de Belém, garantiu sua presença na COP, sem custos de diária.

Comunicador popular, João Paulo, participou da cobertura da SB 62, em Bonn, Alemanha, em 2025. Foto: Acervo pessoal.

Comunicador popular, João Paulo, participou da cobertura da SB 62, em Bonn, Alemanha, em 2025. Foto: Acervo pessoal.

“Estamos desde 2023 pensando e trabalhando em relação à COP porque precisamos propor soluções para a Crise Climática a partir dos nossos territórios, especialmente os da Amazônia. Mas, honestamente, minha organização não teria como pagar um quarto em um hotel para que eu esteja em Belém de 10 a 21 de novembro, comenta João Paulo. “Mas a rede que temos está facilitando nossa participação. A casa onde vou ficar é quase já um ponto de encontro e tem sido há cerca de dois anos”.

Há também iniciativas de pessoas que vão disponibilizar espaços em suas casas, como Denily Fonseca, estudante, que irá receber Giovani Sella, repórter do Jornal Plural e do Observatório de Justiça e Conservação, ambos sediados em Curitiba, Paraná, no Sul do país.

A hospitalidade e a solidariedade que conecta pessoas na Amazônia pode ser uma lição que as comunidades tradicionais e os movimentos sociais, mais uma vez, compartilham com o mundo.

“Nos movimentos sociais nos chamamos de ‘companheiros’ porque somos irmãos, compartilhamos ideais, lutas, soluções e desafios. Somos família. É comum a prática de ficar na casa uns dos outros. Não é apenas uma questão financeira. É uma questão de acolhimento porque estamos com alguém com quem dividimos os mesmos sentimentos, que luta as mesmas lutas e isso é também uma forma de fortalecimento de relações. Não é apenas estar no mesmo lugar ou trabalhar juntos. Vai além e é mais profundo que isso”, considera João Paulo.

Texto: Glauce Monteiro
Edição: Juliana Carvalho
Montagem da página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón

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