Ismael Machado

Escritor, jornalista, roteirista e doutorando em cinema. Ganhador de 12 prêmios jornalísticos. Já cantou em banda de rock, plantou árvore e ajudou a criar dois filhos.

Emas, mortes e um gato que viverá: uma síntese do governo Bolsonaro

Emas integram o paisagismo da Granja do Torto e do Palácio do Alvorada. Foto: Carlos Reis / Rhea americana

Poderia ser uma notícia prosaica, uma a mais em meio a tantas que a sociedade brasileira até naturalizou – e, em muitos casos, apoiou. Duas emas que moravam no espaço da Granja do Torto, em Brasília, lar provisório de presidentes da República, foram vítimas a mais do governo passado.

A familícia Bolsonaro cortou verba de ração para as aves, que não tinham acompanhamento veterinário e eram alimentadas com restos de comida humana. Morreram obesas. Ou envenenadas pelo fel de maldade bolsonarista, vá saber.

A morte das emas é uma síntese do que é esse indivíduo que o Brasil colocou para comandar o país por quatro anos por conta do “medo do PT”. Bolsonaro tem uma pulsão de morte, um descaso em relação à vida de outrem, uma orgulhosa ignorância de práticas simples e corretas do que é uma existência em meio à civilização.

A notícia pode parecer ínfima perante o que se está vendo entre os yanomami. Na mesma semana uma criança havia morrido por desnutrição. Em palavra menos amena: fome.

Não a fome que eu e você sentimos todos os dias e que nos leva a tomar o café da manhã, o lanche, o almoço, o jantar. É algo mais profundo, mais perene e mais devastador, porque remete à ausência total de nutrientes básicos para a sobrevivência.

As duas notícias estão interligadas. Fazem parte de um tipo de atitude que é simplesmente má. Bolsonaro é uma pessoa má. Assim como a maioria dos que o cercam ou cercavam.

De Damares Alves a Ricardo Salles, que ousou dizer ser um exagero chamar de genocídio o que está ocorrendo com os yanomami. E que lamentou não ter conseguido passar “toda a boiada”. Eram pessoas assim que estavam no poder nesse país já por si só tão perverso.

As duas emas mortas na Granja do Torto evidenciam o quão irresponsável é essa pessoa a quem se deu o cargo maior da nação. E isso ecoa em todas as outras atitudes em relação à população brasileira.

A postura diante da epidemia de covid escancarou isso, mas grande parte da sociedade brasileira viu e ignorou. É dessa matéria que também somos feitos.

O Mato Grosso tenta se desvincular da Amazônia a fim de poder desmatar mais e expandir a soja até não haver espaço para nada além dos latifúndios. A Amazônia savanizada é um sonho que acalenta muita gente que tem dinheiro no bolso.

As emas são o canto de cisne do bolsonarismo. Um cântico de morte, destruição e desapreço à existência.

E para encerrar, remeto-me ao título dessa coluna. Quando fui convidado a escrever neste espaço e me pediram uma minibiografia, enfatizei ser grato aos quatro gatos que me permitiam viver sob o mesmo teto deles.

No último dia 7 de fevereiro, um dia antes de se completar um mês tanto da morte de Roberto Dinamite como da infame tentativa golpista de “patriotas”, Nico, o mais velho entre os gatos, morreu por conta de um problema renal. Agora são duas gatas e um gato a me permitir dividir o espaço com eles.

Mas Nico permanecerá em minha memória até o fim dos meus dias. Ele era vida, amor e gentileza. O oposto do que vivemos nos últimos anos nesse Brasil.

Ismael Machado é escritor, jornalista e roteirista. A palavra escrita como fonte de vida. Autor de cinco livros, diretor audiovisual e doutorando em Cinema. Ganhador de 12 prêmios jornalísticos voltados a questões de direitos humanos, meio ambiente, educação e ciência. Também já ganhou prêmio de melhor roteiro de curta-metragem. Escreveu para grande e pequena mídia (seja lá o que isso signifique). Já cantou em banda de rock, plantou árvore e ajudou a criar dois filhos. Não sabe dirigir, mas tem orgulho de sua pequena biblioteca. Foi professor de jornalismo e sempre agradece aos três gatos por deixarem que habite o mesmo teto.
Colunistas têm liberdade para expressar opiniões pessoais. Este texto não reflete, necessariamente, o posicionamento da Amazônia Latitude.
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