IDEB 2023: o Pará aprendeu a ganhar boa nota na avaliação tal qual um aluno que não estuda e escancara limitações do indicador
Mudança no sistema de aprovação impulsiona resultado do Pará no IDEB, mas não reflete avanço real na qualidade de ensino ou aprendizagem dos estudantes


Governador do Pará, Helder Barbalho, anunciando a subida no ranking do IDEB. Foto: Alex Ribeiro / Ag. Pará
O que aconteceu?
O governo e a Secretaria Estadual de Educação do Pará (Seduc-PA) fizeram uma série de anúncios no mês de agosto festejando o alcance da sexta posição nacional na média do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do ensino médio público. O estado saltou da 26ª posição (penúltima), em 2021, para uma das melhores médias, ficando inclusive acima da média do Brasil (ver Gráfico 1).

Figura 1 – Série histórica da média do ensino médio público do Pará e do Brasil no IDEB (2005-2023). Fonte: INEP. Elaboração do autor.
Qual é o histórico?
O salto da média estadual de 3 para 4,3 pontos foi o maior do país. De fato, o resultado se apresenta muito expressivo, uma vez que na série história de médias do IDEB, de 2005 até 2023, o Pará sempre esteve entre as últimas posições, ocupando a penúltima posição nas três versões anteriores à de 2023, como podemos ver na Figura 2.

Figura 2 – Série história da posição do Pará no IDEB do ensino médio (2005-2023). Fonte: INEP. Elaboração do autor.
Quando somadas as notas do IDEB desde 2005, fica mais uma vez evidente que o resultado de 2023 não condiz com o histórico do estado, que, mesmo com a nota de 2023, continua ocupando a 26ª posição entre as unidades federativas do Brasil.

Figura 3 – Somatória das médias do IDEB do ensino médio por estado (2005-2023). Fonte: INEP. Elaboração do autor.
Diante do cenário apresentado pelos dados, nos perguntamos, então, como o estado alcançou resultado tão expressivo em apenas dois anos? Para entender como isso ocorreu, precisamos dar um passo atrás e conhecer melhor como se compõe o índice Ideb.
O número final do índice é o resultado da multiplicação do fluxo de aprovados – percentual de aprovação dos estudantes dos três anos do ensino médio – pela nota média da prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), realizada pelos estudantes de terceiro ano do ensino médio”.

Anúncio do aumento da nota do Pará no IDEB. Foto: Alex Ribeiro / Ag. Pará
O que a Seduc-PA fez para aumentar a nota?
Sabedor da composição de cálculo do IDEB, o secretário de educação, Rossieli Soares, alterou o regime de avaliação (reprovação/aprovação) em toda a educação básica, que era feito anualmente e passou a ser por ciclo, ocorrendo, então, apenas nos anos finais de cada uma das etapas – ensino fundamental menor, maior e médio. Para o Secretário, essa mudança reduziria a evasão escolar, numa ação isolada que entende a evasão pela ótica do estímulo pela aprovação automática, tirando inclusive a autonomia dos professores na avaliação dos estudantes.
Com a mudança no ensino médio, os estudantes só podem ser reprovados no terceiro ano. A alteração fez com que o Pará atingisse o primeiro lugar nacional no fluxo de aprovação do primeiro e segundo anos, com 100% de aprovação! – taxas nunca antes alcançadas por nenhum estado na história do indicador”.
No terceiro ano, esse índice caiu para décimo, com 96% de aprovação. Na média dos três anos, o estado se manteve em primeiro lugar com a taxa de 99% de estudantes aprovados na etapa. Este desempenho consta como o principal fator no salto do estado no Ideb. Para se ter uma ideia deste desempenho, na avaliação anterior a nota de fluxo do Pará foi de 75% e a melhor nota do estado tinha sido em 2019, com 80%.
Os dados de 100% de aprovação nos primeiros anos soam, no mínimo, estranhos, uma vez que a progressão automática é normalmente aplicada apenas para fins de desempenho na aprendizagem escolar e não contempla isenção de critérios na frequência escolar dos estudantes. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo vinte e quatro, estabelece o mínimo de 75% de frequência para aprovação.
De fato, em trabalho de campo de nossa pesquisa de doutorado, que está sendo realizada no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo, entrevistamos estudantes que disseram ter ficado ausentes por sete meses da escola e que mesmo assim foram aprovados ao final daquele ano letivo.
Em relação à nota do Saeb, houve uma pequena melhora constatada. O estado passou de 4 pontos, em 2021, para 4,3, em 2023. Mas, considerando apenas o Saeb, o desempenho do estado é o 16º e fica abaixo da média nacional. Para se ter ideia do peso das duas taxas na atual nota, caso se tivesse mantida a média de fluxo da avaliação anterior, o estado teria atingido 3,4, isto é, apenas 0,4 acima da nota de 2021 e seria o antepenúltimo colocado em 2023.

Alunos estudando na rede pública paraense. Foto: Marcelo Seabra / Agência Pará
Limitações e manipulação do indicador, quem perde são os jovens
A pergunta que fica é, afinal, o que de fato mudou na aprendizagem dos estudantes paraenses que têm agora a certeza de que serão aprovados para o aumento do Ideb? Ou, então, o que foi alterado na vida daqueles que nem sequer estão na escola, uma vez que a taxa de jovens entre 15 e 17 anos fora de sala de aula no Pará ultrapassa os 10%, sendo o dobro da média nacional? O indicador em questão não computa de nenhuma forma a taxa de jovens excluídos da escola. Seja ela qual for, o estado pode atingir a maior nota no país.
Já em relação à aprendizagem dos estudantes, quando olhamos para os resultados no ENEM 2023, avaliação que pode ser porta de entrada para as melhores universidades do País, notamos que a média paraense, em uma avaliação muito mais completa, não passa da 19ª posição, estando mais uma vez abaixo da média nacional.

Figura 4 – Somatória da média das cinco provas do ENEM 2023. Fonte: INEP. Elaboração do autor.
Afinal, questionamos, qual é a efetividade de um indicador como o Ideb, que é facilmente manipulado pela SEDUC-PA, permitindo, inclusive, medidas ilegais de frequência dos estudantes, e que não avalia as reais condições das escolas, não leva em conta as condições socioeconômicas dos alunos, a condição de trabalho dos professores, tampouco o número de excluídos da escola, de evadidos e ações de equidade em um país tão desigual como o nosso?
A festa do governador e do secretário de educação, mais uma vez, não é a festa do povo paraense.
Felipe Garcia Passos é professor do Instituto Federal do Pará (IFPa) e doutorando do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). Desenvolve pesquisa e extensão em políticas educacionais, ensino de geografia e linguagem cartográfica no IFPA e no Laboratório de Ensino de Geografia e Material Didático (LEMADI-DG-USP).
Texto: Felipe Garcia Passos
Revisão: Glauce Monteiro
Montagem da Página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón