Floresta em pó: como o narcotráfico e as políticas repressivas destroem territórios e o clima na Amazônia

Especialistas destacam impactos da proibição de drogas e a urgência de políticas baseadas nas comunidades.

O narcotráfico e as políticas de drogas repressivas estão destruindo os territórios e o clima na Amazônia. A região sangra sob o impacto do crime organizado e da ineficácia do Estado. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.
O narcotráfico e as políticas de drogas repressivas estão destruindo os territórios e o clima na Amazônia. A região sangra sob o impacto do crime organizado e da ineficácia do Estado. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.
O narcotráfico e as políticas de drogas repressivas estão destruindo os territórios e o clima na Amazônia. A região sangra sob o impacto do crime organizado e da ineficácia do Estado. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.

O narcotráfico e as políticas de drogas repressivas estão destruindo os territórios e o clima na Amazônia. A região
sangra sob o impacto do crime organizado e da ineficácia do Estado. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.

Na Amazônia, a escalada do narcotráfico se consolida como um problema crítico de justiça climática e ambiental. A presença de organizações criminosas e a cadeia produtiva da cocaína impõem uma pressão sem precedentes sobre a floresta e seus povos, exacerbando a vulnerabilidade dos ecossistemas e das comunidades tradicionais. Políticas de drogas repressivas falham ao ignorar a conexão com a degradação ambiental e violações de direitos humanos. Uma abordagem integrada, baseada em dados cidadãos e incidência política, é fundamental para proteger territórios e transformar a governança.

Especialistas e ativistas buscam propostas que reflitam a experiência local e informem políticas globais. Estas complexas relações entre segurança pública, políticas de drogas e justiça climática na Amazônia foram discutidas na COP 30. Os dados apresentados no painel “Floresta em Pó: Impactos socioeconômicos e ambientais da proibição da cadeia produtiva da coca e da cocaína na Bacia Amazônica e no Brasil”, que aconteceu na Green Zone, podem ser encontrados em um relatório que leva o mesmo nome.

A publicação apresenta um diagnóstico com dados inéditos sobre as dinâmicas e os impactos da proibição da cadeia produtiva. Ao apontar a medida como vetor da crise climática, o estudo alerta para a urgência de incorporar a reforma das políticas de drogas e a redução de danos ecológicos nas estratégias de mitigação, adaptação e justiça territorial.

Essa proibição não elimina a demanda, mas a empurra para territórios remotos e de fraca governança, geralmente em zonas de alta biodiversidade, onde o crime organizado opera com impunidade, facilitando o desmatamento acelerado para o cultivo e, em seguida, para a conversão de terras em outras atividades ilícitas, como a pecuária e a extração ilegal de madeira.

Disputa territorial e a risco ao modo de vida

Dandara Rudsan, pesquisadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, comenta sobre a intrínseca ligação entre o narcotráfico na região Amazônica e a justiça climática. Ela destaca que o relatório “Floresta em Pó” revela como a cadeia produtiva da cocaína está se apropriando do território de comunidades tradicionais, as principais rotas utilizadas pelo narco-garimpo, pelo narcotráfico e pelo crime organizado para o refino deste insumo.

"A floresta não se mantém em pé se nós não conseguirmos nos manter no território", alertou a pesquisadora Dandara Rudsan sobre o impacto do narcotráfico.

“A floresta não se mantém em pé se nós não conseguirmos nos manter no território”, alerta a pesquisadora Dandara Rudsan. Foto: Amazônia Latitude.

O Brasil, segundo Dandara, está deixando de ser apenas um local de passagem para a cocaína e seu mercado ilegal destrutivo. “Além das hidrelétricas, mineradoras e outros projetos de desenvolvimento que já afetam povos e comunidades tradicionais, nós temos, agora, o crime organizado, que através do narcotráfico e o refino dentro da região amazônica, faz com que haja mais uma disputa por território”, comenta.

O levantamento aponta que a expansão dos cultivos de coca é um vetor direto de desmatamento nos vales andinos e na Amazônia colombiana. A perda de cobertura florestal relacionada à planta dobrou na última década, com taxas anuais acima de 20 mil hectares. Estes dados sublinham a dimensão ambiental do problema, que transcende as fronteiras e afeta diretamente a conservação da maior floresta tropical do mundo.

A pegada ambiental da proibição de drogas vai além do desmatamento. Pesquisas indicam que o cultivo de coca atua como uma “cultura de fronteira”, facilitando o acesso para a criação de gado e a extração ilegal de madeira. O sistema de proibição empurra a produção para territórios remotos, com governança fraca e alta biodiversidade, onde a fiscalização é ineficiente. Dessa forma, gera mercados criminosos e zonas de sacrifício ambiental.

Ainda sobre a interação entre o crime organizado e as populações tradicionais, Dandara complementa que a urgência do combate a este sistema está ligada ao clima e ao meio ambiente, porque ele afasta os povos do território.

Se nós não conseguirmos nos manter no território, e eu falo agora como uma mulher ribeirinha que sou, a gente não consegue reproduzir nosso modo de vida. Sem reproduzir nosso modo de vida, a floresta não se mantém em pé e o rio não se mantém vivo. Com isso, há um aprofundamento da emergência climática e não se pode falar de justiça climática, sem falar da guerra às drogas, porque o crime organizado está também incluso dentro desse processo expropriatório de terra de comunidades tradicionais.”

Racismo Ambiental e a migração forçada de jovens

Ediane Lima da Silva, do Observatório do Marajó, comenta sobre o processo migratório e suas consequências para as comunidades. “A gente vive em territórios que muitas vezes as políticas públicas não chegam e os jovens, que não conseguem acessar o mercado de trabalho, acabam procurando o caminho mais fácil, sendo cooptados por traficantes e por outras pessoas. Isso acaba fazendo com que elas deixem os seus locais de origem, suas comunidades, migrando para as periferias das cidades e infelizmente, adentrando cada vez mais pelo mundo das drogas”, lamenta.

O cenário do Marajó, onde o Racismo Ambiental é uma realidade. Ediane Lima da Silva, do Observatório do Marajó, explica que a ausência de políticas públicas força os jovens a migrarem para as periferias das cidades. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

O cenário do Marajó, onde o Racismo Ambiental é uma realidade. A ausência de políticas públicas força os jovens a migrarem para as periferias das cidades. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

A questão do racismo ambiental, que marginaliza comunidades racializadas e minoritárias, é uma realidade no Marajó, especialmente evidenciada pela falta de políticas públicas. Este fenômeno ocorre quando populações vulneráveis são desproporcionalmente afetadas por riscos ambientais e pela degradação, sofrendo com a ausência de infraestrutura básica e de acesso a direitos essenciais. Consequentemente, essas comunidades são forçadas a abandonar seus modos de vida em busca de oportunidades e serviços que deveriam ser garantidos em seus próprios territórios. Para Ediane, a migração de jovens para cidades é impulsionada justamente por conta do racismo ambiental.

Ela explica que “existem lugares de Marajó em que as pessoas não conseguem acessar a universidade pública, muitas vezes, mal conseguem chegar até o ensino médio. E quem quer continuar estudando precisa sair da sua localidade para ir para a cidade para poder acessar uma universidade. Isso, infelizmente, é uma forma de racismo ambiental porque acaba excluindo essas pessoas de continuarem estudando e vivendo nos seus territórios”.

O Observatório do Marajó atua no fortalecimento do espaço cívico da região, com foco na análise de dados e indicadores socioeconômicos. A iniciativa, que surgiu em 2020 a partir da organização Lute Sem Fronteiras (LSF), busca produzir tecnologias sociais em colaboração com lideranças locais. Sua proposta é capacitar especialmente mulheres, ribeirinhos e quilombolas, fornecendo ferramentas e dados.

Ediane comenta que a organização acredita que os moradores das comunidades tradicionais detêm o conhecimento mais valioso para melhorar suas vidas, mas necessitam de acesso aos espaços de construção e avaliação de políticas públicas, bem como à definição do orçamento, e essa é uma das principais ferramentas para solucionar essas questões. Sobre a busca por soluções, Ediane enfatiza a importância da escuta ativa das comunidades.

Solucionar isso é um desafio muito grande, mas temos feito levantamento de dados e estamos cobrando, principalmente, políticas públicas que sejam voltadas para o território, mas que não cheguem de qualquer jeito, que cheguem baseadas no que as comunidades, e no que os territórios realmente precisam. Que não seja uma política que venha de cima para baixo, mas que as comunidades, que as populações ribeirinhas, sejam escutadas para terem as suas demandas atendidas.”

A Urgência da reforma de políticas de drogas

O estudo destaca que para encontrar soluções eficazes para os problemas do comércio ilícito, é fundamental compreender a natureza interconectada da cadeia de suprimento de cocaína e a falha dos instrumentos legais e políticos internacionais. A aplicação punitiva das políticas antidrogas, muitas vezes focada em problemas urbanos europeus, pode ter impactos perversos, fortalecendo o crime organizado, minando direitos e alimentando a destruição ambiental em outras regiões.

O Brasil tem um papel urgente na reforma dessas políticas. Diante das contínuas crises sociais, ambientais e de governança causadas pela proibição, o país, assim como a Colômbia, não pode se omitir nos debates globais sobre políticas de drogas. Sua experiência direta com os impactos devastadores do comércio de cocaína confere-lhe legitimidade para defender mudanças. As soluções precisam ser globais e colaborativas, reconhecendo a “responsabilidade compartilhada” na mitigação dos danos da guerra às drogas.

Edição: Juliana Carvalho
Montagem da Página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón

 

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