Precisamos construir uma bioeconomia verdadeira, diz ex-senador do Amapá

Ex-senador do Amapá, João Caperibe, fala ao público em uma sala de aula sobre bioeconomia durante o X FOSPA
Em roda de conversa realizada pelo Instituto EcoVida, convidados debatem sobre a importância e o impacto da bioeconomia no ecossistema e empreendedorismo

Lar de povos de diferentes origens, a Amazônia contém aproximadamente 6,9 milhões km² e uma biodiversidade única. Entretanto, a maioria dos povos que vivem nela só tem acesso a uma minúscula parte de tudo aquilo que é extraído dos rios, lagos e matas. Buscando entender o porque disso acontecer, foi realizada neste sábado (30), a roda de conversa “Bioeconomia: inovação e impacto no ecossistema para o empreendedorismo”, no 10º Fórum Social Pan-Amazônico (X FOSPA).

Contando com a presença de ouvintes de diversas regiões da Amazônia, dinâmicas com cheiros, texturas e gostos foram feitas para compreendermos o quanto a floresta pode dar e doar. A conversa foi coordenada pelo ex-senador do Amapá e economista João Capiberibe e pela cozinheira, pensadora, professora e coordenadora do Instituto Lacitata, Tainá Marajoara.

O fechar de olhos para a destruição

Capiberibe ressaltou as mudanças drásticas que nossa fauna e flora vêm sofrendo devido às mudanças climáticas causadas pela humanidade. O avanço dos empresários, mineradores e madeireiros nas matas e a negligência dos dirigentes de órgãos como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e Funai (Fundação Nacional do Índio), são os principais causadores do tombamento das florestas e das explorações ilegais ocorridas por todo o território.

“Muita gente não sabe porque a Pororoca não acontece mais. O nosso rio não tem mais foz, não tem mais força. Os fazendeiros desviaram tanto o seu curso que ele não tem mais força para desabar no oceano. Vivemos em uma cultura originária de destruição que afeta diretamente os mais pobres e os governantes não ligam”, explicou Capiberibe.

O patrimônio natural e cultural da Amazônia vem das mãos dos seus povos nativos. Entretanto, a exploração indevida dessa mão de obra e a anulação de seu lugar como produtor e dono de toda a matéria-prima ocorre pela falta de investimento em pesquisa, educação e bioeconomia.

Para o ex-político, se com a Embrapa houvesse sido criada uma empresa focada na biodiversidade amazônida, não seriamos tão facilmente enganados pela falsa ecologia. “Se tivéssemos investido e ciência, teríamos uma revolução na indústria da biodiversidade e não precisaríamos ter empresas e pessoas de outros países levando frutos da nossa terra para fora e depois vendendo três, quatro vezes mais caro”.

Capiberibe afirmou que, desde sempre, o governo negligencia a economia gerada pelo açaí e os demais frutos amazônicos. Segundo ele, a Amazônia é um celeiro de biodiversidade e “nós estamos queimando-a sem saber o que tem dentro”. Sem investimento e sem apoio, só resta o estudo autônomo.

“Até hoje, o açaí é pouco estudado no Brasil e é conhecido como alimento de pobre. Mas quando vai lá para fora se torna creme, remédio e alimento caríssimo. O preconceito da elite econômica com o que é produzido pelos pobres barra o crescimento que nossas terras merecem. Temos vinhos, temperos, óleos e farinhas. E se as grandes instituições não estudam e não investem nisso, então nós investimos por conta própria”, concluiu Capi.

Somos filhos dessa terra

Com a palavra, explicou que a bioeconomia é tudo: produção de alimentos, produtos derivados das plantas nativas, serviços ecossistêmicos relacionados à biodiversidade, fibras, madeira, polinização das plantas, uso de recursos genéticos e micro-organismos – é tudo que vem da floresta e dos rios. Então por que o Brasil (e o brasileiro) é praticamente invisível na economia biodiversa?

“Muitas empresas chegam nas aldeias, nos povoados dentro da mata e oferecem 300, 400 reais pelas frutas, sementes e óleos que aquele povo retirou da terra. Mas é só isso que merecemos? É para isso que batalhamos diariamente? Para não termos reconhecimento e o valor que merecemos por nosso trabalho? Até quando seremos meros catadores, pescadores e caçadores?”, questionou Tainá.

A Amazônia fornece diariamente toneladas de especiarias para as transnacionais. São alimentos puros que voltam para o mercado cheios de agrotóxicos e condimentos industrializados. E centenas de famílias que deram suas vidas para cultivar algo totalmente natural perdem seu espaço de ganha-pão, uma vez que a industrialização é uma ação mundial.

Disse Tainá: “Nos tornamos refugiados ambientais, por pedir o mínimo para nossas terras. Se não fizermos algo, a Amazônia irá tombar, e não temos como fazer nada com nossa casa tombada. Eu sei plantar, eu sei tirar o olho da pupunha, eu sei fazer farinha e tenho meus piquiá pra vender. Então por que eu não tenho o mesmo apoio que os empresários tem? Por que que eu sofro ameaça por denunciar e não querer agrotóxicos em minhas terras? Essa é a realidade de quem se levanta pela Amazônia.”

Yris Victoria dos Santos Soares é graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Colaborou na divulgação de produções independentes em Belém e foi estagiária de assessoria de comunicação. Hoje, faz estágio na Alepa e participa do projeto Crônicas do Norte, como parte da coordenação de comunicação.
Imagem em destaque: João Caperibe no X FOSPA. Yris Soares/Amazônia Latitude
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