Amazonizar o mundo para criar sociedades do bem-viver

A rede Cáritas Brasileira acredita que os modos de ser, viver e lutar na Amazônia são grandes exemplos a serem seguidos para cultivar o bem-viver no mundo

A urgência em adotar outros modos de vida diante do modelo destruidor atual, mais recíproco em relação à natureza – tal qual os povos tradicionais da pan-amazônia sempre vivenciaram –, foi o fio condutor do debate proposto pela Rede Cáritas Brasileira.

O organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) propôs a discussão durante a roda de conversa “Fortalecimento da sociedade do Bem-Viver”, do 10º Fórum Social Pan-Amazônico (X FOSPA), nesta sexta-feira, 29.

A Amazônia possui um ritmo próprio a ser respeitado

O objetivo principal da Rede Cáritas na Amazônia é luta pela proteção dos saberes e do território das populações tradicionais, segundo a articuladora Marcela Vieira. Em roda, as mulheres militantes da organização puxaram cantos de luta em saudação à abertura do evento, e trouxeram ao centro da sala diversos objetos de matriz africana, da cultura indígena e do universo cristão.

Entre velas, uma imagem de Nossa Senhora, maracás, banhos de cheiro e guias de Orixás ressaltaram que há um delicado equilíbrio na floresta Amazônica, presente em seus ciclos de chuvas, de carbono e de espiritualidades. Caso o equilíbrio seja modificado pelo modelo de desenvolvimento (ainda) colonialista, as consequências serão desastrosas a curto e longo prazo.

O ritmo nos rios – que é o mesmo da vida – deve ser respeitado, tal qual ensinam cotidianamente os povos amazônicos.

A coordenadora nacional da Cáritas Brasileira, Valquíria Lima, apontou que as principais preocupações das comunidades atendidas pela Rede giram em torno da falta de água potável. Apesar da Amazônia ser um dos maiores reservatórios de água do planeta, o desmatamento e a atividade mineradora têm afetado a qualidade da água, gerando uma crise na pesca, na alimentação e no abastecimento.

Outra preocupação é o movimento migratório e imigratório. A partir de 2010, a Amazônia se tornou uma das maiores rotas de migração da América Latina, tornando-se “uma espécie de entrada para o Brasil pela porta dos fundos”, segundo Valquíria Lima. Esse processo catalisou economias ilícitas lucrativas como o tráfico de pessoas, drogas, armas e trabalho análogo à escravidão nas fronteiras da Pan-amazônia.

O papel da Rede Cáritas diante deste cenário, amplamente discutido durante a roda, tem sido “Amazonizar a igreja, a própria rede Cáritas e o mundo”. A começar pela compreensão de que a Amazônia possui um ritmo próprio, devido, em parte, às suas longas distâncias e dificuldades de acesso, por exemplo, à internet. Essas barreiras, por sua vez, muitas vezes são rompidas pelos movimentos sociais rurais e urbanos de base católica, e não pelo poder público.

Amazônia: do local ao global

“Pelas terras conquistadas, pelos povos apagados, eu te chamo liberdade, eu te chamo Amazônia”, bradou Valquíria.

Curiosamente puxado por um organismo da Igreja Católica, instituição que teve convergência histórica com a colonização, o tema da atualização dos modos de colonização da Amazônia foi um tema recorrente durante a conversa.

Os membros de diversas regiões do Brasil, da Amazônia e do exterior que constroem a Cáritas questionaram seus próprios lugares e responsabilidades frente aos problemas da Amazônia do século 21. Perguntaram-se: Como fortalecer sem abafar a voz das populações tradicionais? Como potencializar? Como construir juntos?

A roda enfatizou que pensar e vivenciar a Amazônia durante a guerra neocolonial e neoliberal em curso requer que façamos e refaçamos essas perguntas cotidianamente, a fim de centralizar a Amazônia no debate como um problema de todos. Isto é, global, e não só local.

A necessidade de uma discussão mais profunda sobre os temas sociais e ambientais da Amazônia em contexto global e local foi evidenciada, sobretudo, a partir do breve debate entre a Representante da Cáritas Internacional-França, Audi Heick, e articuladores locais da Cáritas Amazônia.

Audi comentou que uma das prioridades da Cáritas internacional no auxílio aos projetos da América Latina é o incentivo à agroecologia. Em seguida, foi questionada por um Representante de Manaus: Ribamar comentou que tratar e trabalhar esse tema nas comunidades é, na prática, um desafio imenso, em razão da forte tradição das comunidades em usar modelos antigos de produção, como o uso de agrotóxicos.

Segundo ele, é muito difícil fazer essa transição agroecológica em meio a um governo que incentiva a liberação de mais de 50 modelos de agrotóxicos, sendo que na Europa os mesmos são proibidos há décadas. Sem um trabalho de mídia que favoreça essa transição, Ribamar ressaltou, a população Amazônica continuará sem segurança alimentar.

Aprender com os povos da Amazônia e a partir da Amazônia, de forma horizontal, foi o ponto de encontro entre os debatedores. Marcio Tikuna, representante do rio Solimões, enfatizou a urgência em apresentar ao mundo, de forma eficaz, os outros possíveis modos amazônicos de bem-viver.

Marcela Gomes Fonseca é mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA) e fundadora da Rodapé Oficina Editorial, editora independente de Estudos Amazônicos. Pesquisa História da Amazônia há oito anos e tem se especializado na área da Literatura e História da Amazônia como metodologia de empoderamento comunitário.
Imagem em destaque: Marcela Gomes Fonseca/Amazônia Latitude
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