Fotogaleria: No Alto Solimões, a vida ribeirinha sobrevive em meio à seca mais devastadora da história
Série fotográfica documenta o impacto da seca extrema nas cidades do Alto Solimões, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru
Homem caminha por onde era o leito do Rio Solimões. Foto: Antônio Caldas / Amazônia Latitude
A palidez é o que mais chama a atenção na área da tríplice fronteira da Amazônia, onde o Brasil, a Colômbia e o Peru se encontram. O verde desaparece a olhos vistos. O tom marrom do rio está cada vez mais distante. A areia e a lama tomam conta da paisagem.
É a seca.
A estiagem sazonal cria novos recordes, impulsionada por mudanças climáticas e pelo desmatamento. Em 2023, a região enfrentou uma das piores secas de sua história, com a queda drástica dos níveis dos rios e uma onda de calor sufocante que afetou a vida de todos os moradores da cidade de Tabatinga, no Amazonas, e do seu entorno.
Na época, o Rio Solimões baixou para alarmantes 2,56 metros, com a régua usada pela Defesa Civil para monitorar o nível fluvial apontando para 0,76 metros, no dia 23 de outubro. A situação só não foi mais grave do que a registrada em 2010 quando, segundo o Serviço Geológico do Brasil, no dia 11 de outubro, a cota de água estava em 0,86m negativos.
Agora a ameaça chega com novos recordes. No dia 30 de agosto deste ano, o Rio Solimões chegou ao mais baixo nível já registrado na história: -0,94 metro, em Tabatinga. O número negativo indica que a água está mais baixa do que o instrumento normalmente usado para medí-la. Novas réguas começaram a ser instaladas para medir o novo nível da água no rio.
Os dados indicam que esta é a maior seca dos últimos 40 anos: com a profundidade da água em apenas 7 centímetros, em alguns pontos.
Situação de emergência
Este ano, a vazante começou mais cedo: em junho.E deve durar até outubro. Em locais acompanhados pela Defesa Civil de Tabatinga, o nível do rio Solimões está 82 centímetros mais baixo do que o registrado no ano passado, na mesma época.
Pelo menos vinte cidades do Amazonas decretaram situação de emergência por causa da estiagem. Sete delas estão na área do Alto Solimões: Tabatinga, Benjamin Constant, Atalaia do Norte, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá e Tonantins.
O Ministério Público do Estado pediu que as prefeituras tomem medidas igualmente urgentes para lidar com o problema. Isso porque, em 2023, Tabatinga, por exemplo, ficou três meses sem receber embarcações que iam de Manaus em direção à região. A falta de produtos causou uma crise econômica. Preços elevados trouxeram a fome e falta de remédios para quem já sofria com o isolamento.
Sem água, as plantas morrem, os animais se afastam, o pescado escassa, o barco encalha. Apesar de algumas cidades serem interligadas por caminhos por terra, é pelos rios que a população tradicionalmente se desloca. Sem eles, os habitantes ficam isolados. Afastados da biodiversidade que parece se encolher bem ali diante dos nossos olhos e afastados de outros grupamentos humanos.
As comunidades, já debilitadas pela falta de acesso a recursos essenciais, enfrentam agora um desafio ainda maior para sobreviver. O ritmo de descida do rio sugere que essa situação pode se estender a outras áreas, como as margens dos rios Negro e Amazonas, se as condições climáticas não mudarem.
300 mil pessoas isoladas e encalhadas
Em Tabatinga, os barcos pousam sobre os bancos de areia do fundo do rio que, em alguns pontos, já parece mais um deserto do que um “pedaço” da Amazônia. O nível do corpo d’água despencou de tal forma que a balsa de operações de embarque e desembarque na frente da cidade ficou encalhada, impossibilitando que novos barcos atraquem.
A orla do “Solimões” mudou radicalmente. A distância do rio até as casas está cada dia maior. Estruturas que deveriam planar sobre as águas, feitas para acompanhar o “sobe e desce” da maré, agora estão completamente presas na lama.
“Pontes” para levar as pessoas da margem do rio ao local onde, efetivamente, há água e barcos estão sendo construídas. Barcos que já pararam de fazer antigos trajetos como o realizados entre a cidade de Benjamim Constant e Manaus. Comunidades inteiras que, agora, enfrentam dificuldades para chegar até a sede do seu município.
Mais de 300 mil pessoas estão diretamente afetadas pela estiagem, segundo a Defesa Civil. Cada família, enfrentando dificuldades para locomoção, acesso a água potável e manutenção de suas atividades econômicas, sempre dependentes do rio.
As previsões são sombrias: sem uma resposta eficaz, a sobrevivência das populações ribeirinhas está em risco.
A região, conhecida por sua beleza e biodiversidade, definha. O rio, substituído por um mar de lama e poeira.
Por vários dias, o fotógrafo Antônio Caldas, colaborador da Amazônia Latitude, caminhou, navegou e sobrevoou com drones sobre a região de Tabatinga documentando a pior seca da história da região e sentindo, como morador da área, a palidez que toma conta da Tríplice fronteira amazônica, na falta de vida e de rio:
Fotos: Antônio Caldas
Texto: Alice Palmeira
Montagem da página: Alice Palmeira
Revisão e edição: Glauce Monteiro
Direção: Marcos Colón