Mudanças climáticas: morte de árvores destrói a grande fábrica de chuva que é a Floresta Amazônica

Impactos dos danos causados pelo desmatamento e pela degradação da Floresta são sentidos no mundo inteiro, sendo mais evidentes com as catástrofes em algumas regiões do Brasil

Cachorro é visto em área desmatada e queimada na zona rural de Humaitá (Am).
Cachorro é visto em área desmatada e queimada na zona rural de Humaitá (AM). Foto: Edmar Barros/Amazônia Latitude
Cachorro é visto em área desmatada e queimada na zona rural de Humaitá (Am).

Cachorro em área desmatada e queimada na zona rural de Humaitá (AM). Foto: Edmar Barros/Amazônia Latitude.

Basta uma rápida passagem pelos noticiários para se perceber o quanto o mundo vem sofrendo com as mudanças climáticas. No Brasil, as chuvas intensas, o calor desproporcional em pleno outono, as tempestades e todo tipo de tragédia demonstram que é urgente uma solução para a manutenção da vida no planeta.

Agora, imagine uma guerra irracional entre a natureza e o ser humano. De um lado, uma multidão de árvores equivalentes a 7 milhões km² de floresta jogando vapor de água na atmosfera ao mesmo tempo. O papel das árvores no controle do clima passa por essa imagem. E quanto mais se matam árvores — em função do desmatamento — mais sentiremos o efeito de acabar com a fábrica de chuvas que é a Floresta Amazônica.

Todos dependem da Floresta em pé, funcionando em sua plenitude e resiliência. Os impactos são sentidos pelo agronegócio de todo o Brasil, pelas indústrias em São Paulo, pois dependem da massa de umidade que entra na Bacia Amazônica e é retroalimentada pela evapotranspiração da Floresta. É como se as árvores suassem pelas folhas para nos manterem vivos com a terra resfriada.

Explorando as vastidões do Vale do Javari, entre as fronteiras do Brasil e Peru, sobrevoando as serenas águas do Rio Amazonas.

Explorando as vastidões do Vale do Javari, na fronteira do Brasil e com o Peru, sobrevoando as serenas águas do Rio Amazonas. Foto: Marcos Cólon

Uma árvore de grandes dimensões pode emitir até mil litros de água por dia de volta para a atmosfera, em forma de vapor. Além das árvores, os igarapés, os lagos, as águas dos rios, dos solos e da superfície evaporam diariamente. É dessa forma que a Floresta se transforma em uma grande “bomba de umidade para a atmosfera”. “Essa umidade é o que faz chover mais a frente”, explica Flávia Durgante, especialista em Ciências de Florestas Tropicais, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e do Instituto de Tecnologia de Karlsruhe, na Alemanha.

Durgante ressalta que, com menos umidade, a região de São Paulo tem menos produção de comida e de energia elétrica, causando grandes prejuízos econômicos. “Além disso, o desequilíbrio do ciclo hidrológico causa grandes quantidades de chuvas desreguladas, resultando em enchentes, deslizamentos de terra e mortes. Portanto, o desmatamento na Amazônia desequilibra o ciclo do Brasil e causa danos no país inteiro, não apenas na região amazônica”, complementa.

“Supressão da vegetação: um nome elegante”

Inconformada com os estragos que o ser humano vem fazendo no planeta ao longo do tempo, a cientista e coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Luciana Gatti declara que a sociedade encontrou um nome elegante para a matança de árvores: “estão suprimindo a vegetação”.

Moradora do estado de São Paulo, Gatti acredita que o desconhecimento do quanto as árvores da Amazônia produzem chuva e, consequentemente, amenizam e regulam a temperatura em todas as regiões do País não deixa as pessoas perceberem o erro de não se preocupar com os processos da Floresta estando longe dela ou morando nas cidades grandes. “Estamos em um período muito difícil da humanidade. Penso que devemos olhar para trás, ver o que fizemos de errado e ter um plano de conserto. Devemos começar plantando o máximo de árvores possível”, diz a pesquisadora.

Chuva caindo sobre a Amazônia, com bandeira do Brasil em frente.

Chuva caindo sobre a Amazônia. Foto: Marcos Cólon

Metade do peso das árvores é água nas folhas

A especialista Flávia Durgante destaca o papel fundamental que a Floresta Amazônica cumpre no ciclo global de carbono, ajudando a manter o equilíbrio, bem como diminuir os gases de efeito estufa na atmosfera. A pesquisadora lembra que, sem a proteção da Floresta, o desmatamento e as queimadas podem emitir o carbono estocado na Amazônia de forma acelerada, pois é função das árvores captá-lo na atmosfera.

“O carbono é o elemento químico essencial que compõe tudo que é feito de matéria orgânica. Ou seja, está presente em todos os seres vivos. Esse elemento químico em forma de dióxido de carbono (CO2) é absorvido por microestruturas que estão nas folhas das árvores, os estômatos. Dentro da folha, o carbono é transformado em alimento para as plantas por meio da fotossíntese (com a luz do sol) e utilizado para produzir os tecidos das árvores, como raízes, folhas, galhos e madeira. Todos são feitos de carbono”, ressalta.

Com sua imensa extensão, a Amazônia tem armazenado em suas árvores, troncos e raízes uma gigantesca quantidade de carbono, sendo um dos maiores estoques vivos do mundo. Os cientistas nos alertam para o fato de que essa quantidade corresponde à emissão total do planeta Terra em dez anos.

Entretanto, a importância e a influência da Amazônia para o clima em outras regiões do Brasil, sobretudo em São Paulo e na região Sudeste, como um todo, não para na questão do ciclo global de carbono. A Floresta também cumpre um papel fundamental no ciclo da água, funcionando como um grande ar-condicionado que ajuda a arrefecer a temperatura. “A água da chuva entra no continente em forma de umidade e vapor pela evaporação do Oceano Atlântico, sendo carregada pelos ventos alísios. Parte dessa chuva é absorvida pelas raízes das árvores, e 50% de todo o peso dessas árvores é água estocada nas folhas, tronco e raízes, como se fosse uma esponja”, compara.

Testemunhando a iminência de uma grande seca enquanto navegamos pelo Rio Solimões de Tabatinga para Manaus

Testemunhando a iminência de uma grande seca pelo Rio Solimões, de Tabatinga para Manaus. Foto: Marcos Cólon

Rios voadores

A grande massa de umidade que entra pelo Oceano Atlântico e segue pelo continente chovendo e sendo retroalimentado de umidade pela evapotranspiração da floresta e dos rios é popularmente conhecida como o fenômeno dos “rios voadores”. E o que eles fazem é basicamente transportar grandes quantidades de vapor d’água oriundo do Oceano, fazendo chover em outras regiões do Brasil e até da América do Sul.

Para o cientista e ambientalista da Universidade Estadual do Ceará (UECE) Alexandre Costa, esse é justamente o principal papel regional da Amazônia no clima de outros lugares. “A floresta é capaz de armazenar e redistribuir a água da chuva ao longo do tempo, mantendo um ambiente constantemente úmido. Em uma escala tão grande como é o caso da Floresta Amazônica, é capaz de devolver umidade para as correntes atmosféricas transportando água para as outras regiões”, reforça.

Costa traz a questão dos combustíveis fósseis como o principal emissor de gases de efeito estufa, mas chama a atenção, assim como a colega Luciana Gatti, para a questão dos hábitos alimentares e do perigo de ficar, por exemplo, sem água, gerando uma série de conflitos e consequências para todas as camadas da sociedade.

“Está tudo errado. Desde nossa alimentação. A pecuária para nós é catastrófica. Eu sinto vergonha de sermos os maiores exportadores de carne bovina. Só o aparelho digestivo dos bovinos produz tanto metano que, fazendo a equivalência com o CO2, um grama de metano equivale a 28 gramas de CO2 em termos de aquecimento global na escala de 100 anos”, compara o pesquisador. Sob essa perspectiva, as emissões de fermentação entérica [relativa ao intestino] da pecuária brasileira se comparam às emissões do transporte de todo o país.

Acerca da questão do papel da Amazônia no clima de outras regiões, segundo o Costa, uma redução — ainda que seja de um percentual pequeno no fluxo de umidade para o Sudeste brasileiro — pode ser capaz de comprometer os estoques hídricos, o abastecimento de água, tão fundamental para inúmeras atividades humanas, desde o abastecimento doméstico até atividades industriais de agricultura e irrigação.

“Está tudo errado, desde nossos hábitos alimentares. A sociedade precisa se mobilizar, tomar consciência. Desde o prato até o voto. Precisamos agir pensando no fim do mês e no fim do mundo. Afinal, qual é o legado que vamos deixar para nossas crianças?”, questiona o ambientalista.

Produção: Alessandra Karla Leite
Edição: Alice Palmeira
Revisão: Isabella Galante
Direção: Marcos Colón

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